No capítulo Consciência
espírita, constante do livro Cartas e crônicas,
do Espírito Irmão X, o autor sabiamente adverte que
a liberdade oferecida pela Doutrina aos seus seguidores deve ser observada
com extremo cuidado, de modo que durante a vida o seu emprego não
seja inapropriado, criando compromissos e resgates variados pelo mau
uso deste apanágio das leis de Deus.
Segundo este mesmo texto, de que sugerimos a atenta leitura, tudo
indica que a liberdade se torna um possível Calcanhar de
Aquiles para todo espírita que acredita ser a liberdade,
apregoada pela Doutrina, uma carta de alforria, para tudo ou nada
fazer, tudo experimentar e, principalmente, tudo divulgar, sem considerar,
nessa divulgação, se os livros, textos, mensagens, palestras
e vídeos possuem teor efetivamente doutrinário, bastando
que o conteúdo seja espiritualista para se justificar plenamente
a disseminação.
É comum escutar adeptos defendendo o seu “direito”
de tudo trazer para dentro dos nossos arraiais, afirmando categoricamente
serem livres, podendo, portanto, agir na seara espírita da
forma como melhor lhes convier. Doutrina Espírita é
sinônimo de Liberdade, proclamam aos quatro grandes ventos,
e se soubessem da existência dos ventos menores, certamente
assim também se expressariam.
Mais ainda, alguns chegam mesmo ao disparate de divulgar pelos meios
televisivos, entre outros, conversas ao vivo com supostos renomados
Espíritos desencarnados, às vezes respondendo aos ouvintes
perguntas de toda a ordem, equiparando-se a vulgares programas de
auditório, banalizando o que deveria ser tratado com extrema
responsabilidade, aumentando, desta forma, com a sua conduta irresponsável
e com a prática descabida, suas faltas diante das Leis de Deus
que, de modo algum, admitem impunidades.
Por outro lado, Chico Xavier, talvez o detentor da mais profícua
mediunidade que existiu no século XX, quando indagado sobre
possíveis consultas ou conversas ao vivo com Espíritos
em futuros programas televisivos ou encontros espíritas, humildemente
informava que ele estaria à disposição como médium,
mas não poderia garantir que Espírito algum também
comparecesse, oferecendo mensagens ou orientações. O
sábio Chico tinha conhecimento de que ninguém comanda,
tampouco obriga, Espíritos realmente esclarecidos e, portanto,
ocupadíssimos com atividades sérias e relevantes no
plano espiritual, a comparecer aqui ou ali, ainda mais em palcos frívolos,
sob a supervisão de pseudoentendidos em Doutrina
Espírita.
Veja-se que diferença de conduta, entre os primeiros e o segundo,
agravada pelo fato de que a atitude daqueles está respaldada
em falsos direitos. Estejamos sempre cientes de que não é
possível praticar inconveniências e permanecer incólumes.
Liberdade para aqueles, pode ser resumida assim: sou um Espírito
imortal, criado por Deus, tenho inteligência e livre arbítrio,
sou senhor do meu destino, não devo explicações
a ninguém, sou um livre-pensador, não tenho peias, nada
me controla, sigo para onde desejo e quero, ao sabor único
das minhas próprias inclinações e aspirações.
Não percebem, todavia, que estão cativos da própria
ignorância.
Há aqueles que chegam mesmo a criticar o livro Conduta
espírita, de André Luiz, alegando: quem é
este que fala em condutas e normas, quando o Espiritismo é
Doutrina de absoluta liberdade? quem é livre não segue
condutas, traça o seu próprio caminho! - exclamam.
Diante de tantas aberrações, com pesar, só podemos
nos expressar desta forma: Espiritismo, ainda um ilustre desconhecido!
A veneranda Joanna de Ângelis, a quem devemos imensa gratidão
e respeito pela sua dedicação milenar à humanidade,
escreveu em Leis morais da vida (2):
Intrinsecamente livre, criado para
a vida feliz, o homem
traz, no entanto, ínsitos na própria consciência
os limites da
sua liberdade.
Observe-se que a consciência permanece livre, mas a liberdade
de ação possui limites. Fato este confirmado anteriormente
por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos (3):
Haverá no homem alguma
coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze ele de
absoluta liberdade?
“No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que
não há como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter
o voo, porém, não aniquilá-lo.”
Pela resposta conclui-se que apenas
no pensamento pode existir a liberdade absoluta, visto que foi a única
possibilidade elencada pelos Espíritos.
Mais adiante Joanna de Ângelis acrescenta: “Liberdade
legítima decorre da legítima responsabilidade, não
podendo aquela triunfar sem esta”(2),
afirmando que liberdade e
responsabilidade caminham lado a lado, e assevera:
A toda criatura é concedida
a liberdade de pensar, falar e agir, desde que essa concessão
subentenda o respeito aos direitos semelhantes do próximo
(2).
Neste trecho, elucida que o limite
no exercício de nossa liberdade aparece quando se alcança
o limiar do direito alheio. Consoante mais uma vez com Allan Kardec,
quando registrou em O Livro dos Espíritos (4):
Haverá no mundo posições
em que o homem possa jactarse de gozar de absoluta liberdade?
“Não, porque todos precisais uns dos outros, assim
os
pequenos como os grandes.”
Como de modo geral não vivemos
a condição de eremitas, só podemos concluir que
estamos ainda prisioneiros das convenções, costumes
e obrigações sociais.
E ao final Joanna oferta-nos esta pérola de ensino que é
traço peculiar àqueles Espíritos que já
entendem as diversas nuances da vida:
Livre o homem se tornará,
somente, após romper as
férreas algemas que o agrilhoam aos fortins das paixões
(2).
Estaria a Terra, liberta das paixões,
ou estas ainda seriam características dominantes em nossa insipiente
civilização?
As brumas do tempo ainda deverão rolar longamente, antes que
possamos nos aventurar, afirmando que somos absolutamente livres,
mas certo é que esta hora chegará, na razão direta
dos nossos esforços em conhecer e praticar as Leis de Deus,
como o deseja nosso Pai amantíssimo.
Enquanto aguardamos pacientemente esta tão esperada hora, mas
trabalhando com afinco e empenho no limite de nossas forças,
não deixemos que a falsa noção de liberdade,
que nasce do nosso orgulho e vaidade, nos traia e determine, em futuro
próximo, a chegada do tão indesejado choro e ranger
de dentes em nossa existência.
Antes de tudo, sejamos honestos e exercitemos o bom senso, pois ainda
somos prisioneiros: de muitas armadilhas criadas por nós mesmos;
de nossas limitações de entendimento e ignorância
espiritual, que ainda nos encarceram; de nossa visão obtusa
do que seja ser espírita e que nos prende igualmente em muitos
descaminhos.
Entretanto, nada nos impede de expressarmos esta nossa parcial liberdade
sendo leais aos princípios que esposamos, quais sejam os princípios
espíritas, agindo não do modo que nos apraz, satisfazendo
assim plenamente o nosso desmedido ego, mas realizando o que se espera
de nós como espíritas que aspiramos ser.
Do pouco que vimos, poderíamos concluir que:
1. todos aqueles que se julgarem
a margem da civilização, vivendo como eremitas urbanos,
agindo desta maneira sem limites em suas ações;
2. todos aqueles que se considerem absolutamente responsáveis;
3. todos aqueles que tenham perfeito conhecimento dos direitos do
próximo;
4. todos aqueles que não sejam escravos de suas próprias
paixões...
podem com certeza e inquestionável
direito proclamar a todos os ventos: SOU LIVRE!
Referências:
1. XAVIER, Francisco Cândido. Cartas e
Crônicas. Ditado pelo Espírito Irmão X. 4. ed.
Rio de Janeiro: FEB Editora, 1979. Cap. 7.
2. FRANCO, Divaldo Pereira. Leis Morais da Vida. 2. ed. Salvador,
BA: Livraria Espírita “Alvorada” - Editora, 1977.
cap. X. Mensagem 49.
3. KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro.
69. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1987. cap. X, q.833.
4 ______, ______, cap. X. q. 825.
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