Em várias oportunidades Jesus disse aos seus discípulos
que após sua morte ressuscitaria. Preocupa-nos a compreensão
correta do que, em seu conceito, era a ressurreição.
Vejamos a seguinte passagem:
“E que os mortos ressuscitem,
é Moisés quem dá a conhecer através do
episódio da Sarça Ardente, quando chama ao Senhor: o
Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Ora,
Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; para ele,
então, todos são vivos”. (Lc
20,37-38).
Vejam bem, se Jesus, em se referindo
a pessoas que haviam morrido, diz que para Deus todos “são
vivos” é porque nossa individualidade sobrevive
após a morte, em outras palavras, poderia estar dizendo da
nossa condição de espíritos eternos. Ao que chamamos
de morte é apenas o processo, ao qual nosso espírito,
em seu regresso ao plano espiritual de onde veio, devolve à
natureza os elementos constitutivos do corpo físico, cuja finalidade
era viabilizar o seu desenvolvimento moral e intelectual. Em vista
disso, é que devemos entender que a ressurreição
de que Jesus falava não era no corpo físico, e sim o
ressurgir em espírito. Foi o que aconteceu com ele. Depois
de sua morte esteve ainda na terra em seu corpo espiritual, conforme
se encontra em Atos: “Após sua paixão, ele lhes
mostrou, com muitas provas, que estava vivo, aparecendo-lhes durante
quarenta dias e falando-lhes do Reino de Deus”. (1,3).
Sabemos, por informação
dos próprios espíritos, que eles se manifestam em seu
corpo espiritual, denominado perispírito. Nele é evidenciada
toda a evolução moral do espírito, assim quanto
mais luminoso maior evolução e, via de conseqüência,
quanto menos luz produzir mais inferior é o espírito.
Deve ser pelo motivo de sua luminosidade que, em algumas situações,
Jesus não foi reconhecido pelos seus discípulos, como
observamos em Mc 16,12: “Depois
disto, ele apareceu sob outra forma, a dois deles que estavam a caminho
do campo”. Também ao aparecer a Saulo, na estrada de
Damasco (At 9, 3-9), veio em sua plenitude
espiritual, fato que impossibilitou aos que presenciavam o fenômeno
de vê-lo, só ouviram sua voz. Ao narrar esse acontecimento,
Paulo diz (At 22,6-9): “... aí
pelo meio-dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou
ao redor de mim”, o que confirma o que estamos dizendo sobre
o perispírito refletir a evolução moral.
A matéria, igualmente, não
oferece nenhuma resistência a esse corpo perispiritual. Vejamos
a prova disso, pelo fato de Jesus ter entrado em ambiente fechado:
“Oito dias depois, os discípulos se achavam de novo na
casa, e Tomé com eles. Jesus entrou, estando as portas fechadas,
pôs-se no meio deles e os cumprimentou: A paz esteja convosco!”.
(Jo 20,26).
Podemos aceitar também que,
em algumas circunstâncias, Jesus se materializou diante dos
discípulos, nesse caso tornou-se tangível, o que podemos
verificar quando diz: “Olhai para minhas mãos e pés:
sou eu mesmo! Apalpai-me e vede: um fantasma não tem carne
nem ossos, como vedes que eu tenho! Dizendo isto, mostrou-lhes mãos
e pés. Mas como hesitavam em acreditar, por causa da muita
alegria, e continuavam espantados, Jesus lhes disse: ‘Tendes
aqui alguma coisa para comer?’ Deram-lhe um pedaço de
peixe grelhado. Ele o tomou e comeu na presença deles”.
(Lc 24, 39-43). É bem provável
que Jesus, ao se materializar, teve que se comportar como se fosse
realmente de carne e osso, tendo em vista que nem os discípulos
nem os de sua época tinham conhecimento dos mecanismos das
manifestações espirituais para entender o que estava
acontecendo.
Temos que convir que, em certos relatos
do Evangelho, existem alguns exageros. Assim, determinados acontecimentos
foram colocados buscando valorizar os fatos ou a pessoa quem os produziu.
Vejamos, como exemplo, o que consta em Jo 21,25:
“Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez.
Se todas elas fossem escritas uma por uma, creio que nem o mundo inteiro
poderia conter os livros que seriam escritos”.
Dito isso, vamos à 1ª
carta aos Coríntios 15, 3-6: “Eu vos transmiti
principalmente o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu pelos nossos
pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado, e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, depois
aos doze. Em seguida apareceu, de uma só vez, a mais de quinhentos
irmãos, dos quais a maior parte vive ainda hoje, embora alguns
tenham morrido”. Nenhum dos quatro evangelistas fala que Jesus
teria aparecido a quinhentas pessoas, assim podemos supor que pode
ser apenas um exagero de Paulo.
Por outro lado, até mesmo
a questão de Jesus ter ficado quarenta dias no meio dos discípulos
poderíamos entender de outra forma, pois o número 40
possuía, para eles, um significado importante, observem:
- O povo hebreu permaneceu 40 anos
no deserto;
- No dilúvio choveu 40 dias
e 40 noites;
- Jacó ao morrer ficou 40 dias
embalsamado;
- Moisés ficou no Sinai 40
dias e 40 noites, quando recebe os Dez Mandamentos;
- Deus, por castigo, entrega os israelitas
aos filisteus por 40 anos (Jz 13,1);
- Em desafio um filisteu se apresenta
ao exército hebreu por 40 dias (1Sm 17,16);
- Davi reinou por 40 anos (2Sm
5,4);
- O templo tinha 40 côvados
(1Rs 6,17);
- O reinado de Salomão durou
40 anos (1Rs 11,42);
- Elias, após comer o que um
anjo lhe dá, caminha 40 dias e 40 noites (1Rs
19,8);
- Jesus jejuou 40 dias e 40 noites.
Carlos Torres Pastorino
no Livro A Sabedoria do Evangelho, quando fala sobre
como devemos fazer a interpretação da Bíblia,
coloca:
Os números possuem sentido
muito simbólico, assim:
10 – diversos
40 – muitos
07 – grande número
70 – todos, sempre.
Então, conclui: não
devem ser tomados à risca.
Dessas aparições de
Jesus podemos realçar duas coisas. A primeira, é que
há vida após a morte, caso contrário, ninguém
poderia aparecer depois de morto. A segunda, é que os mortos
se comunicam com os vivos, por mais que alguns ainda venham a dizer
que isso não pode ocorrer, a nós não resta dúvida
alguma quanto a isso. Alguns querem sustentar que Jesus tenha se manifestado
com o corpo físico, entretanto isso não condiz com o
que podemos tirar dos acontecimentos.
Então Jesus não
ressuscitou no corpo físico? Reafirmamos: Não, apesar
de que isso possa lhe causar um certo choque, mas analisemos.
Quando se apresenta a Maria de Madalena,
diz “não me toques, porque ainda não subi para
meu Pai” (Jo 20,17), entretanto,
a Tomé Ele disse: “Põe aqui o teu dedo, vê
as minhas mãos, aproxima também a tua mão, põe-na
no meu lado” (Jo 20,27), nos parecendo
contraditório. Fica ainda mais difícil de compreender,
quando colocam Jesus dizendo “porque um espírito não
tem carne, nem ossos, como vós vedes que eu tenho” (Lc
24,39), e, na seqüência (v.43), ele está
comendo peixe com favo de mel. Tudo isso nos parece ter sido um ajuste
para sustentar a idéia de que a alma não sobrevive sem
o corpo físico.
No livro de Tobias, encontramos um
anjo fazendo coisas comuns ao seres humanos, inclusive comendo, mas
ao final ele declara: “Eu sou Rafael, um dos sete anjos... Vocês
pensavam que eu comia, mas era só aparência... E o anjo
desapareceu...”. (Tb 12, 15-22).
No caso de Jesus não poderia ter sido uma situação
semelhante ou mesmo completamente materializado, conforme já
o dissemos? Esta hipótese justificaria a questão de
que poderia ser tocado, pois estaria tangível.
Mas considerando que, em várias
oportunidades, se manifesta e ninguém o reconhece, somente
acontecendo após algum gesto dele. Isso não ocorreria
se ele tivesse mesmo ressuscitado no corpo físico. Se fosse
em espírito poderia muito bem, por sua evolução
espiritual, transparecer com tanta luz que não conseguiram
de imediato identificá-lo. Teria Ele, quando vivo, dito algo
que viesse a negar depois de morto, já que acreditamos que
o que pregou foi realmente a ressurreição do Espírito?
Os evangelistas são unânimes
em dizer que o corpo de Jesus foi colocado num túmulo novo.
As narrativas de Mateus (27.59-60)
e Marcos (15,46) dizem
que o túmulo era de José de Arimatéia,
enquanto a de Lucas (23,52)
não dá a entender isso e João
(19,41-42) diz que o túmulo estava
localizado no jardim perto do lugar onde Jesus fora crucificado e
o colocaram lá apenas porque estava perto, faltam dados para
concluir que seria de José de Arimatéia. Prestem a atenção
à narrativa, pois foi dito “colocaram” em vez de
enterraram, com isso não estaria mesmo para ser um lugar provisório?
Em Atos (5,6.10),
quando se narra a morte de Ananias, e, logo após, a de Safira,
sua mulher, a expressão usada foi: “levaram para enterrar”,
ou seja, em definitivo. Assim, por falta de maiores comprovações,
podemos concluir que o lugar onde colocaram o corpo de Jesus não
era o seu túmulo definitivo, o que, provavelmente, foi feito
depois, daí a razão do desaparecimento de seu corpo,
hipótese mais provável tomando-se como base as narrativas.
Por outro lado, no domingo de manhã,
dois dias depois da morte de Jesus, algumas mulheres compraram perfumes
e foram ao sepulcro para embalsamar o corpo (Mc
16,1; Lc 24,1), reforçando a idéia de que estava
ali provisoriamente. João (20,1-2)
relata que somente Maria Madalena foi ao sepulcro,
sem dizer o motivo, que ao encontrá-lo vazio, diz: “levaram
o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram”, ou
seja, falou exatamente o que seria de se esperar para uma situação
provisória.
Quem vai nos tirar desse impasse?
Em Atos (16,7) Paulo
e Timóteo tentam entrar na Bitínia, aí diz o
texto: “mas o Espírito de Jesus os impediu”. Em
2Cor 3,17, Paulo afirma: “O Senhor
é Espírito”. Pedro já nos diz que Jesus:
“...sofreu a morte em seu corpo, mas recebeu vida pelo Espírito”
(1Pe 3,18) e mais adiante nos dá
outra informação dizendo que Jesus foi pregar o Evangelho
aos mortos (1Pe 4,4-6), o que Jesus só
poderia ter feito em Espírito. Assim, tudo se converge para
a idéia de que Jesus, após sua morte, ressuscitou em
Espírito.
A conclusão final, portanto,
fica-nos que a ressurreição contida na Bíblia
é a do Espírito e não do corpo. E sendo a do
Espírito teremos também que, forçosamente, admitir
a comunicação dos “mortos” com os vivos,
conforme o acontecido com o próprio Jesus após sua morte.
Fica aí ainda evidenciada a
necessidade de uma exegese mais realista dos fatos acontecidos, já
que o que os teólogos nos colocaram não condiz com a
realidade.
Mar/2004
Bíblia Sagrada, São Paulo, Edições
Paulinas, 1980.
Bíblia Sagrada, São Paulo, Paulus, 1990.