Astrid Sayegh
> Entrevista por Jáder Sampaio (do blog Espiritismo
Comentado)

Foto 1: Astrid Sayegh (Cortesia do Correio Fraterno)
Astrid Sayegh, espírita,
Doutora em Filosofia, fundadora do Instituto Espírita de Estudos
Filosóficos (IEEF). Uma simpatia em pessoa.
O IEEF funciona na Praça Florence
Nightingale, 79 - Jardim da Glória, São Paulo. O Espiritismo Comentado
entrevistou-a e conversamos muito sobre Filosofia e Espiritismo.
03.05.2009
EC - Com que autores
da Filosofia Kardec dialoga em sua obra?
ASTRID (IEEF) - Em prolegômenos a O Livro
dos Espíritos, estes afirmam ser o Espiritismo uma Filosofia
Racional, livre do preconceito do espírito de sistemas. Por
sistemas entende-se as várias escolas filosóficas, ou
um conjunto de ideais de determinado autor organizadas logicamente.
Os espíritos afirmam desta forma que o Espiritismo não
se encaixa em nenhum sistema ou conceito de um autor particular. Isto
não significa que a Filosofia Espírita venha a negar
os sistemas filosóficos, mas antes que, como síntese
de um processo, ela abarca questões que já foram abordadas
pelos autores na história, porém mantém a sua
conceituação particular, o que mantém a sua identidade
na história da filosofia.
Herculano Pires, em Introdução À Filosofia
Espírita, afirma que o Espiritismo é a síntese
da tradição filosófica, e que nesta encontram-se
as raízes da Filosofia Espírita. Isso significa que
o pensamento dos filósofos culminou na Filosofia dos Espíritos,
na época moderna, e que estes devem ser considerados de modo
a entender a amplitude de conceitos doutrinários. Efetivamente,
Kardec não dialoga com nenhum autor em particular, e ao mesmo
tempo dialoga com todos os filósofos. No entanto, em todos
os momentos, podemos dizer que Kardec dialoga contra os materialistas.
EC - A formação
de um bacharel em Filosofia demanda quatro anos de ensino superior
ou mais. Como inserir os estudos de Filosofia no movimento espírita?
ASTRID (IEEF) - Muito embora um curso superior de
filosofia se estenda por anos, é possível abordar de
forma sintética o pensamento dos filósofos. No IEEF
estudamos os pensadores durante um ano, e estabelecemos sempre uma
correlação com os conceitos da Filosofia Espírita.
Essa parte é essencial, pois é através desta
reflexão que podemos entender a origem e os princípios
da Filosofa Espírita.
EC - Que obras de Filosofia você indicaria
aos interessados em estudar as conexões da codificação
com o pensamento europeu?
ASTRID (IEEF) - São poucos aqueles que se
dedicam a um trabalho fecundo sobre esta relação entre
os conceitos doutrinários e a tradição filosófica;
podemos indicar toda a obra filosófica de Herculano Pires,
pois ele percorre a evolução histórica do pensamento
em quase todos os textos, assim como os livros do Professor Manoel
P. São Marcos, Filosofia Espírita e seus Temas, o qual
foi o primeiro a escrever estudos sistematizados de Filosofia Espírita.
O IEEF em breve lançará a obra Princípios da
Filosofia Espírita, como texto didático visando essa
conexão.
Fonte: http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/entrevista-com-astrid-sayegh.html
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Foto 2: Turma de Filosofia Espírita no
IEEF
EC - Apesar de pleitear
uma discussão filosófica e racional para seu pensamento,
Kardec é praticamente desconhecido pelos docentes de Filosofia
no Brasil. Por que isto aconteceu?
ASTRID (IEEF) - Sem dúvida, Kardec é
pouco conhecido no meio acadêmico; acredito que isso se deva
ao fato de, primeiramente haver um preconceito muito grande por parte
dos docentes, certamente por falta de conhecimento dos fundamentos
doutrinários e da rigorosa metodologia empregada por Kardec;
mas por outro lado, poucos espíritas se aventuram a apresentar
no meio acadêmico, de forma metódica e segundo os requisitos
científicos, a autoridade do Espiritismo, particularmente no
seu aspecto filosófico. O Espiritismo nada tem a temer perante
a filosofia acadêmica, assim como a filosofia tradicional só
tem a ganhar com os conceitos espíritas, pois esses trazem
a sanção dos valores morais que ela sempre pregou.
EC - Há uma corrente contemporânea de
céticos que defendem a inexistência de evidências
favoráveis ao Espiritualismo. O que você tem a dizer
sobre isto?
ASTRID (IEEF) - Sem dúvida, vivemos um século
caracterizado por um ceticismo extremado, talvez herança do
pensamento positivista, para o qual só é considerado
científico o que é de natureza observável. Ao
se exaltar apenas o lado fenomênico do real, nega-se a face
invisível, e que é a mais autêntica.
Ora, as evidências favoráveis ao Espiritualismo não
são fenomênicas, como o próprio Kardec afirma
na conclusão de O Livro dos Espíritos, isso
se explica pelo fato de os sentidos não se prestarem ao conhecimento
da realidade metafísica. Os fariseus também exigiam
sinais de Jesus, e este afirmou que jamais os teriam. É impossível
ao anatomista conhecer a alma através da dissecação
do corpo, assim como é impossível conhecer as substâncias
ou princípios constitutivos do universo através da física
e de outras ciências naturais. Essas podem oferecer indícios,
mas jamais conhecer a natureza do objeto metafísico. Confesso,
Jader, preocupa-me o fato de espíritas quererem trazer o Espiritismo
para a Física Quântica, como se este necessitasse da
autoridade desta para se impor. O Espiritualismo racional e lógico,
e por isso se basta. Cabe aqueles que o negam apresentar uma prova
contrária à lógica.
Com efeito, ao reduzir o conhecimento à realidade observável,
ou fenomênica, jamais poderemos falar de espiritualismo, pois
esse transcende ao mundo sensível, como diria Platão.
Daí a importância de exaltar a metafísica, a ciência
das causas e princípios, tão menosprezada em nossos
dias — até mesmo nas escolas espíritas.
EC - Quem desenvolveu o curso de Filosofia que você
tem dado no CCPDE? É possível explicar seu programa
e metodologia de estudos?
ASTRID (IEEF) - O Instituto Espírita de Estudos
Filosóficos desenvolve um curso intensivo de um ano junto ao
Centro de Cultura, Pesquisa e Divulgação Eduardo Monteiro.
No entanto, os cursos regulares possuem a duração de
quatro anos, cuja programação consiste em:
1º ano: O Espiritismo e os
Filósofos
2º ano: Temas Filosóficos Espíritas
3º ano: Evolução do Princípio Espiritual
4º ano: Gnosiologia e Ética Espírita
Cursos para formação de Expositores de Filosofia
Curso sobre a obra de Leon Denis: O problema do Ser
Cursos modulares sobre as obras de Herculano Pires
As aulas são expositivas, mas
a pedagogia do IEEF é ativista. Filosofar é uma atitude
de questionamento e buscar a verdade através da reflexão
em conjunto é muito significativo.
Fonte: http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/entrevista-com-astrid-sayegh-2.html
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Foto 3: Turma no IEEF - 2008
EC - Qual é
a influência de Descartes na codificação?
ASTRID (IEEF) - Essa questão é bastante
extensa, mas poderíamos dizer que Descartes inaugurou a fase
do Racionalismo e do Idealismo, abrindo as portas para o Espiritualismo.
Podemos perceber ainda sua influência na Filosofia Espírita,
particularmente por afirmar a trindade das substâncias, assim
como seus atributos.
EC - A visão de Deus em Kardec, excetuando-se
o mito da trindade, assemelha-se à de São Tomás
de Aquino?
ASTRID (IEEF) - Tomás de Aquino buscou conciliar
os ensinamentos cristãos com a Filosofia de Aristóteles,
e foi assim um dos primeiros filósofos a buscar conciliar a
fé com a razão. Nesse sentido ele, já à
época, nos traz provas racionais sobre a existência de
Deus, algumas das quais parecem identificar-se com o conceito espírita,
particularmente no que tange a um Ser Inteligente.
EC - Qual é a diferença entre a concepção
de Deus dos iluministas (especificamente o deísmo de Voltaire)
e a dos espíritos da codificação?
ASTRID (IEEF) - Segundo Voltaire Deus existe porque
existe a ordem do mundo, ou seja, o relógio é a prova
de que existe o relojoeiro. Também a Filosofia Espírita,
em O Livro dos Espíritos, afirma que a harmonia do universo
pressupõe uma causa inteligente. Argumenta ainda Voltaire que
no universo há seres inteligentes e que, portanto supõe-se
uma causa inteligente que anima o universo. Por outro lado, Voltaire
é deista no sentido de que a existência de Deus não
é um artigo de fé, mas sim resultado da razão.
Embora a Filosofia dos Espíritos exalte a provas racionais
da existência e dos atributos de Deus, ela não nega a
importância da fé.
Fonte:
http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/entrevista-com-astrid-sayegh-3.html
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Foto 4- Divulgação do Concepção
Existencial de Deus
EC - Ao distinguir
o princípio espiritual do princípio material em “O
Livro dos Espíritos”, os espíritos assumiram
a proposição de uma segunda natureza, a natureza espiritual?
Pode-se dizer que os espíritos são adeptos do paralelismo
psicofísico?
ASTRID (IEEF) - Embora exalte a existência
de duas substâncias e não uma só, como é
o caso de Espinosa, não nos parece que os Espíritos
sejam adeptos do paralelismo psicofísico, mas antes afirmam
a existência de uma matéria ou corpo fluídico,
mediador entre ao espírito e a matéria propriamente
dita. Efetivamente a qualidade de pensamentos e sentimentos do espírito
adere à matéria fluídica, mas não que
se correspondam, em termos precisos.
EC - Alguns estudiosos de Kardec imputam uma influência
do pensamento positivista em sua obra. O que você pensa disto?
ASTRID (IEEF) - Não considero o Espiritismo
positivista. Talvez os fundamentos da Doutrina, a sua base seja positivista,
mas sua essência é antes ética e metafísica,
coisa que o positivismo, de um modo geral, nega. O positivismo lógico
baseia-se nos fatos e aqui termina a ciência, porém o
Espiritismo vai muito mais além; o fato é só
o ponto de partida para a metafísica, que constitui a sua verdadeira
natureza. Repito, Espiritismo é metafísica e não
fenômenos, e isso precisa ser ensinado em nossas escolas, de
modo a não destruirmos o próprio fundamento dos valores
morais. Daí a importância da reflexão filosófica
na casa espírita, de modo a exaltar a autoridade científica
do Espiritismo, para não nos dogmatizarmos e reduzir o alcance
e profundidade do Espiritismo ao assistencialismo.
EC - Quais são as grandes diferenças
entre o pensamento do Agostinho de “Confissões”
e “Cidade de Deus” para o Agostinho-espírito,
interlocutor de Kardec? Quais as semelhanças?
ASTRID (IEEF) - Esta pergunta é um pouco difícil
de ser respondida com precisão, pois se tratam de deduções
apenas e não temos bases sólidas em que se apoiar para
afirmar algo sobre o pensamento de Agostinho. Certamente, dado o fato
de Agostinho fazer parte da Revelação Espírita
nos leva a crer que tenha superado suas convicções como
bispo. Através de suas mensagens, particularmente no que se
refere ao autoconhecimento, em O Livro dos Espíritos,
a necessidade de interrogar a consciência todos os dias faz
lembrar o processo de Confissões, de modo a tornar possível
uma conversão do Espírito. A Cidade de Deus
hoje, talvez tenha outro signficado: embora devamos respeitar a Cidade
Terrena, a vida pós-morte não é plena e nem tampouco
dá-se o encontro definitivo com a eternidade. Muitos conceitos
aqui entrarão em questão, o que merece uma reflexão
detalhada senão quisermos ser imprecisos.
Fonte:
http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/entrevista-com-astrid-sayegh-4.html
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Figura 5: Mais uma turma de Filosofia Espírita
EC - Dora Incontri
fundamentou sua proposta teórica no Espiritismo Kardequiano
e criticou o pensamento niilista de alguns autores existencialistas
e pós-modernos. Como você analisa este projeto?
ASTRID (IEEF) - Considero esse projeto de um valor
inestimável. Dora Incontri é um Espírito muito
lúcido e bem atualizado; o niilismo que caracteriza o existencialismo
materialista exerce grande influência no pensamento da sociedade
pós-moderna, daí a necessidade de conhecermos essas
tendências de forma a saber combatê-las com fundamentos
sólidos. O Espiritismo não pode estar a parte do momento
histórico, e justamente por ser uma filosofia racional, essa
razão iluminista deve continuar a serviço de uma crítica
do momento histórico, de modo a superá-lo.
EC - Kardec utilizava um proto-conceito de classes
sociais? Em caso afirmativo, ele é partidário da luta
de classes ou da colaboração de classes?
ASTRID (IEEF) - Sob hipótese nenhuma os Espíritos
se colocam a favor da luta de classes, pelo contrário, segundo
a Lei da Igualdade, em O Livro dos Espíritos, todos os homens
são naturalmente iguais, e as diferenças de classe são
convenções. Existe sim diversidade de aptidões
e de graus de conquista,mas dia chegará em que os homens não
mais se olharão como castas de sangue mais ou menos puro, mas
como Espírito mais ou menos puro. Embora os Espíritos
admitam que seja impossível a igualdade absoluta de riquezas,
longe de afirmar que exaltem a luta de classes, pelo contrário,
em essência somos todos da mesma natureza, e um dia viveremos
com as diferenças de forma harmoniosa.
EC - Herculano entendia que o Espiritismo é
uma doutrina existencialista? Como se pode conciliar esta proposta
com o pressuposto existencialista de que a existência antecede
a essência?
ASTRID (IEEF) - Segundo Jean Paul Sartre, o mais
conhecido filósofo contemporâneo, o homem veio do nada
e volta para o nada. Efetivamente, surgimos no mundo como existentes,
em meio a uma situação dada, de modo a então
elaborarmos a nossa essência no mundo. Do ponto de vista espírita,
poderíamos afirmar que a essência é que antecede
a existência, potencialmente, e que no mundo tornamos essa potência
ato; em outros termos, é na existência que revelamos
nossa essência e a ela nos ajustamos.
EC - Alguns antropólogos brasileiros têm
defendido a idéia de que Chico Xavier aproximou o pensamento
de Kardec ao Catolicismo no Brasil. O que você pensa disto?
ASTRID (IEEF) - Na verdade, não foi Chico
Xavier, mas Emmanuel que, por ter sido padre, certamente tem esse
religiosismo muito presente em seu Espírito. No entanto, não
considero essa questão comprometedora absolutamente, pois a
atitude de reverência a Deus, termos que denotam paixão
e não apenas a frieza da razão, nos contagiam muito
mais que conceitos e raciocínios. Não vejo nada de misticismo
como comentam alguns, pelo contrário, sinto a expressão
de um Espírito fervoroso que, acima da expressão conceitual,
pela nobreza de sentimento que o caracteriza-se, necessita expressar
o seu interior de forma metafórica. Linguagem metafórica
é uma coisa, igrejismo e dogmatismo, com todo respeito, é
outra. Alguns filósofos inclusive consideram atualmente a linguagem
metafórica como recurso mais adequado de se dizer as coisas
espirituais.
Defendo a idéia de que o racionalismo puro também acaba
por ser dogmático e não nos torna espíritas de
fato, mas ardor e entusiasmo são geradores de mensagens autenticamente
evangélicas e de conduta nobre. Eu diria que a mensagem de
Emmanuel é antes evangélica cristã e não
católica; seus livros nos induzem a educar os sentimentos,
e não consta, absolutamente, nenhuma evidência de formalismo
religioso.
Fonte: http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/entrevista-com-astrid-sayegh-5.html
Astrid Sayegh é filósofa
e coordenadora do Instituto Espírita de Estudos Filosóficos,
em São Paulo.
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