Paulo
da Silva Neto Sobrinho
> Espírito de Pessoa Viva ao se manifestar
conseguiria mudar de aparência?
"Durante a noite, Paulo teve uma visão:
na sua frente estava de pé um macedônio que lhe suplicava:
'Venha à Macedônia e ajude-nos!'"
Atos 16,9
Certa feita, propusemos a um amigo que se nos
provasse ser possível um Espírito de pessoa viva se
manifestar na sua personalidade anterior, abriríamos espaço
para aceitar que Chico foi Kardec, porquanto o Mestre lionês
se manifestou quando o pedroleopoldense ainda estava vivo.
Recentemente, ele tomando como base para isso, o item 123, do cap.
VII, de O Livro dos Médiuns, nos
pergunta: "Se o espírito pode mudar a aparência
do seu perispírito, por que não poderia realizá-lo,
quando ainda alma em um processo de desligamento do corpo?"
Em razão disso, resolvemos pesquisar sobre essa possibilidade.
Primeiro devemos ressaltar que, conforme estudo feito sobre manifestação
de Espírito de pessoas vivas em estado de vigília (1),
é condição indispensável para que isso
ocorra que o encarnado esteja dormindo ou em êxtase, porquanto:
"[…] o Espírito [de uma pessoa viva] não
pode comunicar-se, como Espírito, senão nos momentos
em que a sua presença não é necessária
à atividade inteligente do corpo." (2)
Em Nosso Lar, há um relato bem interessante,
às vezes citado, no qual uma criança de três meses
(3), é levada a uma reunião no plano espiritual, onde
se manifesta para conversar com os seus familiares, D. Laura, Iolanda
e Judite, respectivamente, esposa e filhas, que se encontravam nessa
colônia espiritual.
A primeira, preparando-se para reencarnar em breve, tinha planos de
encontrar-se com Ricardo, seu esposo, agora aprisionado no corpo dessa
criança. Vejamos alguns trechos desse episódio:
– Amanhã à noite,
André, espero igualmente por você. Faremos
pequena reunião íntima. O Ministério
da Comunicação prometeu-nos a visita de meu
esposo. Embora se encontre nos laços físicos, Ricardo
será trazido até aqui, com o auxílio
fraternal de companheiros nossos. Além disso, amanhã
estarei a despedir-me. Não falte.
Na espaçosa sala de estar, reunia-se pequena assembleia
de pouco mais de trinta pessoas. A disposição
dos móveis era a mais simples. Enfileiravam-se poltronas
confortáveis, doze a doze diante do estrado, onde o Ministro
Clarêncio assumira posição de diretor, cercando-se
da senhora Laura e dos filhos. A distância de quatro metros,
aproximadamente, havia um grande globo cristalino,
da altura de dois metros presumíveis, envolvido, na parte
inferior, em longa série de fios que se ligavam a pequeno
aparelho, idêntico aos nossos alto-falantes.
– Estamos prontos; contudo, aguardamos a ordem da Comunicação.
Nosso irmão Ricardo está na fase da infância
terrestre e não lhe será difícil desprender-se
dos elos físicos, mais fortes, por alguns instantes.
– Mas virá ele até aqui? - indaguei.
– Como não? - revidou o interlocutor. - Nem todos os
encarnados se agrilhoam ao solo da Terra. Como os pombos-correio
que vivem, por vezes, longo tempo de serviço, entre duas
regiões, espíritos há que vivem por lá
entre dois mundos.
E, indicando o aparelho à nossa frente, informou:
– Ali está a câmara que no-lo apresentará.
– Por que o globo cristalino? - perguntei,
curioso. - Não poderia manifestar-se sem ele?
– É preciso lembrar – disse Nícolas, atenciosamente
– que a nossa emotividade emite forças suscetíveis
de perturbar. Aquela pequena câmara cristalina é
constituída de material isolante. Nossas energias
mentais não poderão atravessá-la.
Nesse instante, foi Lísias chamado ao fone por funcionários
da Comunicação. Era chegado o momento. Poder-se-ia
começar o trabalho culminante da reunião.
Verifiquei, no relógio de parede, que estávamos com
quarenta minutos depois da meia-noite. Notando-me o olhar interrogativo,
disse Nícolas em voz baixa:
– Somente agora há bastante paz no recente lar de Ricardo,
lá na Terra. Naturalmente, a casa descansa, os pais dormem,
e ele, em nova fase, não permanece inteiramente junto
ao berço…
Às derradeiras notas da bela composição, notei
que o globo se cobria, interiormente, de substância leitoso-acinzentada,
apresentando, logo em seguida, a figura simpática de um
homem na idade madura. Era Ricardo. Impossível descrever
a sagrada emoção da família, dirigindo-lhe
amorosas saudações.
O recém-chegado, após falar particularmente à
companheira e aos filhos, fixou o olhar amigo em nós outros,
pedindo fosse repetida a suave canção filial, que
ouviu banhado em lágrimas.
Quando se calaram as últimas notas, falou comovidamente:
– Oh! meus filhos, como é grande a bondade de Jesus,
que nos aureolou o culto doméstico do Evangelho com as supremas
alegrias desta noite! Nesta sala temos procurado, juntos, o caminho
das esferas superiores; muitas vezes recebemos o pão espiritual
da vida e é, ainda aqui, que nos reencontramos para o estímulo
santo. Como sou feliz!
A senhora Laura chorava discretamente. Lísias e as irmãs
tinham os olhos marejados de pranto.
Percebi que o recém-chegado não falava com
espontaneidade e não podia dispor de muito tempo entre nós.
Possivelmente, todos ali mantinham análoga impressão,
porque vi Judite abraçar-se ao globo cristalino,
ouvindo-a exclamar carinhosamente:
– Pai querido, diga o que precisa de nós, esclareça
em que poderemos ser úteis ao seu abnegado coração!
Observei, então, que Ricardo pousou o olhar profundo na senhora
Laura e murmurou:
– Sua mãe virá ter comigo, em breve, filhinha!
Mais tarde, virão vocês, igualmente! Que mais eu poderia
desejar, para ser feliz, senão rogar ao Mestre que nos abençoe
para sempre?
Todos chorávamos, enternecidos.
Quando o globo começou a apresentar, de novo, os
mesmos tons acinzentados, ouvi Ricardo exclamando, quase
a despedida:
– Ah! filhos meus, alguma coisa tenho a pedir-lhes do fundo
de minh’alma! Roguem ao Senhor para que eu nunca disponha
de facilidades na Terra, a fim de que a luz da gratidão e
do entendimento permaneça viva em meu espírito!.
Aquele pedido inesperado me sensibilizou e surpreendeu ao mesmo
tempo. Ricardo endereçou a todos saudações
carinhosas e a cortina de substância cinzenta cobriu
toda a câmara, que, em seguida, voltou ao aspecto
normal. (grifo nosso) (4)
Certamente, que aqui temos um caso de manifestação de
Espírito de pessoa viva, mas alguns detalhes da narrativa nos
chamou a atenção, os quais enumeramos:
– "reunião íntima":
a manifestação é algo esperado, com ambiente
antecipadamente preparado;
–"será trazido": houve providências
de Espíritos para levar a alma da criança ao local em
que deveria se manifestar;
– "um globo cristalino": uma aparelhagem
especial para se dar tal acontecimento;
– "está na fase da infância terrestre
e não lhe será difícil desprender-se dos elos
físicos" devemos entender que também há
fase na em que é difícil para as almas se desprenderem;
– "a nossa emotividade emite forças suscetíveis
de perturbar. Aquela pequena câmara cristalina é constituída
de material isolante": confirma a existência de todo
um aparato para a manifestação, significando que, em
condições normais, a emotividade também emitiria
forças suscetíveis de perturbação.
– "o trabalho culminante da reunião":
algo bem especial;
– "estávamos com quarenta minutos depois da
meia-noite": disso podemos concluir que a possibilidade
da criança estar, no momento, dormindo é bem grande,
portanto, não é manifestação de pessoa
viva em estado de vigília;
– "notei que o globo se cobria, interiormente, de substância
leitoso- acinzentada": não há explicação
sobre o que é essa substância; porém, a nossa
impressão foi algo semelhante ao que acontece em reuniões
de materialização de Espíritos;
– "apresentando, logo em seguida, a figura simpática
de um homem na idade madura. Era Ricardo": é certo
que houve alteração no perispírito do manifestante,
que na Terra era uma criança, agora se apresenta como adulto,
embora não se tenha definido se a aparência dele era
a que tinha como criança ou a anterior como Ricardo;
– "Percebi que o recém-chegado não falava
com espontaneidade e não podia dispor de muito tempo entre
nós": o que o levava a não falar com espontaneidade?
Qual a razão de não dispor de muito tempo? Seria isso
aplicado a todas as almas que se manifestam ou era específico
do caso?
Diante de tudo isso, não achamos prudente generalizar e tomar
essa manifestação como prova da possibilidade de o Espírito
de uma pessoa viva manifestar-se em estado de vigília, até
mesmo porque, pelo relato, a chance da criança, naquele momento,
estar dormindo é de 100%.
Encontramos em O Livro dos Médiuns,
cap. XXV, "Evocações", no item
"Evocação de
pessoas vivas", o seguinte:
44-a. Quem pode nos evocar, se somos tão
obscuros?
"É possível que em outras existências
tenhais sido pessoas conhecidas nesse mundo ou em outros. É
possível também que vossos parentes e amigos desse
e de outros mundos também vos evoquem. Suponhamos que o teu
Espírito tenha animado o corpo do pai de outra pessoa. Pois
bem! Quando essa pessoa evocar seu pai, é o teu Espírito
que será evocado e que responderá."
45. Ao ser evocado, o Espírito da pessoa
vida responde como Espírito ou com as ideias que tem no estado
de vigília?
"Depende de sua elevação; porém,
sempre julga com mais ponderação e tem menos preconceitos,
exatamente como os sonâmbulos. É um estado semelhante."
(5)
O fato de responder como seu personagem de vida passada (pai), não
nos leva a inferir que também tenha a aparência dele,
uma vez que isso não foi informado, e, certamente, todo o nosso
passado está gravado em nós como Espíritos imortais.
O acesso ao passado, estará limitado à condição
evolutiva do Espírito encarnado ou, como dito, "depende
de sua elevação".
Entretanto, julgamos, que o fato de responder como Espírito
não quer dizer que, necessariamente, a pessoa viva possa assumir
a aparência de seu personagem da vida anterior. Portanto, acreditamos,
que ainda não temos informações na Codificação,
suficientemente, seguras para afirmar que isso possa acontecer.
Vejamos a explicação de Kardec a respeito de um médium
que falava na 3ª pessoa do feminino:
Entre os fatos citados, há um que parece
bastante bizarro; é o do militar que falava na terceira pessoa
do feminino, é a distinção das duas personalidades
em consequência do desligamento do Espírito; mas há
um outro, que o Espiritismo nos revela, e do qual é preciso
ter conta, porque pode dar às ideias um caráter particular:
é a vaga lembrança das existências anteriores
que, no estado de emancipação da alma, pode despertar,
e permitir lançar um golpe de vista retrospectivo sobre alguns
pontos do passado. Em tais condições, o desligamento
da alma jamais é completo, e as ideias, se ressentindo
do enfraquecimento dos órgãos, não podem estar
muito lúcidas, uma vez que não o são
mesmo inteiramente nos primeiros instantes que seguem à morte.
[…]. (grifo nosso) (6)
A conclusão, s.m.j., é de que, nos casos
de emancipação da alma, o encarnado poderá recordar-se
de existência anterior; porém, terá somente vaga
lembrança dela, o que comprometeria a sua manifestação,
com pleno acesso a seu arquivo mental para dele "retirar",
vamos assim dizer, qualquer um de seus personagens anteriores.
Caso Chico Xavier seja mesmo Kardec em nova encarnação,
supondo-o num estado que lhe permita emancipar, ou seja, dormindo
ou extático, deveria ele se manifestar com a aparência
do Codificador tendo lembrança dessa sua encarnação
de maneira quase total, para transmitir suas mensagens. Porém,
pelas considerações acima, fica claro, pelo menos para
nós, que a possibilidade é a do Espírito da pessoa
viva ter apenas uma "vaga lembrança".
Vejamos, agora, dois itens de O Livro dos Médiuns,
um deles o que foi mencionado, lembrando que ambos constam do Cap.
VII, intitulado "Bicorporeidade e transfiguração",
certamente, fatos relacionados a aparições de Espíritos
de pessoas vivas.
122. Passemos ao segundo fenômeno, o da transfiguração.
Consiste na mudança de aspecto de um corpo vivo.
Eis um fato dessa natureza, cuja perfeita autenticidade podemos
garantir, ocorrido durante os anos de 1858 e 1859, nos arredores
de Saint-Etienne.
Uma jovem de cerca de 15 anos gozava da singular faculdade de se
transfigurar, isto é, de tomar, em dados momentos,
todas as aparências de certas pessoas mortas. […].
(grifo nosso) (7)
Esse "tomar todas as aparências de pessoas mortas"
é que se entende como transfiguração. É
o que, na sequência, Kardec explica, apoiando-se na teoria do
perispírito:
123. A transfiguração,
em certos casos, pode originar-se de uma simples contração
muscular, capaz de dar à fisionomia expressão muito
diferente da habitual, ao ponto de tornar quase irreconhecível
a pessoa. Temo-lo observado frequentemente com alguns sonâmbulos,
mas, nesse caso, a transformação não é
radical. Uma mulher poderá parecer jovem ou velha,
bela ou feia, mas será sempre uma mulher e, sobretudo, seu
peso não aumentará, nem diminuirá. No
fenômeno com que nos ocupamos, há mais alguma coisa.
A teoria do perispírito nos vai esclarecer.
Está, em princípio, admitido que o Espírito
pode dar ao seu perispírito todas as aparências;
que, mediante uma modificação na disposição
molecular, pode dar-lhe a visibilidade, a tangibilidade e, conseguintemente,
a opacidade; que o perispírito de uma pessoa
viva, isolado do corpo, é passível das mesmas transformações;
que essa mudança de estado se opera pela combinação
dos fluidos. Figuremos agora o perispírito de uma pessoa
viva, não isolado, mas irradiando-se em volta do corpo, de
maneira a envolvê-lo numa espécie de vapor. Nesse estado,
passível se torna das mesmas modificações de
que o seria se o corpo estivesse separado. Perdendo ele a sua transparência,
o corpo pode desaparecer, tornar-se invisível, ficar velado,
como se mergulhado numa bruma. Poderá então o
perispírito mudar de aspecto, fazer-se brilhante,
se tal for a vontade do Espírito e se este dispuser
de poder para tanto. Um outro Espírito, combinando
seus fluidos com os do primeiro, poderá, a essa combinação
de fluidos, imprimir a aparência que lhe é
própria, de tal sorte que o corpo real desapareça
sob um envoltório fluídico exterior, cuja
aparência pode variar à vontade do Espírito.
Esta parece ser a verdadeira causa do estranho fenômeno e
raro, cumpra se diga, da transfiguração. (grifo
nosso) (8)
Kardec parte do princípio de que o Espírito (desencarnado)
pode dar a aparência que quiser a seu perispírito; que,
mediante modificação na disposição molecular,
pode dar-lhe a visibilidade, a tangibilidade, o que o fará
tornar-se opaco. Deduz que o encarnado também poderá
operar sobre o seu perispírito causando-lhe essas mesmas modificações,
ou seja, a visibilidade e tangibilidade. Observar que, nos casos dos
sonâmbulos, Kardec afirma que a transfiguração
não é radical.
Julgamos que ainda não temos condições de abrir
espaço para afirmar que uma pessoa viva mude a aparência
atual de seu perispírito, para tomar a aparência que
tinha em uma vida anterior, embora também não possamos
dizer que a questão está fechada. Por esse motivo, vamos
pesquisar em A Gênese, outra obra
da Codificação, para ver se nela encontramos elementos
que nos ajudem a resolver o problema.
Iniciaremos pelo item 17 do cap. XI, "Gênese
espiritual", no qual se lê:
O fluido perispirítico constitui,
pois, o traço de união entre o Espírito e a
matéria. Durante sua união com o corpo, serve
de veículo ao pensamento do Espírito, para transmitir
o movimento às diversas partes do organismo, as
quais atuam sob a impulsão da sua vontade e para
fazer que repercutam no Espírito as sensações
produzidas pelos agentes exteriores. Tem por fios condutores
os nervos, como no telégrafo o fluido elétrico tem
por condutor o fio metálico. (grifo nosso) (9)
Então, na emancipação
da alma, o Espírito da pessoa viva ainda se mantém ligado
ao corpo físico pelo perispírito, que lhe mantém
em funcionamento, ainda que condições mínimas,
mas o suficiente para lhe assegurar a vida. É também
através do perispírito que repercute no Espírito
as sensações produzidas por agentes exteriores.
Avancemos para o cap. XIV, "Os fluidos", onde encontraremos
mais coisas.
14. Os Espíritos
atuam sobre os fluidos espirituais, não os manipulando
como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento
e a vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a
vontade são o que é a mão para o homem. Pelo
pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção,
os aglomeram, combinam ou dispersam, organizando com eles conjuntos
que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração
determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico
muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas
leis. É a grande oficina ou laboratório da
vida espiritual.
Algumas vezes, essas transformações resultam de uma
intenção; de outras, são produto de um pensamento
inconsciente. Basta que o Espírito pense uma coisa
para que esta se produza, como basta que modele uma ária,
para que esta repercuta na atmosfera.
É assim, por exemplo, que um Espírito se torna
visível a um encarnado que possua a vista psíquica,
sob as aparências que tinha quando vivo na época
em que o segundo o conheceu, embora ele haja tido, depois dessa
época, muitas encarnações. Apresenta-se
com o vestuário, os sinais exteriores – enfermidades,
cicatrizes, membros amputados etc. – que tinha então.
Um decapitado se apresentará sem a cabeça, o que não
significa de modo algum que haja conservado essa aparência.
Certamente, como Espírito, ele não é coxo,
nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que ocorre é que,
retrocedendo o seu pensamento à época
em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente
as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo
pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele
foi negro, e branco de outra, apresentar-se-á como branco
ou negro, conforme a encarnação a que se refira a
sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.
Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria
fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento
manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu
uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e
seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito,
que é, também ele, fluídico, esses objetos
fluídicos são tão reais, como o eram, no estado
material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações
do pensamento, a existência deles é tão fugitiva
quanto a deste. (10)
(grifo itálico do original, em negrito nosso) (11)
Aqui é clara a possibilidade de um Espírito (desencarnado)
tomar a aparência que tinha em qualquer de suas vidas anteriores,
a modo de se fazer reconhecer. Mas a nossa questão é:
o Espírito de uma pessoa viva também poderia fazer a
mesma coisa? A omissão disso, nessa explicação,
pode ser considerada uma negativa, ou seja, que não pode ou,
que, simplesmente, o tema não foi levantado? Continuamos na
incerteza.
23. Embora, durante a vida,
o Espírito se encontre preso ao corpo pelo perispírito,
não se acha tão escravizado a ponto de que não
poder alongar a cadeia que o prende e transportar-se a um ponto
distante, seja na Terra, seja no espaço. Só
a contragosto o Espírito permanece ligado ao corpo, porque
a sua vida normal é a de liberdade, ao passo que a vida corpórea
é a do servo preso à gleba.
O Espírito, portanto, sente-se feliz em deixar o
corpo, como o pássaro ao deixar a gaiola; aproveita
todas as ocasiões para dele se libertar, todos os instantes
em que a sua presença não é necessária
à vida de relação. É o fenômeno
designado como emancipação da alma, o
qual se produz sempre durante o sono. Toda vez que o corpo repousa
e que os sentidos ficam inativos, o Espírito se desprende.
(O Livro dos Espíritos, Livro II,
cap. VIII.)
Nesses momentos o Espírito vive da vida espiritual, enquanto
que o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em
parte, no estado em que se encontrará após a morte;
percorre o espaço, conversa com os amigos e outros Espíritos,
livres ou encarnados como ele.
O laço fluídico que o prende ao corpo só
por ocasião da morte se rompe definitivamente; a
separação completa somente se dá por efeito
da extinção absoluta da atividade vital. Enquanto
o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que
esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão,
desde que a sua presença aí se torne necessária.
Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação.
Por vezes, ao despertar, conserva das suas peregrinações
uma lembrança, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui
o sonho. Quando nada, traz delas intuições
que lhe sugerem ideias e pensamentos novos e justificam o provérbio:
A noite é boa conselheira. (grifo itálico do original,
em negrito nosso) (12)
Algumas colocações elucidam pontos que anteriormente
deixamos, propositadamente, de explicar. O que nos chamou a atenção
foi o fato de que, durante o sono, o encarnado, no estado de emancipação
da alma, não conserve sempre a lembrança do que lhe
aconteceu durante este estado.
Se, como demonstrado, não há emancipação
da alma com o encarnado em estado de vigília, então,
diante disso, podemos concluir que, nessa situação,
não terá condições de agir conscientemente
no mundo espiritual a ponto de escolher onde se manifestar e conseguir
ter lembrança de possíveis (ou seria melhor dizer impossíveis?)
diálogos com encarnados.
37. Como o perispírito é
o mesmo, tanto nos encarnados, como nos desencarnados, um
Espírito encarnado, por efeito completamente idêntico,
pode, num momento de liberdade, aparecer em ponto diverso do em
que repousa seu corpo, com os traços que lhe são
habituais e com todos os sinais de sua identidade. Foi
esse fenômeno, do qual se conhecem muitos casos autênticos,
que deu lugar à crença nos homens duplos. (13)
(grifo nosso) (14)
Esse "pode aparecer" teria sentido de abrir alguma outra
possibilidade ou significa sempre aparece, é o que, por ora,
não conseguimos desvendar.
Há algo que, quem sabe, poderá contribuir para solucionar
o nosso problema, vamos encontramo-lo em Léon Denis (1846-1927)
e Gabriel Delanne (1857-1926), reconhecidamente destacados estudiosos
do Espiritismo, nos tempos de Kardec, com vários livros publicados.
As duas primeiras transcrições são de autoria
de Denis e a última de Delanne:
O perispírito torna-se,
portanto, um molde fluídico, elástico, que calca sua
forma sobre a matéria. Daí dimanam as condições
fisiológicas do renascimento. As qualidades ou defeitos do
molde reaparecem no corpo físico, que não é,
na maioria dos casos, senão imperfeita e grosseira cópia
do perispírito. (grifo nosso)
(15)
A matéria grosseira, incessantemente renovada pela circulação
vital, não é a parte estável e permanente do
homem. É o perispírito que assegura a manutenção
da estrutura humana e dos traços da fisionomia, e isso, em
todas as épocas da vida, do nascimento até a morte.
Faz, assim, o papel de um molde compressível e expansível,
sobre o qual a matéria terrestre incorpora- se. (grifo
nosso) (16)
Precisamos recorrer ao perispírito, pois ele é que
contém o desenho prévio, a lei onipotente
que servirá de regra inflexível ao novo organismo,
e que lhe assinará o lugar na escala morfológica,
segundo o grau de sua evolução no embrião que
se executa essa ação diretiva. […]. (grifo
nosso) (17)
Aqui temos que o perispírito é o molde do corpo na nova
encarnação, isso é algo que todos sabemos. A
novidade é que ele também assegura a manutenção
da estrutura do corpo humano e dos traços da fisionomia (aparência),
durante toda a vida do encarnado. Diante disso, estamos inclinados
a achar improvável que uma pessoa viva possa modificar a aparência
de seu perispírito, para se manifestar com uma outra aparência,
porquanto, além de não tem conhecimento suficiente para
fazer isso, tal coisa, quem sabe, não causará algum
transtorno ao corpo físico, do qual é modelo exato e
com o qual se liga célula a célula.
E pensando bem, o fato de alguma coisa ser possível para uns
não quer, necessariamente, dizer que ela seja para todos os
outros. Por exemplo: o transplante de órgãos é
um procedimento cirúrgico que nem todos os médicos estão
em condições de realizá-lo, somente aqueles que
têm especialização médica do órgão
a ser transplantado. Então, semelhantemente, os encarnados
não teriam condições de realizar tudo quanto
produzem os Espíritos desencarnados.
Lendo a obra Recordações de Chico Xavier,
de autoria de R. A. Ranieri (1920-1989), encontramos esse trecho que
julgamos importante:
Chico possui todas
as qualidades mediúnicas: psicografia, vidência, clarividência,
incorporação, desprendimento, transporte, materializações,
etc.
Enquanto escreve, seu espírito desprende-se do corpo
e permanece na sala, no plano espiritual, conversando com outros
espíritos, ou recebendo instruções;
nessa hora pode estar recebendo, como já ocorreu, mensagens
em duas línguas diferentes, inglês e francês,
fato relatado pelos jornais e por um escritor espírita, se
não nos enganamos, Carlos Imbassahy. (grifo nosso)
(18)
Se Chico, temporariamente, se desliga do corpo e seu Espírito,
que se encontra mesmo local onde está seu corpo, mantém
conversação com desencarnados, isso significa, então,
que ele conserva sua aparência da atual reencarnação
e não a de Kardec.
Se, como nos informa Ranieri, Chico "Trabalha[va]
desde as primeiras horas da manhã até a noite e a nova
madrugada e quando vai para casa, às vezes, duas a três
horas da manhã, ainda vai ver alguma coisa…"
(19), lhe restaria muito pouco espaço
de tempo para que ele pudesse se manifestar em estado de emancipação
da alma até mesmo durante o sono.
O Espírito de pessoa viva, não se manifesta em estado
de vigília; a impossibilidade disso acontecer está demonstrada
na pesquisa que fizemos e já mencionada, a qual, novamente,
recomendamos a leitura como complemento do presente estudo.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
out/2015
Notas:
(1) NETO SOBRINHO, P. S. Manifestação
de Espírito de pessoa viva é possível em estado
de vigília?, disponível em:
http://www.paulosnetos.net/viewdownload/5-artigos-e-estudos/675-manifestacao-de
- espirito-de-pessoa-viva-e-possivel-em-estado-de-vigilia
(2) KARDEC, LM, 2013, p. 315.
(3) XAVIER, 1995, p. 118.
(4) XAVIER, 1995, p. 263-269.
(5) KARDEC, A. LM, p. 316.
(6) KARDEC, RE 1861, p. 227-228.
(7) KARDEC, LM, 2013, p. 132.
(8) KARDEC, LM, 2013, p. 132.
(9) KARDEC, GN, 2013, p. 181-182.
(10) Nota da transcrição:
Revista Espírita, junho de 1859. O Livro dos Médiuns,
2ª Parte, cap. VIII.
(11) KARDEC, GN, 2013, p. 240-241.
(12) KARDEC, GN, 2013, p. 246-247.
(13) Nota da transcrição:
Exemplos de aparições de pessoas vivas: Revista Espírita
de dezembro de 1858; fevereiro de 1859; agosto de 1859; novembro de
1860.
(14) KARDEC, GN, 2013, p. 254.
(15) DENIS, 1987, p. 246.
(16) DENIS, 2011, p. 214.
(17) DELANNE, 1989, p. 39.
(18) RANIERI, 1997, p. 92.
(19) RANIERI, 1997, p. 104
Referências bibliográficas:
DELANNE, G. Evolução anímica.
Rio de Janeiro: FEB, 1989.
DENIS, L. Depois da morte. Rio de Janeiro:
CELD, 2011.
DENIS, L. Depois da morte. Rio de Janeiro:
FEB, 1987.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro:
FEB, 2013.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns.
Rio de Janeiro: FEB, 2013. KARDEC, A. Revista Espírita 1861.
Araras, SP: IDE, 1993.
NETO SOBRINHO, P. S. Manifestação de
Espírito de pessoa viva é possível em estado de
vigília?, disponível em:
http://www.paulosnetos.net/viewdownload/5-artigos-e-estudos/675-
manifestacao-de-espirito-de-pessoa-viva-e-possivel-em-estado-de-vigilia
RANIERI, R. A. Recordações
de Chico Xavier. Guaratinguetá, SP: Edifrater,
1997. XAVIER, F. C. Nosso Lar. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
Fonte:
http://www.aeradoespirito.net/ArtigosPN/ESPIR_D_PESS_VIVA_AO_SE_MANIF_CONSEG_MUD_D_APAR_PN.html
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