Infelizmente temos visto uma gama
considerável de companheiros abrindo mão da fé
raciocinada para, de uma certa forma, abraçar a fé cega,
quando passam a acreditar na infalibilidade de espíritos ou
de determinados médiuns, especialmente, os mais renomados;
entre os espíritos, para exemplificar, citamos André
Luiz, Emmanuel, Joanna de Ângelis, e entre os médiuns
destacamos Chico Xavier, Divaldo P. Franco e José Raul Teixeira.
Em que pese toda a sabedoria de todos esses personagens citados, eles
não são infalíveis e muitas de suas opiniões
apenas refletem seus conhecimentos, e como a ninguém é
dado saber tudo, podem, eventualmente, emitirem alguma consideração
de forma equivocada. E pelo amor de Deus, não nos entendam
como alguém que querer desmerecê-los, pois, isso jamais
passa por nossa cabeça, que fique bem claro. E a eles até
pedimos desculpas por citá-los.
Entretanto, não podemos ficar
calados diante de tanto endeusamento como anda acontecendo em nosso
meio, para isso vamos mencionar um tema que reflete muito bem essa
situação.
Quantos de nós já não ouvimos dizer que um espírito
não toma posse física de um encarnado, como base, apresentam-nos
as obras O Livro dos Espíritos (questões
473 e 474) e O Livro dos Médiuns (cap.
XXIII – Da Obsessão, itens 240 e 241). É
certo, que em tais obras as considerações de Kardec
e dos Espíritos Superiores é de que não haveria
possessão, no sentido semântico do termo, ou seja, o
de ocorrer uma posse física do corpo de um encarnado; porém,
Kardec mudou de ideia, fato que iremos apresentar um pouco mais à
frente.
Para corroborar o que estamos dizendo
sobre essa crença cega, mais apropriada a pessoas fanáticas,
trazemos duas falas, com as quais temos por objetivo apenas justificar
o que vemos ocorrer, sem qualquer sentido de crítica negativa
ou menosprezo dos envolvidos, até mesmo porque, por muito tempo,
nós também comungávamos com o pensamento deles.
Encontramos a primeira fala no livro Desafios da Mediunidade,
ditado pelo Espírito Camilo, na psicografia
de Raul Teixeira, do qual transcrevemos a resposta
à pergunta “É correto falar-se em 'incorporação'?”:
Não se trata bem da questão
de certo ou errado. Trata-se de uma utilização tradicional,
uma vez que nenhum estudioso do Espiritismo, hoje em dia,
irá supor que um desencarnado possa “penetrar”
o corpo de um médium, como se poderia admitir num
passado não muito distante. […]
(TEIXEIRA, 2012, p. 47) (grifo
nosso).
A segunda fala a trazemos de uma entrevista de Divaldo P.
Franco ao Programa Transição, sobre Mediunidade,
no qual comentando uma ocorrência mediúnica em Ghost,
filme norte-americano de 1990, do gênero romance, dirigido por
Jerry Zucker e com roteiro de Bruce Joel Rubin. em que o espírito
Sam Wheat (Patrick Swayze) se manifesta a Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg),
a certa altura, ele afirma:
Gostaria de fazer um pequeno adendo.
É que posteriormente, nas comunicações tem-se
a impressão que o desencarnado entrava no corpo da médium
para poder comunicar-se. Essa informação não
é verdadeira. Embora o filme seja muito bem elaborado, ele
foge um pouco à técnica do fenômeno da mediunidade.
Os fenômenos mediúnicos ocorrem através do perispírito
do médium. O perispírito do desencarnado ou corpo
astral, como normalmente é denominado, ao acoplar-se ao corpo
astral do médium ou perispírito, palavra cunhada por
Allan Kardec, transmite as suas emoções, as suas sensações
e através do direcionamento psíquico comandando o
chacra coronário e o chacra cerebral, a sede da consciência
e a sede da superconsciência, transmite com naturalidade as
informações. Foi um dos detalhes que, no filme, me
chamou a atenção. Dando a impressão que o espírito
entra no médium, conforme o líquido no vasilhame,
não é exatamente assim.
(FRANCO, 2008, de 19' 22'' a 20' 25'')
O nobre tribuno baiano, pelo qual nutrimos um incomensurável
respeito, confirma o que foi dito pelo espírito Camilo, demonstrando
que também alguns encarnados comungam de sua opinião,
embora, no caso, não possamos afirmar que Divaldo tenha tomado
essa ideia dele; particularmente, achamos que não.
Assim, tem-se mantido a opinião de que não há
posse física, baseando-se em informações como
essas duas exemplificadas. O que não se tem dado o devido valor
é que Kardec nunca agiu dessa maneira, aliás, prudentemente,
sempre considerava a opinião de um espírito como apenas
uma opinião individual, que não poderia fazer parte
do corpo doutrinário do Espiritismo, enquanto não fosse
submetida ao crivo do Controle Universal do Ensino dos Espíritos,
como podemos ver em seus comentários a respeito da obra intitulada
Os Evangelhos Explicados:
[...] Convém, pois, considerar
essas explicações como opiniões pessoais
aos Espíritos que as formularam, opiniões que podem
ser justas ou falsas, e que, em todos os casos, têm
necessidade da sanção do controle universal, e até
mais ampla confirmação não poderiam ser consideradas
como partes integrantes da Doutrina Espírita.
Quando tratarmos essas questões,
o faremos sem cerimônia; mas é que, então, teremos
recolhido os documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de
todos os lados pelos Espíritos, para poder falar afirmativamente
e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim
que fazemos todas as vezes que se trata de formular um princípio
capital. Nós os dissemos cem vezes, para nós
a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome
que traga, não tem senão o valor de uma opinião
individual; nosso critério está na concordância
universal, corroborada por uma rigorosa lógica,
para as coisas que não podemos controlar por nossos próprios
olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como
uma verdade absoluta, se, mais tarde, ela devesse ser combatida
pela generalidade dos Espíritos?
(KARDEC, 1993i, p. 191) (grifo nosso)
Enquanto Kardec analisa uma obra e não a sanciona, esperando
a sua confirmação universal, nós, infelizmente,
estamos aceitando qualquer informação ou até
mesmo alguma novidade pelo motivo dela ter vindo de determinado Espírito
ou de determinado médium. Falta-nos seguir Kardec que, taxativamente,
disse: “para nós a opinião de um Espírito,
qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o
valor de uma opinião individual; nosso critério
está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa
lógica”(KARDEC, 1993i, p. 191)
(grifo nosso).
As orientações do Codificador são claras, conforme
pode-se também ver nesta outra transcrição:
O Espiritismo não é
mais a obra de um único Espírito como não é
a de um único homem; é a obra dos Espíritos
em geral. Segue-se que a opinião de um Espírito
sobre um princípio qualquer não é considerada
pelos Espíritos senão como uma opinião individual,
que pode ser justa ou falsa, e não tem valor senão
quando é sancionada pelo ensino da maioria, dado sobre os
diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que
fez o que ele é, e que fará o que será. Diante
desse poderoso critério caem necessariamente todas as teorias
particulares que sejam o produto de ideias sistemáticas,
seja de um homem, seja de um Espírito isolado. Uma
ideia falsa pode, sem dúvida, agrupar ao seu redor alguns
partidários, mas não prevalecerá jamais contra
aquela que é ensinada por toda a parte.
(KARDEC, 2000c, p. 306) (grifo nosso)
Conforme já mencionado, informamos que o próprio Kardec
mudou de opinião em relação ao assunto “posse
física”, tornado, portanto, sem efeito o teor dos tópicos
sobre o assunto constantes de O Livro dos Espíritos
e de O Livro dos Médiuns, obras que ainda
continuam sendo base para opinião de muitos companheiros.
Essa mudança de opinião pode ser confirmada em a Revista
Espírita 1863, mês de dezembro, quando ele,
após ter uma prova de que há possessão física,
retifica o seu pensamento anterior. Vejamos a transcrição
do fato:
Um
caso de possessão
Senhoria Julie
Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar da palavra,
mas subjugados; retornamos sobre esta afirmação
muito absoluta, porque nos está demonstrado agora que pode
ali haver possessão verdadeira, quer dizer, substituição,
parcial no entanto, de um Espírito errante ao Espírito
encarnado. Eis um primeiro fato que é a prova disto,
e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. […].
[…] Ele [o espírito] declara que, querendo conversar
com seu antigo amigo, aproveitou de um momento em que o Espírito
da Senhora A..., a sonâmbula, estava afastado de seu corpo,
para se colocar em seu lugar. […].
P. Que fez durante esse tempo o Espírito da senhora A...?
– R. Estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me
nesse vestuário.
(KARDEC, 2000b, p. 373-374) (grifo nosso).
Não há dúvida
alguma de que Kardec mudou de opinião passando então
a admitir a possibilidade da possessão física. O problema
é que ele não fez questão de alterar o que havia
dito em O Livro dos Espíritos e O
Livro dos Médiuns, só o fazendo em A
Gênese, último livro doutrinário que
publica, obra a qual, infelizmente, poucos espíritas dedicam-se
a estudá-la, daí incorrerem no lamentável equívoco
de continuarem afirmando não haver posse física.
Vejamos o que consta em A Gênese, no capítulo
XIV, Os Fluidos, onde ao tratar das obsessões
e possessões, Kardec diz:
47. - Na obsessão, o Espírito
atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele
identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado
por uma como que teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito
atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado;
toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no
entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só
se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é
sempre temporária e intermitente, porque um Espírito
desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um
encarnado, pela razão de que a união molecular do
perispírito e do corpo só se pode operar no momento
da concepção. (Cap. XI, nº. 18.)
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito
se serve dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca,
vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme
o faria se estivesse vivo. Não é como na
mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo
o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é
mesmo o último que fala e obra; quem o haja conhecido em
vida, reconhece-lhe a linguagem, a voz, os gestos e até a
expressão da fisionomia.
48. - Na obsessão há
sempre um Espírito malfeitor. Na possessão
pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar
e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do
corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria
seu fato a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação
ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado
se acha em liberdade, como no estado de emancipação,
conservando-se este último ao lado do seu substituto para
ouvi-lo.
Quando é mau o Espírito possessor, as coisas
se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo
do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante
força moral para lhe resistir. Fá-lo por maldade para
com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao
extremo de tentar exterminá-lo, já por estrangulação,
já atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se
dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema,
injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades
e a atos que apresentam todos os caracteres da loucura furiosa.
(KARDEC, 2007e, p. 349-350) (grifo nosso)
Embora o termo possessão até rime com obsessão,
é bom ressaltar que o fato de a posse física ocorrer
até mesmo com um espírito bom, significa dizer que ela
não se enquadra, necessariamente, como sendo um processo obsessivo.
Ficaríamos felizes em ver esse assunto sendo tratado de forma
correta, para isso tomamos a liberdade de sugerir, aos que se interessarem,
os nossos textos disponíveis em nosso site www.paulosnetos.net:
ou leiam em - Possessão:
há posse física de um encarnado? e Incorporação
por Espíritos.