André Luiz Peixinho
Em 02 de abril 2024
Foi na tarde (para mim, já
noite) do dia 30 de março de 2024 que Marcos Melo, um caro
amigo da época de juventude espírita, trouxe-me a
notícia da desencarnação de André Luiz
Peixinho.
Médico, psicólogo, filósofo,
professor e empresário, dentre outras tantas atividades que
bem indicam sua versatilidade e sua inteligência invulgar,
André Peixinho dedicou sua vida à causa do bem, atuando
em diversas frentes sociais, sobretudo na educação
e na assistência social.
A notícia de sua desencarnação
suscitou em mim, nos últimos dias, uma série de recordações
dos momentos em que tivemos nossos caminhos interseccionados. Não
fomos amigos, no sentido próprio do termo, mas tive, com
ele, interações importantes para minha formação
humana e que não posso deixar de reconhecer.
O primeiro registro de memória que tenho
de Peixinho (em Serrinha ele é chamado de André, e
logo adiante digo o porquê) data do carnaval de 1998, na Confraternização
de Juventudes Espíritas da Bahia (Conjeb) de Jequié.
À época, eu contava 16 anos, aquela era a minha primeira
Conjeb e atuava como monitor de uma turma de outros jovens “mais
jovens” do que eu, ao lado de duas pessoas queridas: Washington
Bacelar e Manoel. Lá pelas tantas, uma das jovens da sala,
ao levantar-se do chão, deu com a cabeça numa janela
e desmaiou. Peixinho, que estava lá e próximo ao local,
foi socorrê-la, e pude acompanhá-lo até à
enfermaria improvisada, onde observei os cuidados e as atenções
que teve com a garota.
A partir dali, em outros tantos momentos pude estar
em sua presença, fosse em suas falas públicas, fosse
nas reuniões do Departamento de Infância e Juventude
(DIJ) da Federação Espírita do Estado da Bahia
(Feeb), tornando-me admirador de sua acuidade intelectual.
Em 1999, no âmbito do Projeto Hólon
(que se tornou uma entidade sem fins lucrativos naquele mesmo ano,
em 13 de março), ele coordenou uma ação que
visava oportunizar, a vestibulandos de baixa renda, o acesso a um
cursinho pré-vestibular. A Sociedade Hólon estabeleceu
uma parceria com o Curso Exato, que funcionava no bairro da Pituba,
em Salvador, a partir da qual cada estudante pagava 30% do valor
da mensalidade e dedicava algumas horas semanais de trabalho voluntário
junto à Feeb. Aqueles que nem mesmo tinham condição
de pagar esse percentual (era cerca de R$ 30,00, numa época
em que o salário-mínimo era de R$ 136,00) eram subvencionados
pela Sociedade Hólon (leia-se, pelo próprio Peixinho),
o que possibilitou que muitos jovens tivessem acesso à universidade
e hoje, mais qualificados, desfrutem de uma vida melhor. Eu, embora
só tenha efetivamente passado no vestibular em 2000, fui
um dos jovens acolhidos por esse projeto.
Em 2002, conheci e tornei-me amigo de Elzio Ferreira
de Souza, a quem o movimento espírita baiano deve os anos
mais fecundos de gestão da livraria da Casa de Petitinga
(sede histórica da Feeb), um verdadeiro ponto de encontro
da cultura espírita da Bahia. Elzio, que durante muitos anos
atuou como promotor de justiça no interior da Bahia, foi
amigo muito próximo de Aristóteles Peixinho, médium
e liderança espírita singular da cidade de Serrinha,
pai de André. Lembro-me de Elzio contanto as incríveis
histórias mediúnicas de Peixinho (o pai, Aristóteles,
que era assim chamado por toda a gente) e do tom de respeito e carinho
com que se referia a André (o filho, pois que era assim chamado
por toda a gente) que, ao fim, tornou-se mais conhecido do que pai.
Um dos traços mais marcantes da personalidade
de André Peixinho, ao lado da inteligência, era a generosidade.
Além das ações sociais promovidas pela Sociedade
Hólon, ele ajudava financeiramente a pessoas e instituições,
como a Mansão do Caminho, as Obras Sociais Irmã Dulce
e a própria Feeb. Aliás, muitas vezes ouvi pessoas
que o acusavam de ter “invadido” o espaço da
sede da Feeb no Iguatemi com as atividades da Sociedade Hólon,
sem saberem que esse foi um meio usado por ele para manter o espaço
(que é imenso e ficava ocioso durante a maior parte do tempo)
em funcionamento, justificando, sobretudo, a ajuda financeira que
saía de seu próprio bolso para garantir a manutenção
daquela estrutura.
Ainda no âmbito do movimento espírita,
Peixinho financiava grande parte dos ônibus que levavam os
jovens para as Conjebs e outros encontros no interior do estado,
além de muitas vezes assumir os custos que extrapolavam a
receita desses eventos.
Sou testemunha do quanto ele ajudou financeiramente
a diversas pessoas, especialmente um determinado projeto espírita
do Sudeste que atravessou momentos financeiros muito difíceis.
Peixinho não só financiou ações desse
projeto, como ajudou diretamente a uma de suas lideranças,
durante meses.
Além de ter sido beneficiado, eu mesmo, por
essa generosidade, no projeto pré-vestibular, em outras duas
circunstâncias ele foi especialmente atencioso e acolhedor
comigo.
Em 2003, quando lancei a primeira edição
do livro YVONNE PEREIRA: UMA HEROÍNA SILENCIOSA, ele, que
foi apresentado à obra por Elzio, durante o congresso espírita
estadual daquele mesmo ano, fez questão de levar-me diante
de toda a plateia do Auditório Iemanjá, do antigo
Centro de Convenções da Bahia, apresentando-me e à
obra, dizendo estas palavras de que nunca esqueci: “Vejam,
eu levei não sei quantos anos para escrever minha tese, e
ele, um rapaz com essa idade [22 anos], escreveu um livro tão
importante”.
Já em 2008, quando nos encontramos num evento
na Feeb, ele, sabendo que eu já estava formado em Direito
e já era advogado, chamou-me a um canto e disse: “Olha,
você não gostaria de abrir uma frente de atuação
jurídica junto à Sociedade Hólon?”. Com
outros tantos jovens recém-formados ele fez algo parecido,
para ajudar a impulsioná-los em suas carreiras. Expliquei
a ele que, desde o ano anterior, eu ocupava um cargo de diretor
de presídio junto à Secretaria de Justiça,
Cidadania e Direitos Humanos do estado, não sendo possível
assumir aquele compromisso, o que ele escutou com viva satisfação,
parabenizando-me, para depois dizer: “Pois saiba que as portas
estão abertas; a hora que você quiser, o espaço
é seu”.
Muitas outras vezes nos encontramos, seja na Bahia,
seja em Campina Grande, na Paraíba, e ainda teria outras
histórias a contar dessas muitas intersecções
que tivemos ao longo de mais de duas décadas no movimento
espírita, mas penso, André Peixinho, que o que aqui
vai dito expressa um pouco do reconhecimento e da gratidão
que você merece.
Que nesses novos caminhos – para você,
não tão novos assim –, você, ao lado de
Aristóteles, Elzio, Petitinga e de tantos outros, continue
firme e ativo como sempre foi, pondo sua inteligência e sua
generosidade a serviço do bem.
Até um dia!
Coimbra, 2 de abril de 2024.