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Pela definição clássica
mediunidade é uma faculdade do médium. Médium,
por sua vez, é a pessoa que serve de intermediário entre
os espíritos e os homens (KARDEC,
1993, p. 449), ou, no entendimento mais
usual, entre os desencarnados e os encarnados.
Entretanto, temos observado que essa
definição clássica não está abrangendo,
como seria de se esperar, todas as situações que envolvem
essa faculdade, pois há situações práticas
que não se enquadrariam nela. Para exemplificar, citamos a
manifestação de um vivo numa reunião mediúnica
como uma delas.
Isso não é novidade,
pois sabemos que há experiências de Kardec em que foram
evocados Espíritos de pessoas vivas. Podemos ler, por exemplo,
na Revista Espírita o relato de uma delas realizada junto à
Sociedade Espírita de Paris, em 03 de fevereiro de 1860, onde,
para o estudo a que Kardec se propôs, foi evocado o espírito
do Doutor Vignal, uma pessoa viva, que se manifestou àquela
reunião (Revista Espírita 1860,
pp. 81-88).
Um outro caso relatado foi o da evocação
de uma surda-muda de nascença, que à época tinha
a idade de 32 anos (Revista Espírita
1860, pp. 88-90).
Recentemente, o médico psiquiatra
Dr. Frederico Leão realizou, nas Casas André Luiz, uma
pesquisa para saber se, entre os espíritos que se manifestavam
na reunião mediúnica, poderia estar ocorrendo a de internos
daquela instituição. Foi constatado que cerca de vinte
internos se manifestavam nas reuniões [[1]].
Assim, podemos perceber que a definição clássica
não enquadra esses casos, pois entre os espíritos que
se manifestavam nessas sessões havia também os de vivos.
Daí nos ocorreu a idéia
de refletirmos sobre esse assunto, para o qual apresentamos a seguinte
hipótese: o que chamamos de mediunidade é, em
verdade, uma faculdade do espírito, pouco importando sua condição
de estar encarnado ou não. E médium seria, então,
o indivíduo que consegue captar os pensamentos ou sentimentos
de outro, estando este encarnado ou não.
Surgiu-nos, naturalmente, o seguinte
esquema:
1. Anímicas
– (vivos ou mortos): do próprio suject, sem qualquer
outra participação. Todo o fenômeno é
produzido partindo da psique do indivíduo, sem nenhuma outra
interferência: vidência, emancipação da
alma, ectoplasmia e psicometria.
2. Mediúnicas –
com participação de outras personalidades:
2.1. Entre vivos
– captação de pensamento, telepatia, percepções
de emoções, etc. entre dois encarnados.
2.2. Entre vivos e mortos
– mensagens, artigos e ditados provenientes de personalidades
que deixaram a dimensão física, transmitidas a encarnados,
como também aquelas provenientes de desencarnados usando
um encarnado em estado de emancipação da alma.
2.3. Entre mortos
– são ocorrências específicas entre
duas personalidades pertencentes à dimensão espiritual,
mas que se encontram em planos de evolução diferentes.
3. Mistos –
(vivos ou mortos): fenômenos em que a base para a sua produção
é anímica, mas de efeito mediúnico. Por exemplo:
no caso da vidência, se o sensitivo vê apenas a dimensão
espiritual sem captar nenhuma mensagem ou pensamento dos que lá
se encontram, seria apenas anímico, mas, quando, nessa ocorrência,
recebe ou capta qualquer mensagem passa a ser misto.
A evolução do nosso
pensamento, em relação à definição
clássica, aconteceu por ter lido, em vários livros,
que há ocorrência da mediunidade entre os que se encontram
no outro plano da vida. Das leituras verificamos que, na dimensão
espiritual, as reuniões mediúnicas levadas a efeito
tinham, por exemplo, objetivo de estabelecer contato com espíritos
de esferas mais elevadas, inclusive, em alguns casos, com eles a se
materializarem, o que nos remete à idéia de que essa
faculdade é do espírito, pelo fato dela existir em qualquer
dimensão, tanto na física quanto na espiritual. Acreditamos
que serviremos de intermediário, quando, em determinada circunstância,
percebermos a idéia de outros Espíritos, mesmo que esse
pensamento não tenha como destinatário outras pessoas.
Neste caso, segundo ousamos pensar, estaremos sendo intermediário
para nós mesmos, se assim pudermos nos expressar.
André Luiz,
pela pena de Chico Xavier, relata diversas reuniões
mediúnicas na dimensão espiritual, onde Espíritos
de uma hierarquia mais elevada se manifestaram usando Espíritos-médiuns.
Encontramos no livro Libertação até
mesmo vários casos de materialização [2]
ocorridos na dimensão espiritual, dentre os quais destacamos:
O instrutor parecia vacilante, embora
o halo radioso que lhe cobria gloriosamente a cabeça veneranda.
Chamou-me num sopro e informou:
- André, dirige os trabalhos
da reunião, enquanto devo fornecer recursos à materialização
de nossa benfeitora Matilde. Vejo-a ao nosso lado, esclarecendo
haver chegado a noite longamente esperada por seu coração
materno. Antes do reencontro com Gregório, em companhia de
bem-aventuradas entidades que a assistem, pretende ela visitar-nos,
de maneira tangível, encorajando quantos aqui hoje se candidatam
ao serviço preparatório de ingresso em círculos
superiores.
Tremi, perante a ordem, mas não
hesitei.
Tomei-lhe o lugar, sem detença,
enquanto o sábio mentor se recolhia a dois passos de nós,
em profunda meditação.
Reparamos, em silêncio, que
luz brilhante e doce passou a se lhe irradiar do peito, do semblante
e das mãos, em ondas sucessivas, semelhando-se a matéria
estelar, tenuíssima, porque as irradiações
pairavam em torno, como que formando singulares paradas nos movimentos
que lhe eram característicos. Em breves instantes, aquela
massa suave e luminescente adquiria contornos definidos, dando-nos
a idéia de que manipuladores invisíveis lhe infundiam
plena vida humana.
Mais alguns instantes e Matilde
surgiu diante de nós, venerável e bela.
O fenômeno da materialização
de uma entidade sublimada ali se fizera prodigioso aos nossos olhos,
em processo quase análogo ao que se verifica nos círculos
carnais.
Ante a benfeitora, diversas mulheres
presentes prosternaram-se, dominadas de incoercível emoção,
atitude natural que não nos surpreendeu, porque, efetivamente,
nos sentíamos em contacto direto com um anjo glorioso, em
forma de mulher (XAVIER, 1987, pp. 228-229).
A materialização aqui
relatada em nada difere das que ocorrem na dimensão física,
segundo os relatos de que temos conhecimento.
No livro Obreiros da vida
eterna é relatada uma manifestação do
Espírito Letícia, que se
encontrava numa dimensão diferente da daqueles aos quais trazia
sua mensagem, usando como intermediária a enfermeira e clarividente
Luciana, cuja voz, segundo a narrativa, foi altamente modificada (XAVIER,
1986, pp. 144-155).
Especificamente no livro Nos
Domínios da Mediunidade, encontramos no cap. 19, intitulado
“Dominação Telepática”, o seguinte:
Hilário, intrigado, perguntou:
- Examinamos, porém, um fenômeno
comum?
- Intensamente generalizado. É
a influenciação de almas encarnadas entre si que,
às vezes alcança o clima de perigosa obsessão.
Milhões de lares podem ser comparados a trincheiras de luta,
em que pensamentos guerreiam pensamentos, assumindo as mais diversas
formas de angústias e repulsão.
- E poderíamos enquadrar
o assunto nos domínios da mediunidade?
- Perfeitamente, cabendo-nos acrescentar
ainda que o fenômeno pertence à sintonia. Muitos processos
de alienação mental guardam nele as origens. Muitas
vezes, dentro do mesmo lar, da mesma família ou da mesma
instituição, adversários ferrenhos do passado
se reencontram. Chamados pela Esfera Superior ao reajuste, raramente
conseguem superar a aversão de que se vêem possuídos,
uns à frente dos outros, e alimentam com paixão, no
imo de si mesmos, os raios tóxicos da antipatia que, concentrados,
se transformam em venenos magnéticos, suscetíveis
de provocar a enfermidade e a morte. Para isso, não será
necessário que a perseguição recíproca
se expresse em contendas visíveis. Bastam as vibrações
silenciosas de crueldade e despeito, ódio e ciúme,
violência e desespero, as quais, alimentadas, de parte a parte,
constituem corrosivos destruidores.
Finda ligeira pausa, o Assistente
continuou:
- O pensamento exterioriza-se e
projeta-se, formando imagens e sugestões que arremessa sobre
os objetivos que se propõe atingir. Quando benigno e edificante,
ajusta-se às Leis que nos regem, criando harmonia e felicidade,
todavia, quando desequilibrado e deprimente, estabelece aflição
e ruína. A química mental vive na base de todas as
transformações, porque realmente evoluímos
em profunda comunhão telepática com todos aqueles
encarnados ou desencarnados que se afinam conosco (XAVIER,
1987, pp. 185-186).
Aqui já temos a afirmativa de que todos, encarnados e desencarnados,
se influenciam mutuamente. Um exemplo muito interessante disso,
retiramo-lo do livro Entre a Terra e o Céu:
Hilário indagou sobre a causa
da moléstia insidiosa, que tão violenta se apresentara,
ao que Clarêncio respondeu, seguro:
- A questão é sutil.
A mulher grávida, além da prestação
de serviço orgânico à entidade que se reencarna,
é igualmente constrangida a suportar-lhe o contacto espiritual,
que sempre constitui um sacrifício quando se trata de alguém
com escuros débitos de consciência. A organização
feminina, durante a gestação, sofre verdadeira enxertia
mental. Os pensamentos do ser que se acolhe ao santuário
íntimo, envolvem-na totalmente, determinando significativas
alterações em seu cosmo biológico...
[...]
- Afligia-me observar – lembrou
Hilário, com interesse – a inopinada aversão
de muitas gestantes contra os próprios maridos...
- Sim, isso ocorre sempre que um
inimigo do pretérito volta à carne, a fim de resgatar
débitos contraídos para com aquele que se servirá
de pai. (XAVIER, 1986, pp. 185-186).
Esse fato é muito comum ocorrer
entre as gestantes. Ele nos é explicado como sendo a influência
mental do espírito reencarnante, que do ventre materno transfere
à sua mãe a aversão ao marido - seu futuro pai
-, por problemas de desavenças anteriores ainda não
liberadas pelo perdão.
No livro Loucura e obsessão,
psicografia de Divaldo P. Franco, há narrativas
de várias reuniões mediúnicas no plano espiritual,
onde os médiuns, em estado de emancipação da
alma, continuam seus trabalhos durante o sono, período de repouso
do corpo físico (FRANCO, 1990, pp. 159-169;
188-199 e 203-211). Já no livro Tormentos da
Obsessão, esse mesmo autor relata reuniões
mediúnicas na dimensão espiritual com a utilização
de Espíritos-médiuns (FRANCO,
2001, pp. 158-168; 233-247 e 262-266).
Esperamos que pessoas com conhecimento
deste assunto possam enriquecê-lo com sua avaliação
dessa nossa hipótese.
Mediunidade, então, é
uma faculdade do Espírito. E médium é qualquer
Espírito, independentemente da condição em que
esteja, se encarnado ou não, que é capaz de captar o
pensamento de um outro.
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Paulo da Silva Neto Sobrinho
Abr/2006
(Versão 7 – fev/2014)
FRANCO, D. P. Loucura e obsessão, Rio de Janeiro:
FEB, 1990.
FRANCO, D. P. Tormentos da obsessão, Rio de Janeiro: FEB, 2001.
KARDEC, A. Livro dos Médiuns, Araras, SP: IDE,
1993.
KARDEC, A. Revista Espírita, tomo III, Araras,
SP: IDE, 2000.
XAVIER, F. C. Obreiros da vida Eterna, Rio de Janeiro:
FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Entre a Terra e o Céu, Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Libertação, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
XAVIER, F. C. Nos Domínios da Mediunidade, Rio de Janeiro: FEB,
1987.
[2] pp. 40-51; 73-78 e 228-229.