Ícone de Barnabé
Um estudo que o Hermínio Miranda
começou a fazer em vida e chegou a publicar diversos livros,
foi sobre os cristãos primitivos. Como era o cristianismo nos
primeiros séculos após a desencarnação
de Jesus? Tenho estudado há algum tempo os escritos dos primeiros
cristãos aceitos pela igreja e há um autor chamado Barnabé,
que não é o colega de Paulo de Tarso em Antioquia, mas
que se considera que seja um instrutor de Alexandria, que escreveu
o seguinte sobre o jejum, que era palco de discussões entre
os cristãos judaizantes e não judaizantes:
“... “Eis o jejum que eu escolhi”, diz o Senhor.
“Desata todas as amarras da injustiça; desfaz as cordas
dos contratos iníquos; envia os oprimidos em liberdade; rasga
toda escritura injusta; reparte teu pão com os famintos; se
vês alguém nu, veste-o; conduz para a tua casa os desabrigados;
se vês algum pobre, não o desprezes; não te afastes
dos membros de tua família. Então tua luz romperá
pela manhã, tuas vestes rapidamente resplandecerão,
a justiça irá à tua frente e a glória
de Deus te envolverá. Então outra vez gritarás,
e Deus te ouvirá. Ao falar, ele te dirá: Eis-me aqui!”
(Carta de Barnabé, 3:3-5)
A posição dele é
clara. Em vez de atos exteriores, rituais, justificados pela tradição,
atos interiores, ações em consonância com as mais
caras ideias do Cristo, como a caridade moral e material, atos de
justiça social e de reconhecimento do próximo, do que
foi abandonado pelo mundo.
Jesus se pronuncia diversas vezes sobre isso, nas querelas com os
fariseus e saduceus, tão voltados à letra morta, às
exterioridades, às aparências de santidade. Pessoalmente
gosto muito do diálogo com a mulher samaritana. Jesus a encontra
em um poço e dá mostras de ser profeta, de saber coisas
sobre a vida dela, como os seus cinco maridos. Ela então lhe
faz uma pergunta sobre a religião judaica, que era objeto de
disputa entre judeus e samaritanos:
“Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que
em Jerusalém é o lugar onde é necessário
adorar. Jesus lhe diz: Crede em mim, mulher, porque vem a hora quando
nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai. (...) Deus
é espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo
em espírito e verdade. João 40:20,
21 e 24
Este é um primeiro ponto a se discutir sobre o espiritismo
e a páscoa. Herdeiro de valores construídos na forja
do cristianismo, a relação dos espíritas com
a religião ou a religiosidade é essencialmente interior
e pessoal.
A Deusa Eastre também marcava a primavera
no hemisfério norte.
Como estamos no sul, aqui seria o outono.
Contudo, vivemos em sociedade. Herdamos
uma salada de tradições, algumas dos cultos de deuses
antigos, outras judaicas, todas exteriores. O coelho da páscoa,
que povoa nossas televisões e a fantasia dos pequenos parece
ser oriundo do culto da deusa germânica Eastre. O ovo vem de
uma história desta mesma deusa que transformou uma ave em lebre.
O ovo está presente na ceia pascal dos judeus. O cordeiro vem
dos sacrifícios aos deuses e do episódio pascal judaico,
que recorda a saída do Egito, quando se matou um cordeiro e
passou seu sangue nos umbrais das portas.
Todos esses símbolos foram reapropriados pelo catolicismo e
foi-lhes dado um significado cristão, ou, melhor dizendo, católico.
O cordeiro hebraico passou a simbolizar a morte de Jesus no calvário
para tirar os pecados dos homens. Convenhamos, isso não faz
o menor sentido para o pensamento espírita. Nosso maior interesse
no calvário é a demonstração inconteste
da vida após a morte e da mediunidade dos que perceberam Jesus,
e reconheceram que ele nos ensinou que a vida não termina no
túmulo.
Refeição de páscoa judaica
Como ficamos
nós, espíritas, então? Resta-nos, portanto, duas
coisas:
1. Pensar no sentido da imortalidade
da alma e da mediunidade, que se mostram após a desencarnação
de Jesus, o que podemos fazer em família ou nos centros espíritas.
2. Aproveitar o feriado para estar
junto com a família. Não vejo problemas em trocarmos
ovos de páscoa com nossas crianças, em escondermos os
ovos para os pequenos acharem, em deixar marcas de talco que lembram
pés de coelho, em pintarmos cascas de ovos, como os católicos
ucranianos, nem em fazermos juntos uma refeição, mas
que isso seja uma grande brincadeira, um daqueles momentos mágicos
de acolhimento que os pequenos guardarão para a idade adulta
e a vida, e não um ato religioso (para que não fique
dúvida, o centro espírita não é o local
adequado para isso).
Penso até que podíamos
nos lembrar das “crianças sem ovos de páscoa”,
das pessoas sem família, sofrendo de solidão, e abrir
nossas portas a elas, ou visitá-las durante a páscoa,
em memória de Jesus, se desejamos fazer algo diferente, em
recordação à bela reflexão de Barnabé.