Como bom pedagogo, ao escrever seus
livros para o grande público, Allan Kardec discutiu com os
espíritos muitos tópicos da filosofia antiga e de
sua época, sem ficar citando os autores. Alguns conceitos,
hoje esquecidos, deviam ser muito conhecidos no meio intelectual
francês do século XIX, e vez por outra, ao pesquisar
as origens, esbarro em algum filósofo importante.
Em sua primeira publicação
espírita, Kardec apresenta rapidamente o conceito de “alma
do mundo” – “âme du monde” (O Livro
dos Espíritos, questão 144), afastando a ideia de
que os planetas são seres viventes, como pensava, por exemplo,
Orígenes, em seu “Tratado sobre os princípios”,
no século III.
O dicionarista Ferrater Mora explica
que o conceito de “alma do mundo” está em Platão,
como uma “mescla harmoniosa pelo demiurgo das ideias e da
matéria”. É bem possível que Kardec tenha
usado o termo platônico para questionar aos Espíritos,
uma vez que ele considera Platão e Sócrates como precursores
do cristianismo e do espiritismo.
No capítulo XI de A Gênese,
Kardec refere-se a um conceito semelhante, o de “alma do universo”
(A Gênese, capítulo XI, parágrafo 28), em francês,
“âme de l’univers”.
Heráclito fala de uma “alma
do universo”, que é um “todo homogêneo”
para onde volta a alma humana após a morte, perdendo sua
individualidade e tornando-se homogênea.
Baruch Spinoza (século XVII)
entendia Deus como sendo a “alma do universo”, no sentido
que era o “mecanismo imanente da natureza”, ou seja,
Deus é a natureza. Trata-se de uma concepção
panteísta.
Allan Kardec, contudo, deixa claro
que o espiritismo não é panteísta em seu texto
“As cinco alternativas da humanidade”, publicado em
Obras Póstumas. É um texto que não se encontra
na Revista Espírita, no período em que Kardec foi
seu editor, deve ser, portanto, um texto do final de vida.
Spinoza é considerado o “monista
por excelência”, porque entende que tudo é uma
única substância: Deus, o universo e o ser humano.
Kardec, contudo, posiciona-se como dualista ou trinitário
(trindade universal), uma vez que entende que há dois princípios
ou substâncias, o material e o espiritual, e “acima
de tudo Deus”, cuja natureza (essência, substância)
diferiria do espírito e da matéria. (O Livro dos Espíritos,
questão 27)
O monismo de Spinoza pode ser lido
em seu livro "Ética demonstrada à maneira dos
geômetras". Na proposição XVI encontra-se
a concepção de Deus como infinito, que resultaria
na concepção de Deus como um intelecto infinito e
causa primeira. (corolários I e III).
Há uma conexão entre
o racionalismo de Descartes, Spinoza e a metafísica de Allan
Kardec.