A pergunta é: o que terá Jesus ido fazer nos infernos?
De onde tiraram essa idéia?
Bom, parece-nos que isso foi tirado
da primeira carta de Pedro (3,18-20),
onde se diz que Jesus pregou “aos espíritos em prisão”,
acrescentando que esses espíritos são os que foram desobedientes
nos dias de Noé, ou seja, até antes do dilúvio.
Disso se pode concluir que, pela Bíblia,
a palavra espírito significa um ser humano desencarnado e que
os espíritos exercem influência sobre os encarnados.
É o que se verifica por várias passagens bíblicas,
onde encontramos os espíritos (imundos ou impuros) exercendo
domínio sobre uma pessoa (o possesso de Gerasa [1];
o possesso de Cafarnaum [2] e o menino
mudo e epilético [3]). Os seres
aos quais se denominam demônios são, sem sombra de dúvidas,
os espíritos, tendo em vista que, pelas passagens citadas,
as narrativas ora dizem demônio ora espírito impuro,
demonstrando, portanto, que são sinônimas.
Mas, voltando à questão
inicial, o que terá Jesus pregado a esses espíritos
em prisão? A resposta ainda se encontra na primeira
carta de Pedro (4,4-6), onde
ele diz que “o Evangelho foi pregado também a
mortos”. Resumindo: Jesus desceu aos infernos para
pregar o Evangelho aos espíritos dos que haviam morrido até
o dilúvio.
Três questões
nos surgem agora: a primeira, por que só pregou para os que
viveram até Noé, e os que morreram após o dilúvio
até o início de sua pregação não
tiveram a oportunidade de receber essa pregação? Então
onde fica “Deus não faz acepção de pessoas”
(Rm 2,11)? A segunda, é que se Jesus foi pregar aos mortos
que se encontravam nos infernos (em prisão) é porque
esses condenados poderiam ser recuperados, daí podemos afirmar
que na hipótese do inferno existir mesmo, ele não é
eterno. Até mesmo porque somente se fica na prisão até
que seja pago o último centavo da dívida (Mt 5,26).
Terceira, se Jesus foi aos infernos pregar aos mortos concluímos
que os mortos foram julgados, daí haveria alguma explicação
racional para o tal juízo final, onde serão julgados
os vivos e os mortos?
Vejamos agora o que dizem
os teólogos.
Os protestantes,
nos explicam a expressão “pregou aos espíritos
em prisão”, dizendo:
“Alguns pensam que esta
frase significa que Cristo, entre Sua morte e ressurreição,
desceu ao Hades e ofereceu aos que viveram antes de Noé (v.
20) uma segunda oportunidade de salvação, uma doutrina
que não tem apoio escriturístico. Outros pensam que
foi apenas uma proclamação de Sua vitória sobre
o pecado aos que estavam no Hades, sem o oferecimento de uma segunda
chance. É Mais provável que este versículo
seja uma referência ao Cristo pré-encarnado pregando
através de Noé àqueles que, por terem rejeitado
Sua mensagem, agora são ‘espíritos em prisão’”.
Já com relação
à pregação do Evangelho a mortos, dizem:
“a mortos, I.e., cristãos
já falecidos O evangelho foi pregado àqueles mártires
agora mortos. Eles foram julgados na carne e condenados ao martírio
segundo padrões humanos de justiça, mas estão
vivos espiritualmente depois da morte. Outra interpretação
deste versículo relaciona esta pregação àquela
mencionada em 3:19”.
Diremos que o apoio escriturístico
para a pregação de Jesus aos espíritos que estavam
na prisão é confirmado pela própria passagem
questionada, como também por 1 Pedro
4,4-6, mas em nota nessa passagem, dizem que Jesus teria ido
pregar aos cristãos já falecidos. Essa hipótese
é absurda, pois os que seguiam Jesus só foram chamados
de cristãos mais tarde (Atos 11,26),
por volta de 37 d.C., época da fundação da Igreja
Antioquia, e considerando que a morte de Jesus se deu na Páscoa
de 30, nos dá aproximadamente 7 anos depois da morte de Cristo.
Resta-nos portanto, a alternativa de que realmente Jesus foi pregar
aos espíritos em prisão.
Os católicos, por sua
vez, explicam:
“Provável alusão
à descida de Cristo ao limbo. Quem sejam os espíritos
aos quais Jesus foi pregar, é controverso. Há quem
afirme que se trata dos espíritos maus, aos quais Cristo
anunciou a derrota e a sujeição; outros, ao contrário,
vêem neles os incrédulos dos tempos de Noé;
mas provavelmente são os justos do A. T. que haviam esperado
no Cristo”.
E, em relação aos mortos
dizem:
“Quanto a esses mortos,
cfe 3,19. São os justos que morreram pelo dilúvio,
entre os quais houve os que se arrependeram de seus pecados, embora
esse arrependimento tardio, tendo salvo a alma, não serviu
para salvar o corpo da morte. Há quem sustente tratar-se
de mortos espirituais”.
Jesus descer aos infernos apenas para
anunciar aos espíritos maus a sua derrota e sujeição,
não condiz com tudo que Ele pregou e exemplificou. Isso seria
apenas uma demonstração de superioridade com conseqüente
humilhação aos que estaria se dirigindo, portanto, fora
de propósito. Seriam os justos como sugerem? Se os justos estavam
na prisão é porque mereceram castigo, ora, só
pelo fato de se merecer castigo é uma conseqüência
de não ser justo, pois justo merece prêmio, não
castigo.
Limbo? Ora, na Bíblia
não encontramos nada a respeito. Afinal o que é isso?
Segundo o Dicionário da Bíblia Barsa seria também
a “residência das almas das crianças mortas sem
terem sido batizadas, ...quem não tiver cometido pecado mortal
não será castigado com o inferno e de que só
os que tiverem tido o pecado original apagado pelo Batismo (de água,
sangue ou desejo) é que entrarão no céu”.
Ah! O que esses teólogos não
inventam para justificarem seus dogmas?! Vejam bem, criam um lugar
que não existe, estabelecendo as condições para
os que para lá irão, tudo sem nenhum apoio bíblico,
apenas como justificativa a seus dogmas. Essa, por exemplo, do pecado
original não condiz com: “Os pais não serão
mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada
um será morto pelo seu próprio pecado”
(Dt 24,16).
Mas afinal, a quem Jesus teria
pregado? Teria pregado a todos ou somente aos que morreram
do dilúvio para trás? Já que todos podem dar
a sua opinião, diremos que “provavelmente” Jesus
tenha pregado a todos os espíritos que estavam “presos”,
até mesmo porque Deus trata todos de igual modo. Mas presos
aonde? Acreditamos que no “umbral”, onde todos os espíritos,
que ainda não possuem evolução suficiente para
se desvincularem do planeta Terra, ficam presos nessa região,
em volta da Terra. Assim não admitimos que o “inferno”
seja eterno, nem que os “mortos” ficam dormindo à
espera do juízo final. O grande problema que surgirá
se aceitarem isso, é que vai para o beleléu a fortuna
que fazem usando o dízimo, não é mesmo?
Alguém poderá dizer:
Mas o credo que conheço não fala em “infernos”,
cita “mansão dos mortos”. É fato, entretanto,
ao que tudo indica mudou-se a forma de rezar o credo para fugir dos
inevitáveis questionamentos. Estão querendo, como se
diz popularmente, “tapar o Sol com a peneira”, apenas
isso. Não adianta, pois um dia a verdade aparecerá.
A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão,
1994.
Bíblia Sagrada, Edição Barsa.
Catholic Press, 1965.
Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas,
1980.
[1] Mt 8,28-34; Mc 5,1-20 e Lc 8,26-39.
[2] Mc 1,21-28 e Lc 4,31-37.