Rogers conta
que, a convite de amigos, havia participado de uma reunião
mediúnica, constatou a autenticidade da mensagem da falecida
irmã de Helen e tirou conclusões muito positivas desse
contato, sobretudo a quebra de antigos preconceitos. Confessou seu
longo desinteresse e cetismo em relação a continuidade
da vida e a sua mudança radical após esse evento.
Dessa experiência espiritual surge um outro Rogers, talvez
o verdadeiro, que permaneceu oculto durante a longa trajetória
profissional. É um Rogers de profundidade assustadora, leitor
dos novos fatos científicos, do futuro do planeta e da Humanidade,
e ao mesmo tempo um ser humano simples, preocupado com o aproveitamento
e a evolução pessoal na sua existência. Nesse
tempo de 90 anos ele se preparou para ser sacerdote e professor,
mas acabou descobrindo que a sua missão era a defesa da psicologia
e travar uma difícil batalha contra o poder da psiquiatria.
Foi tudo isso, mas foi um revolucionário tranquilo.
Psiquiatras e psicólogos
hoje vivem relativamente em paz. Cientistas e céticos influentes
atualmente acenam, embora cautelosos, sem preconceitos para as questões
da espiritualidade. Muitos deles fazem do assunto uma bandeira para
lotar congressos, realizar workshops e vender milhares de livros.
Antes as coisas não eram assim e muitas mudanças aconteceram
por causa de Carl Rogers e outros “conspiradores” da
Era de Aquário. Essa tendência havia sido descrita
na famosa obra da jornalista Marilyn Ferguson e apontava os novos
rumos das ciência e das artes através da quebra de
paradigmas seculares.
Um novo mundo, uma nova pessoa - por Carl Rogers
Nosso mundo está em uma tumultuada
agonia, agonia sem parto. Isto bem pode ser a desintegração
precedente à destruição de nossa cultura pelo
suicídio de um holocausto nuclear. Por outro lado, o terrorismo,
a confusão, o desmoronamento de governos e de instituições
podem ser as dores de um mundo em trabalhos de parto (...) nas aflições
do nascimento de uma nova era (...) do nascimento de um novo ser
humano, capaz de viver nessa nova era, nesse mundo transformado.
Estamos diante não de uma, mas de várias mudanças
inevitáveis de paradigmas. Os velhos padrões se desvaneceram.
Isto nos inquieta e nos deixa incertos.
A busca por uma unidade material
(moléculas, átomos, núcleos do átomo,
inúmeras micro-partículas) do universo foi infrutífera.
Ela não existia. As partículas eram padrões
de energia oscilante. Toda nossa percepção da realidade
se desvaneceu em irrealidade. Nosso mundo era diferente de qualquer
coisa que tivéssemos imaginado. Não existe solidez
nele.
As pesquisas de J.S. Bell - 1964
a 1972 - sugeriram um universo interconectado em cada evento está
em conexão com todos os outros.
Partículas gêmeas,
com o mesmo spin, poderiam ser separadas. Se o spin de uma dessas
partículas é alterado,o spin da outra muda instantaneamente.
Como essa partícula “sabe” o que está
acontecendo à sua partícula gêmea?
Existe no universo um misterioso
e desconcertante vínculo de comunicação.
Nesse novo paradigma, matéria, tempo e espaço desaparecem
como conceitos absolutos ou como conceitos significantes. Existem
apenas oscilações. A solidez de nosso mundo desapareceu.
O velho paradigma não serve mais.
A ciência – pedra angular
da nossa era tecnológica- não é mais simplesmente
um sistema linear de causa e efeito, mas é uma descrição
maravilhosamente complexa do processo recíproco de causa
e efeito através do qual o universo está criando a
si próprio!
Fritzjof Capra e Gary Zucav demonstram
a convergência entre a física racional e teórica
do ocidente e o esoterismo pragmático oriental.
A epistemologia de Murayama demonstrou
eu os sistemas vivos só podem ser entendidos através
do reconhecimento do fato de que existem interações
recíprocas de causa e efeito. Estas ampliam os desvios e
permitem o desenvolvimento de informação nova e de
novas formas.
O prêmio Nobel em química Prigogine provou que quanto
mais complexa a estrutura – química ou humana –
mais energia ela despende para manter a complexidade. O cérebro
humano, com apenas 2% do corpo, utiliza 20% do oxigênio disponível.
Um sistema complexo é instável
e nele ocorrem flutuações ou “perturbações”.
Se elas são pequenas ele as dissipa. Se elas são grandes,
elas são aumentadas e ampliadas pelas conexões do
sistema. As perturbações atingem um ponto tal que
o sistema – químico ou humano – é conduzido
a um estado alterado, novo, mais coerente, mais ordenado e complexo.
É uma nova forma de ser. Esta mudança não é
uma mudança gradual, é súbita, com vários
fatores operando ao mesmo tempo para forçar a alteração.
Segundo Ferguson, “Quanto mais complexo um sistema, maior
o seu potencial para a auto-transcendência: sus partes cooperam
para reorganizá-lo.
A teoria holográfica de Karl
Pribam etá alterando não apenas a nossa compreensão
do como percebemos – e talvez mesmo criemos – a realidade.
Barbara Brown demonstra em seu trabalho
sobre biofeedback que a mente é uma entidade maior do que
o cérebro, e que o nosso intelecto não consciente
é capaz de realizar proezas como controlar uma única
célula selecionada entre trilhões de células
do corpo.
Aspy, Roebuck e Tauch mostraram que, dado o clima psicológico
adequado, a aprendizagem e a mudança e comportamento ocorrem
num ritmo acelerado. Facilitar a expressão de sentimento,
potencializar a pessoa, liberar o indivíduo para uma escolha
mais autônoma, resulta em mais aprendizagem, mais produtividade,
mais criatividade, do que a que resulta do exercício de poder
sobre a pessoa.
Potencializar a pessoa é
colocar em movimento um processo que pode revolucionar a família,
a escola, a organização, a instituição,
o Estado. Estamos diante de uma mudança paradigmática.
Outras potencialidades humanas, delonga data conhecidas, mas desconsideradas,
têm recebido uma nova apreciação. Fenômenos
paranormais, como a telepatia, clarividência, precognição
têm sido suficientemente testados e aceitos por associações
científicas. Energias curadoras, que operam consciente ou
inconscientemente, não são mais motivo de escárnio,
mas partes de uma medicina holística. O poder da meditação,
de forças transcendentais é também conhecido.
A realidade, como a temos conhecido
– matéria, tempo e espaço – não
existe mais de nenhuma forma fundamental. Estamos frente a uma realidade
misteriosa de energias oscilantes que operam formas bizarras. É
uma realidade de uma interconexão quase que mística
, uma relação que participa cada entidade, tanto animada
quanto inanimada.
Como indicou um grande cientista,
o universo não se parece mais com uma grande máquina.
Assemelha-se a uma grande “ideia”.
Um novo mundo
Este novo mundo será mais
humano e humanitário. Explorará e desenvolverá
as riquezas e capacidades da mente e do espírito humano.
Produzirá indivíduos que serão mais integrados
e plenos.
Será um mundo que valorizará
a pessoa individual, o maior de nossos recursos. Será um
mundo mais natural, com um renovado amor e respeito pela natureza.
Desenvolverá uma ciência
mais complexa e humana, baseada em conceitos novos e menos rígidos.
Sua tecnologia objetivará o engrandecimento das pessoas,
ao invés da exploração delas e da natureza.
Libertará a criatividade,
à medida que os indivíduos sentirem o seu poder, suas
capacidades, sua liberdade.
Este é o novo mundo em direção
ao qual estamos inevitavelmente nos movendo: uma nova realidade,
uma nova ciência, um novo ser, em constante processo de transformação.
Quem será capaz de viver neste mundo completamente estranho
e novo?
Uma nova geração de
conspiradores. Os jovens na mente e no espírito. Os jovens
de corpo se juntarão a pessoas mais velhas que absorveram
os conceitos em transformação. Não todos, naturalmente.
Eles já estão nascendo.
Um novo ser e suas qualidades
Nosso conceito de pessoa está
diante de uma drástica mudança. Esta pessoa tem um
potencial inimaginado, está ganhando tanto uma nova consciência
de sua força e poder quanto o reconhecimento de uma única
coisa constante na vida é o processo de mudança. Parece
que precisamos ver o indivíduo primariamente como uma pessoa
que está continuamente se transformando, uma pessoa transcendente.
Estas pessoas vivem a vida como
um processo, como um fluxo de energia, uma transformação.
A vida rígida, estática, não atrai mais.
Vivem numa relação confortável com a natureza,
um parentesco responsável. A idéia de “conquista
da natureza” é um conceito a que são avessos.
Vêem que poder sobre os outros
é simplesmente uma outra forma de conquista, igualmente inaceitável
e a que são igualmente avessos. O objetivo delas é
potencializar a cada individuo, compartilhar o poder em empreendimentos
comuns.
Experienciam sua relação
com os outros como parte de sua relação com a natureza.
Esta relação fundamenta a construção
de comunidades em uma escala humana, o seu flexível modo
de lidar com problemas comuns.
Não gostam de viver em um
mundo compartimentalizado – corpo e mente, saúde e
doença, intelecto e sentimento, ciência e senso comum,
indivíduo e grupo, sadio e insano, trabalho e divertimento.
Em lugar disso, empenham-se no sentido de uma totalidade de vida,
experienciando o pensamento, o sentimento, a energia curadora, todos,
de uma forma integrada. Estes indivíduos são fundamentalmente
indiferentes a posses materiais, confortos recompensas. Dinheiro
e símbolos de status material não são o objetivo
deles. Podem viver em abundância, mas de nenhuma forma isto
lhes é necessário.
São pessoas que buscam, e
seu questionamento é de uma natureza essencialmente espiritual.
Estão conscientes e são influenciados pelos ritmos
mais amplos do universo. Estão familiarizados com os estados
alterados de consciência, com a energia psíquica, com
experiências de meditação ou místicas.
Querem encontrar um significado e objeto na vida que transcenda
ao indivíduo.
Têm uma abertura para o mundo
– tanto interior como exterior. São abertas à
experiência, a novos modos de ser, a novas idéias e
conceitos e a um recentemente descoberto mundo de sentimentos.
Vejo estas pessoas valorizarem a
comunicação como meio de dizerem as coisas como elas
são.
Rejeitam a hipocrisia, a mentira
e a conversa dúbia de nossa cultura. São abertos,
por exemplo, sobre suas relações sexuais, em vez de
manterem uma vida reservada ou dupla.
São interessadas pelos outros,
ávidas para serem úteis quando a necessidade é
real. Seu interesse é um interesse, suave, não moralista,
não avaliativo. Suspeitam de pessoas que “ajudam”
profissionalmente.
Têm uma antipatia por qualquer
instituição altamente estruturada, inflexível,
burocrática. Acreditam que a instituição deve
existir para as pessoas, e não o inverso.
Têm uma confiança em
sua experiência e uma profunda descrença pela autoridade
externa. Fazem seus próprios julgamentos morais, mesmo que
desobedeçam abertamente a leis que consideram injustas.
Suas vidas são construídas
sobre uma filosofia consistente – uma confiança básica
na natureza construtiva do organismo humano, um respeito pela integridade
de cada pessoa, uma crença na idéia de que a liberdade
de escolha é essencial para uma vida plena, uma crença
de que a comunicação harmoniosa entre indivíduos
pode ser facilitada, um reconhecimento de que a experiência
de comunidade íntima é essencial a uma boa vida.
Elas estarão à vontade
em mundo que consiste somente de energia em vibração,
um mundo sem uma base sólida, um mundo em processo de mudança,
um mundo que a mente, no seu sentido mais amplo, tanto está
consciente como cria a nova realidade. Elas serão capazes
de viver as várias mudanças paradigmáticas.
Sobreviverão estas novas pessoas?
A taxa de mortalidade infantil entre
aqueles que são acentuadamente diferentes de sua cultura,
que carregam em si o fermento de uma revolução do
estilo de vida, tem sido alta. Encontrarão, sem dúvida,
muita oposição.
Terão que lutar contra a
opressão, as perseguições e a marginalização.
Sofrerão o desdenho, o escárnio, a raiva , por que
nunca serão bons conformistas e uma constante ameaça
a pessoas raivosas e amedrontadas. Serão desajustadas em
muitos aspectos. Sua infância será uma um tempo de
provação e de sofrimento. Mas elas dispõem
de um importante elemento que nutrirá sua força, que
é a sintonia com o futuro, pois podem conviver comas fantásticas
mudanças quem estão em perspectiva.
Os ventos da mudança científica,
social e cultural estão soprando fortemente. As enormes perturbações
da sociedade moderna forçarão uma transformação
para uma ordem nova e mais coerente. E nessa ordem parece crescer
uma nova visão de mundo, a relação de um renovado
amor pela natureza, por todas as pessoas, uma compreensão
da unidade espiritual do universo.
Texto resumido e adaptado
de “ Em busca da Vida”- Sumus Editorial
Carl Rogers, uma pequena biografia
Professor João Hipólito
Carl Ransom Rogers nasceu a 8 de Janeiro de
1902 em Oak Park nos arredores de Chicago. Tinha quatro irmãos
e uma irmã, sendo o antepenúltimo. Faleceu em La Jolla,
na Califórnia, a 4 de Fevereiro de 1987 na sequência
de uma fractura do colo do fémur. De acordo com as instruções
que deixara, as máquinas que mantinham "artificialmente"
a sua vida foram desligadas após três dias de coma.
Os pais, de educação
universitária, faziam parte de uma comunidade protestante
de forte pendor fundamentalista. A família valorizava uma
educação moral, religiosa, sendo muito conservadora,
isto é, muito enraizada nos valores tradicionais e fechada
sobre ela mesma; contudo, intelectualmente era muito estimulante.
Desde muito novo Carl Rogers mostrou-se interessado pela leitura
e pelo "saber". Foi sempre um aluno excepcionalmente brilhante,
mantendo, no entanto, uma colaboração constante nos
trabalhos do quotidiano familiar, reduzindo ao mínimo a sua
rede relacional fora da família. A hipervalorização
do trabalho físico ou intelectual, não dava azo a
outras atividades de lazer, que não fosse a leitura dos clássicos,
de preferência de carácter religioso. Quando Rogers
tem 12 anos o pai compra uma grande propriedade nos arredores de
Chicago para onde a família vai morar, com a intenção
oficial de fazer uma agricultura "científica".
Segundo Carl Rogers, o objectivo real era afastar os filhos dos
"perigos da vida da cidade". A vida na quinta e o trabalho
na agricultura levam-no naturalmente a matricular-se em 1919 em
Agronomia na Universidade de Wisconsin. Envolve-se em várias
actividades comunitárias desenvolvendo as suas capacidades
de "facilitador" e organizador. Entra em contacto com
meios evangélicos militantes e decide mudar para o curso
de História com a intenção de se dedicar posteriormente
à carreira eclesiástica.
No terceiro ano da faculdade faz
uma viagem à China integrado numa delegação
americana com o objectivo de participar no Congresso da Federação
Mundial dos Estudantes Cristãos. A viagem dura seis meses
e, no decorrer da mesma, abandona parte das suas convicções
religiosas, abrindo-se à diversificação das
ideias e opiniões. Ao chegar de novo aos Estados Unidos ganha
uma nova independência e autonomia face às opiniões
e posições da família, tendo começado
a sofrer de uma úlcera gastroduodenal, provavelmente como
resultado deste processo de afirmação.Guarda, contudo,
a sua motivação para uma carreira pastoral e empenha-se
social e politicamente, tentando demonstrar a incompatibilidade
do cristianismo e da guerra através de escritos sobre o pacifismo
do reformador Wyclif ou sobre a posição de Lutero
face à autoridade.
Em 1924, Carl Rogers termina a sua
licenciatura em História e casa-se com Hellen Elliot, sua
amiga de infância, de quem virá a ter dois filhos:
David e Natalie. Após ter obtido a sua licenciatura em História,
Carl Rogers matricula-se no Seminário da União Teológica
em Nova Iorque, seminário conhecido pelas suas posições
"liberais" e, ao mesmo tempo, academicamente bem cotado,
recusando a ajuda financeira que o pai, Walter Rogers, lhe oferecia
se aceitasse matricular-se no Seminário de Princeton conhecido,
então, como muito mais conservador. Durante o primeiro ano
nesta instituição, Rogers tem a oportunidade de frequentar
alguns cursos na faculdade de psicologia, contactando assim com
os psicólogos Goodwin Watson e William Kilpatrick que muito
o impressionam. Com outros colegas organiza um seminário
de reflexão auto-facilitado e acaba por tomar consciência
da sua "não vocação" para o ministério
pastoral, apesar do estágio realizado nesse mesmo Verão,
como pastor substituto na paróquia de Dorset em Vermont.
Assim, no segundo ano do curso transfere-se para o Teachers’
College da Universidade de Columbia com o objectivo de frequentar
o curso de psicologia clínica e psicopedagogia. Nessa instituição
é marcado pela filosofia de John Dewey que terá um
grande impacto na evolução das suas ideias. Entretanto,
para sustentar economicamente a família continua a colaborar
com instituições eclesiásticas no ensino religioso.
Em 1926, Carl Rogers postula e obtém
um lugar de interno no Instituto de Aconselhamento ("guidance")
Infantil recém criado pelo Fundo Comunitário de Nova
Iorque. Após ter recebido um contrato de 2.500 dólares
anuais, querem reduzir-lhe o salário para metade, visto não
ser psiquiatra mas psicólogo. Começa a sua primeira
"guerra" com a psiquiatria, mas consegue ser pago em igualdade
com os psiquiatras.
Em 1928, Carl Rogers doutora-se
no Teachers’ College. Na sua tese desenvolvia um teste de
personalidade para crianças ainda hoje utilizado. Nessa altura
trabalhava como psicólogo no Centro de Observação
e Orientação Infantil da Sociedade para a Prevenção
da Crueldade sobre as Crianças, em Rochester. A partir de
1929, dirige este Centro e, durante 12 anos, interessa-se pelo trabalho
com crianças delinquentes e marginais. Na instituição
entra em contacto com Otto Rank que o marca mais pela sua prática
terapêutica do que pelas suas teorias. Maior impacto terá,
sem dúvida, Jessie Taft que publica em 1933 o livro "The
Dynamics of Therapy in a Controlled Relationship" que Carl
Rogers considerará como uma obra prima, quer ao nível
da forma quer do conteúdo literário. Progressivamente,
Rogers abandona uma orientação directiva ou interpretativa,
optando por uma perspectiva mais pragmática de escuta dos
clientes, numa posição precursora do que mais tarde
estruturará como Orientação Não Directiva
em terapia.
A partir de 1935 começa a
leccionar no Teachers’ College, mas não vê nem
o seu ensino nem o seu estatuto de psicólogo reconhecido
pelo departamento de psicologia da faculdade e só muito mais
tarde, após vários anos de ensino nos departamentos
de sociologia e psicopedagogia, e quando já está para
abandonar Rochester, o departamento de psicologia o reconhecerá
como psicólogo e como docente.
Em 1938, Carl Rogers entra de novo
em "guerra" com os psiquiatras. O Centro, em que trabalha
e que dirige, transforma-se e amplifica-se e o conselho de administração
sob a pressão dos médicos psiquiatras, decide, como
então era tradição, contratar para director
um psiquiatra, apesar de estarem satisfeitos com o trabalho que
Rogers até então realizara. Carl Rogers luta vivamente
e consegue ser reconhecido como primeiro director do novo Centro
de Aconselhamento de Rochester.
Em 1939, publica o seu primeiro
livro: "O tratamento clínico da criança-problema
no qual expõe o essencial das suas reflexões e pesquisas
realizadas até esse momento. Com a publicação
desse livro começa a ser conhecido na qualidade de psicólogo
clínico e é convidado para professor catedrático
da Universidade de Estado do Ohio, sendo da sua responsabilidade
a cadeira de "Técnicas de Psicoterapia".
O período de 1945 a 1957
é para Carl Rogers muito rico quer do ponto de vista humano
quer do ponto de vista científico, publicando extensa bibliografia
e, mais particularmente, o livro "Terapia Centrada no Cliente
onde, com a colaboração da sua equipe, faz o ponto
das suas pesquisas e reflexões. No entanto, entre 1949 e
1951, Carl Rogers atravessa um período de profundo sofrimento,
pois, após ter vivido momentos de extrema dificuldade no
processo psicoterapêutico de uma paciente esquizofrénica,
passa por um período de depressão afectando a sua
capacidade de trabalho e de funcionamento. Finalmente, aceita a
ajuda de um dos seus discípulos, Ollie Bown, com quem faz
uma psicoterapia pessoal, experimentando nele mesmo a eficácia
do seu modelo, o que lhe proporcionou um longo percurso de "crescimento"
pessoal que nunca mais o abandonou.
O seu nome começa a ser bem
conhecido e é convidado por várias Universidades para
ensinar como professor convidado (UCLA, Harvard, Berkley, Brandeis,
etc.) e, mais particularmente, em 1957 pelo Departamento das Ciências
da Educação da Universidade de Wisconsin onde, após
uma experiência de alguns meses, acaba por se instalar. Durante
os sete anos que vai durar a sua permanência nessa Universidade,
Carl Rogers e a sua equipe fazem um esforço colossal de pesquisa
na área da psicoterapia dos doentes esquizofrénicos,
publicada, no essencial, em 1967, no livro "A relação
terapêutica e o seu impacto".
No Verão de 1961, Carl Rogers
faz uma longa viagem ao Japão onde é recebido calorosamente
e onde estabelece laços de amizade e de partilha profissional
que considera como muito enriquecedores. Nesse mesmo ano publica
o livro "Tornar-se pessoa" que rapidamente se torna um
best-seller mundial. Nesse livro Carl Rogers explora a aplicação
dos princípios da terapia centrada no cliente a outros domínios
do humano - educação, relações inter-pessoais,
relações familiares, comunicação intergrupal,
criatividade — e apresenta a sua abordagem como uma filosofia
de vida, uma "maneira de ser" ("a way of being"),
com profundas implicações e aplicações
em todos os domínios do humano. Foram vendidos quase um milhão
de exemplares desta obra.
Rogers investe cada vez mais no
trabalho com os grupos de encontro. O interesse pelos grupos já
tinha começado em 1946-47, sensivelmente ao mesmo tempo que
Kurt Lewin o havia feito no National Training Laboratories em Bethel.
Em 1971, em colaboração
com o filho David e Orienne Strode, Rogers desenvolve o "Human
Dimension Project" para utilização dos grupos
de encontro na educação médica e na formação
à relação médico-doente. A sua atenção
dirige-se também de maneira prioritária, nesta época,
para o campo da educação, propondo uma pedagogia centrada
no aluno, experiencial. Esta pedagogia aparece como tendo muitos
pontos comuns com a que Paulo Freire proporá como "educação
não bancária", apesar de Carl Rogers ainda não
ter, nesse momento, conhecimento do trabalho de Paulo Freire. A
Pedagogia Experiencial é objecto de um grande número
de trabalhos de pesquisa que se encontram parcialmente descritos
nos dois grandes livros: "Liberdade para Aprender", publicado
em 1969, e "Liberdade para Aprender nos Anos 80", publicado
em 1983. O essencial da sua mensagem consiste no fato de que os
alunos aprendem melhor, são mais assíduos, mais criativos
e mais capazes de solucionar problemas quando os professores proporcionam
o clima humano e de facilitação que Carl Rogers propõe.
Com 70 anos, Carl Rogers é
o primeiro psicólogo americano a receber os dois maiores
galardões da Associação Americana de Psicologia,
tanto pelo seu contributo científico como pelo seu contributo
profissional.
Carl Rogers faz uma análise do sucesso das negociações
de Camp David, em 1978, entre Israelitas e
Egípcios em termos de dinâmica de grupo de encontro
e propõe essa formula para a resolução dos
conflito sociais e políticos. Recordemos que o "modelo
de Campo David" é aplicado de novo em 1995, com relativo
sucesso, para pôr fim, esperemos que definitivamente, ao conflito
armado da Bósnia e de novo em 1998 para dar um novo impulso
aos acordos de paz no médio oriente. Rogers facilita, em
1985, em Rast, na Áustria, um workshop com 50 líderes
internacionais, incluindo o ex-presidente da Costa Rica, embaixadores
e pessoas de grande influência política e diplomática,
tendo como objectivo trabalhar, segundo o modelo dos grupos de encontro,
na problemática das tensões, então muito fortes
na América Central.
Carl Rogers investe cada vez
mais nos últimos anos da sua vida na investigação,
empenhando-se em grandes workshops transculturais, ou de esforço
pela paz e, finalmente em 1987, o seu nome faz parte do grupo das
personalidades indicadas para a atribuição do prémio
Nobel da Paz. Infelizmente a morte colheu-o antes, num momento em
que, apesar da sua idade avançada, continuava perfeitamente
lúcido, extremamente activo, e gozando plenamente da vida
em todos os domínios desta e, como ele dizia aos seus amigos
mais próximos, como nunca o fizera antes. Estes últimos
anos foram também marcados, sobretudo após a morte
de sua esposa Helen, em Março de 1979, por um maior interesse
pela dimensão espiritual do homem, pela sua integração
numa globalidade que o transcende e que se insere numa harmonia
global do universo. Toma consciência da importância
da dimensão da "presença" na terapia, que
ele associa a uma forma de comunicação transpessoal
e na qual a intuição tem um papel importante. Apresenta-a
como um novo campo a explorar no âmbito da sua abordagem e
no domínio daquilo que se poderia chamar, talvez, os estados
alterados de consciência.
Assim, de uma certa maneira,
o circulo se fechara. Dos primeiros interesses e empenhos numa teologia
e numa carreira pastoral, Carl Rogers chega ao fim da sua vida a
um interesse renovado pelo campo do espiritual no homem, mas num
espírito de liberdade e de tolerância, muito longe
da visão fundamentalista e estreita da sua juventude. Guardara
talvez o aspecto proselitista, a confiança indestrutível
num futuro melhor, não ignorando, como ele fez questão
de sublinhar em numerosas ocasiões, toda a miséria,
dor, sofrimento e mal que nos acompanham na nossa peregrinação.