Desde que
comecei a escrever e publicar, vez por outra chega às minhas
mãos algum manuscrito de autor novo ou de um médium
pouco conhecido. É uma empreitada difícil ser um autor
novo no meio espírita, mais ainda ser médium novo, porque
o desconhecimento gera a suspeita e a mera suspeita de alguém
que não se conhece pode transformar um ponto polêmico
em justificativa para não se ler. Bem dizia Jesus que não
se coloca vinho novo em odres velhos (1),
pelo risco de rompê-los. Espero ainda ser couro novo, capaz
de acomodar o vinho novo que um dia estará pronto.
Gostaria de comentar um manuscrito que me chegou em mãos, o
do livro Cristão, de Maurício Brandão
e Roberto Caetano. Na entrevista com o autor, após o lançamento,
fiquei sabendo que o livro tem uma história parecida com o
Memórias de um suicida, de Yvonne Pereira. Teve seu
texto concluído em 2006, passou pelos olhos de diversos analistas
e só foi entregue a um editor que o publicou em 2021.
Outra curiosidade são as notas de rodapé, feitas a partir
de estudos que mostram a estrutura e a cultura romanas, as instituições,
os eventos, as referências às pessoas famosas que estão
no texto. É possível ler apenas a história sem
ter esse olhar histórico, ou entender em mais profundidade
o significado dos personagens, lugares, tempo e história.
Trata-se de uma história contada sobre um pretoriano, mas a
mensagem desse livro não está na Roma dos imperadores.
É uma bela história e pode ser recontada, mas foi escrita
para ser lida e meditada. Grande parte dela foi psicografada pelo
Maurício nas manhãs entre as 8 e as 8h30, dias a fio,
e o Roberto psicografava de forma autônoma, de tal modo que
se fez uma espécie de composição, na qual não
se descobre que texto veio de um par de mãos e que texto veio
do outro, a partir da leitura do livro.
Tudo gira em torno de Antônio, centurião e membro da
ordem equestre, ao mesmo tempo militar e de família importante,
mas que não teve seu nome inscrito nos anais da história.
Para entender Antônio, ele vai recordando sua infância,
sua inserção no exército romano, seus valores,
sua passagem pelos livros de Sêneca, filósofo estóico
romano, cuja escola filosófica, segundo Humberto Schubert,
foi muito influente na história do Cristianismo primitivo.

Em um dos
dias de trabalho, responsável que era pela segurança
de Roma, no final do ano 61, ficou sabendo da chegada à Roma
de Paulo de Tarso, condenado pelos judeus, mas trazido a Roma para
ser julgado por ser cidadão romano. Ele veste-se com uma roupa
comum e fica conhecendo o apóstolo dos gentios.
Seguem-se os muitos encontros entre o militar e o apóstolo
e o romance se torna psicológico. Mostra o confronto entre
a cultura romana, o mundo de Antônio e o Cristianismo de Paulo.
Diálogos com Paulo, pregações, leituras do evangelho,
tudo isso vai alterando Antônio e se manifesta na sua relação
com as pessoas do seu mundo romano.
Para não antecipar o roteiro, e atrapalhar o suspense da leitura,
gostaria de falar apenas de mais uma personagem que surgirá
na vida de Antônio: a cristã Cibele. Ela é peça
central na Villagio Fratello Gesú (Vilarejo dos irmãos
em Jesus), e uma influência marcante nesse confronto interior
de Antônio, que não sabe se é cristão.
Peço que o leitor fique atento também em Cláudio
e em Rufius, mas principalmente em Valeriana.
O título Cristão já intrigou alguns
de meus leitores do Espiritismo Comentado. Posso adiantar, que o período
em que a história se ambienta, a pergunta você é
cristão? é uma pergunta de polícia, uma
confissão de um crime contra o imperador. Ao mesmo tempo, tendo
sido criado em um mundo tão romano, do ponto de vista da interioridade,
a mesma pergunta tem outro significado. E quando nos perguntamos se
somos cristãos, estamos diante da questão de conhecer
o Cristo e se identificar com seus ensinamentos, sua proposta de vida.
Somos cristãos? Acho que é a essência do livro,
hoje.
Não estamos mais no império Romano, não conhecemos
Sêneca, mas vivemos em um mundo ainda estranho ao Cristianismo
e à proposta cristã. Não temos mais acesso ao
Villagio, mas temos acesso aos Centros Espíritas,
à mensagem de Jesus e aos estudos de Allan Kardec. Quem somos
em nosso círculo cristão? Somos Antônio, somos
Cibele, somos Cláudio, somos Rúfio, somos Valeriana,
ou somos Cláudia Prócula, somos Caius,
somos Marcio? Cabe também uma pergunta de Jesus:
Quem
é minha mãe e quem são meus irmãos?