Espiritualidade e Sociedade



Dalmo Duque dos Santos

>   A utopia de Carl Rogers

Artigos, teses e publicações

Dalmo Duque dos Santos
>   A utopia de Carl Rogers



O grande psicólogo norte-americano Carl Rogers fez em 1979 um relato pessoal sobre a perda da sua querida esposa Helen, uma antiga amiga de infância. Ele tinha consciência de que as suas palavras teriam grave repercussão no mundo acadêmico e materialista reinantes nos EUA e no mundo ocidental. Mas Rogers não estava muito preocupado com as aparências. Já em idade avançada, estava filosófico e cada vez mais convicto de que a verdade estava acima dos interesses humanos e corporativos.



O grande psicólogo norte-americano Carl Rogers


Rogers conta que, a convite de amigos, havia participado de uma reunião mediúnica, constatou a autenticidade da mensagem da falecida irmã de Helen e tirou conclusões muito positivas desse contato, sobretudo a quebra de antigos preconceitos. Confessou seu longo desinteresse e cetismo em relação a continuidade da vida e a sua mudança radical após esse evento. Dessa experiência espiritual surge um outro Rogers, talvez o verdadeiro, que permaneceu oculto durante a longa trajetória profissional. É um Rogers de profundidade assustadora, leitor dos novos fatos científicos, do futuro do planeta e da Humanidade, e ao mesmo tempo um ser humano simples, preocupado com o aproveitamento e a evolução pessoal na sua existência. Nesse tempo de 90 anos ele se preparou para ser sacerdote e professor, mas acabou descobrindo que a sua missão era a defesa da psicologia e travar uma difícil batalha contra o poder da psiquiatria. Foi tudo isso, mas foi um revolucionário tranquilo.

Psiquiatras e psicólogos hoje vivem relativamente em paz. Cientistas e céticos influentes atualmente acenam, embora cautelosos, sem preconceitos para as questões da espiritualidade. Muitos deles fazem do assunto uma bandeira para lotar congressos, realizar workshops e vender milhares de livros. Antes as coisas não eram assim e muitas mudanças aconteceram por causa de Carl Rogers e outros “conspiradores” da Era de Aquário. Essa tendência havia sido descrita na famosa obra da jornalista Marilyn Ferguson e apontava os novos rumos das ciência e das artes através da quebra de paradigmas seculares.


Um novo mundo, uma nova pessoa - por Carl Rogers

Nosso mundo está em uma tumultuada agonia, agonia sem parto. Isto bem pode ser a desintegração precedente à destruição de nossa cultura pelo suicídio de um holocausto nuclear. Por outro lado, o terrorismo, a confusão, o desmoronamento de governos e de instituições podem ser as dores de um mundo em trabalhos de parto (...) nas aflições do nascimento de uma nova era (...) do nascimento de um novo ser humano, capaz de viver nessa nova era, nesse mundo transformado. Estamos diante não de uma, mas de várias mudanças inevitáveis de paradigmas. Os velhos padrões se desvaneceram. Isto nos inquieta e nos deixa incertos.

A busca por uma unidade material (moléculas, átomos, núcleos do átomo, inúmeras micro-partículas) do universo foi infrutífera. Ela não existia. As partículas eram padrões de energia oscilante. Toda nossa percepção da realidade se desvaneceu em irrealidade. Nosso mundo era diferente de qualquer coisa que tivéssemos imaginado. Não existe solidez nele.

As pesquisas de J.S. Bell - 1964 a 1972 - sugeriram um universo interconectado em cada evento está em conexão com todos os outros.

Partículas gêmeas, com o mesmo spin, poderiam ser separadas. Se o spin de uma dessas partículas é alterado,o spin da outra muda instantaneamente. Como essa partícula “sabe” o que está acontecendo à sua partícula gêmea?

Existe no universo um misterioso e desconcertante vínculo de comunicação.

Nesse novo paradigma, matéria, tempo e espaço desaparecem como conceitos absolutos ou como conceitos significantes. Existem apenas oscilações. A solidez de nosso mundo desapareceu. O velho paradigma não serve mais.

A ciência – pedra angular da nossa era tecnológica- não é mais simplesmente um sistema linear de causa e efeito, mas é uma descrição maravilhosamente complexa do processo recíproco de causa e efeito através do qual o universo está criando a si próprio!

Fritzjof Capra e Gary Zucav demonstram a convergência entre a física racional e teórica do ocidente e o esoterismo pragmático oriental.

A epistemologia de Murayama demonstrou eu os sistemas vivos só podem ser entendidos através do reconhecimento do fato de que existem interações recíprocas de causa e efeito. Estas ampliam os desvios e permitem o desenvolvimento de informação nova e de novas formas.

O prêmio Nobel em química Prigogine provou que quanto mais complexa a estrutura – química ou humana – mais energia ela despende para manter a complexidade. O cérebro humano, com apenas 2% do corpo, utiliza 20% do oxigênio disponível.

Um sistema complexo é instável e nele ocorrem flutuações ou “perturbações”. Se elas são pequenas ele as dissipa. Se elas são grandes, elas são aumentadas e ampliadas pelas conexões do sistema. As perturbações atingem um ponto tal que o sistema – químico ou humano – é conduzido a um estado alterado, novo, mais coerente, mais ordenado e complexo. É uma nova forma de ser. Esta mudança não é uma mudança gradual, é súbita, com vários fatores operando ao mesmo tempo para forçar a alteração. Segundo Ferguson, “Quanto mais complexo um sistema, maior o seu potencial para a auto-transcendência: sus partes cooperam para reorganizá-lo.

A teoria holográfica de Karl Pribam etá alterando não apenas a nossa compreensão do como percebemos – e talvez mesmo criemos – a realidade.

Barbara Brown demonstra em seu trabalho sobre biofeedback que a mente é uma entidade maior do que o cérebro, e que o nosso intelecto não consciente é capaz de realizar proezas como controlar uma única célula selecionada entre trilhões de células do corpo.

Aspy, Roebuck e Tauch mostraram que, dado o clima psicológico adequado, a aprendizagem e a mudança e comportamento ocorrem num ritmo acelerado. Facilitar a expressão de sentimento, potencializar a pessoa, liberar o indivíduo para uma escolha mais autônoma, resulta em mais aprendizagem, mais produtividade, mais criatividade, do que a que resulta do exercício de poder sobre a pessoa.

Potencializar a pessoa é colocar em movimento um processo que pode revolucionar a família, a escola, a organização, a instituição, o Estado. Estamos diante de uma mudança paradigmática. Outras potencialidades humanas, delonga data conhecidas, mas desconsideradas, têm recebido uma nova apreciação. Fenômenos paranormais, como a telepatia, clarividência, precognição têm sido suficientemente testados e aceitos por associações científicas. Energias curadoras, que operam consciente ou inconscientemente, não são mais motivo de escárnio, mas partes de uma medicina holística. O poder da meditação, de forças transcendentais é também conhecido.

A realidade, como a temos conhecido – matéria, tempo e espaço – não existe mais de nenhuma forma fundamental. Estamos frente a uma realidade misteriosa de energias oscilantes que operam formas bizarras. É uma realidade de uma interconexão quase que mística , uma relação que participa cada entidade, tanto animada quanto inanimada.

Como indicou um grande cientista, o universo não se parece mais com uma grande máquina. Assemelha-se a uma grande “ideia”.


Um novo mundo

Este novo mundo será mais humano e humanitário. Explorará e desenvolverá as riquezas e capacidades da mente e do espírito humano. Produzirá indivíduos que serão mais integrados e plenos.

Será um mundo que valorizará a pessoa individual, o maior de nossos recursos. Será um mundo mais natural, com um renovado amor e respeito pela natureza.

Desenvolverá uma ciência mais complexa e humana, baseada em conceitos novos e menos rígidos. Sua tecnologia objetivará o engrandecimento das pessoas, ao invés da exploração delas e da natureza.

Libertará a criatividade, à medida que os indivíduos sentirem o seu poder, suas capacidades, sua liberdade.

Este é o novo mundo em direção ao qual estamos inevitavelmente nos movendo: uma nova realidade, uma nova ciência, um novo ser, em constante processo de transformação.

Quem será capaz de viver neste mundo completamente estranho e novo?

Uma nova geração de conspiradores. Os jovens na mente e no espírito. Os jovens de corpo se juntarão a pessoas mais velhas que absorveram os conceitos em transformação. Não todos, naturalmente. Eles já estão nascendo.


Um novo ser e suas qualidades

Nosso conceito de pessoa está diante de uma drástica mudança. Esta pessoa tem um potencial inimaginado, está ganhando tanto uma nova consciência de sua força e poder quanto o reconhecimento de uma única coisa constante na vida é o processo de mudança. Parece que precisamos ver o indivíduo primariamente como uma pessoa que está continuamente se transformando, uma pessoa transcendente.

Estas pessoas vivem a vida como um processo, como um fluxo de energia, uma transformação. A vida rígida, estática, não atrai mais.

Vivem numa relação confortável com a natureza, um parentesco responsável. A idéia de “conquista da natureza” é um conceito a que são avessos.

Vêem que poder sobre os outros é simplesmente uma outra forma de conquista, igualmente inaceitável e a que são igualmente avessos. O objetivo delas é potencializar a cada individuo, compartilhar o poder em empreendimentos comuns.

Experienciam sua relação com os outros como parte de sua relação com a natureza. Esta relação fundamenta a construção de comunidades em uma escala humana, o seu flexível modo de lidar com problemas comuns.

Não gostam de viver em um mundo compartimentalizado – corpo e mente, saúde e doença, intelecto e sentimento, ciência e senso comum, indivíduo e grupo, sadio e insano, trabalho e divertimento. Em lugar disso, empenham-se no sentido de uma totalidade de vida, experienciando o pensamento, o sentimento, a energia curadora, todos, de uma forma integrada. Estes indivíduos são fundamentalmente indiferentes a posses materiais, confortos recompensas. Dinheiro e símbolos de status material não são o objetivo deles. Podem viver em abundância, mas de nenhuma forma isto lhes é necessário.

São pessoas que buscam, e seu questionamento é de uma natureza essencialmente espiritual. Estão conscientes e são influenciados pelos ritmos mais amplos do universo. Estão familiarizados com os estados alterados de consciência, com a energia psíquica, com experiências de meditação ou místicas. Querem encontrar um significado e objeto na vida que transcenda ao indivíduo.

Têm uma abertura para o mundo – tanto interior como exterior. São abertas à experiência, a novos modos de ser, a novas idéias e conceitos e a um recentemente descoberto mundo de sentimentos.

Vejo estas pessoas valorizarem a comunicação como meio de dizerem as coisas como elas são.

Rejeitam a hipocrisia, a mentira e a conversa dúbia de nossa cultura. São abertos, por exemplo, sobre suas relações sexuais, em vez de manterem uma vida reservada ou dupla.

São interessadas pelos outros, ávidas para serem úteis quando a necessidade é real. Seu interesse é um interesse, suave, não moralista, não avaliativo. Suspeitam de pessoas que “ajudam” profissionalmente.

Têm uma antipatia por qualquer instituição altamente estruturada, inflexível, burocrática. Acreditam que a instituição deve existir para as pessoas, e não o inverso.

Têm uma confiança em sua experiência e uma profunda descrença pela autoridade externa. Fazem seus próprios julgamentos morais, mesmo que desobedeçam abertamente a leis que consideram injustas.

Suas vidas são construídas sobre uma filosofia consistente – uma confiança básica na natureza construtiva do organismo humano, um respeito pela integridade de cada pessoa, uma crença na idéia de que a liberdade de escolha é essencial para uma vida plena, uma crença de que a comunicação harmoniosa entre indivíduos pode ser facilitada, um reconhecimento de que a experiência de comunidade íntima é essencial a uma boa vida.

Elas estarão à vontade em mundo que consiste somente de energia em vibração, um mundo sem uma base sólida, um mundo em processo de mudança, um mundo que a mente, no seu sentido mais amplo, tanto está consciente como cria a nova realidade. Elas serão capazes de viver as várias mudanças paradigmáticas.


Sobreviverão estas novas pessoas?

A taxa de mortalidade infantil entre aqueles que são acentuadamente diferentes de sua cultura, que carregam em si o fermento de uma revolução do estilo de vida, tem sido alta. Encontrarão, sem dúvida, muita oposição.

Terão que lutar contra a opressão, as perseguições e a marginalização. Sofrerão o desdenho, o escárnio, a raiva , por que nunca serão bons conformistas e uma constante ameaça a pessoas raivosas e amedrontadas. Serão desajustadas em muitos aspectos. Sua infância será uma um tempo de provação e de sofrimento. Mas elas dispõem de um importante elemento que nutrirá sua força, que é a sintonia com o futuro, pois podem conviver comas fantásticas mudanças quem estão em perspectiva.

Os ventos da mudança científica, social e cultural estão soprando fortemente. As enormes perturbações da sociedade moderna forçarão uma transformação para uma ordem nova e mais coerente. E nessa ordem parece crescer uma nova visão de mundo, a relação de um renovado amor pela natureza, por todas as pessoas, uma compreensão da unidade espiritual do universo.

Texto resumido e adaptado de “ Em busca da Vida”- Sumus Editorial

 


Carl Rogers, uma pequena biografia

Professor João Hipólito


Carl Ransom Rogers nasceu a 8 de Janeiro de 1902 em Oak Park nos arredores de Chicago. Tinha quatro irmãos e uma irmã, sendo o antepenúltimo. Faleceu em La Jolla, na Califórnia, a 4 de Fevereiro de 1987 na sequência de uma fractura do colo do fémur. De acordo com as instruções que deixara, as máquinas que mantinham "artificialmente" a sua vida foram desligadas após três dias de coma.

Os pais, de educação universitária, faziam parte de uma comunidade protestante de forte pendor fundamentalista. A família valorizava uma educação moral, religiosa, sendo muito conservadora, isto é, muito enraizada nos valores tradicionais e fechada sobre ela mesma; contudo, intelectualmente era muito estimulante. Desde muito novo Carl Rogers mostrou-se interessado pela leitura e pelo "saber". Foi sempre um aluno excepcionalmente brilhante, mantendo, no entanto, uma colaboração constante nos trabalhos do quotidiano familiar, reduzindo ao mínimo a sua rede relacional fora da família. A hipervalorização do trabalho físico ou intelectual, não dava azo a outras atividades de lazer, que não fosse a leitura dos clássicos, de preferência de carácter religioso. Quando Rogers tem 12 anos o pai compra uma grande propriedade nos arredores de Chicago para onde a família vai morar, com a intenção oficial de fazer uma agricultura "científica". Segundo Carl Rogers, o objectivo real era afastar os filhos dos "perigos da vida da cidade". A vida na quinta e o trabalho na agricultura levam-no naturalmente a matricular-se em 1919 em Agronomia na Universidade de Wisconsin. Envolve-se em várias actividades comunitárias desenvolvendo as suas capacidades de "facilitador" e organizador. Entra em contacto com meios evangélicos militantes e decide mudar para o curso de História com a intenção de se dedicar posteriormente à carreira eclesiástica.

No terceiro ano da faculdade faz uma viagem à China integrado numa delegação americana com o objectivo de participar no Congresso da Federação Mundial dos Estudantes Cristãos. A viagem dura seis meses e, no decorrer da mesma, abandona parte das suas convicções religiosas, abrindo-se à diversificação das ideias e opiniões. Ao chegar de novo aos Estados Unidos ganha uma nova independência e autonomia face às opiniões e posições da família, tendo começado a sofrer de uma úlcera gastroduodenal, provavelmente como resultado deste processo de afirmação.Guarda, contudo, a sua motivação para uma carreira pastoral e empenha-se social e politicamente, tentando demonstrar a incompatibilidade do cristianismo e da guerra através de escritos sobre o pacifismo do reformador Wyclif ou sobre a posição de Lutero face à autoridade.

Em 1924, Carl Rogers termina a sua licenciatura em História e casa-se com Hellen Elliot, sua amiga de infância, de quem virá a ter dois filhos: David e Natalie. Após ter obtido a sua licenciatura em História, Carl Rogers matricula-se no Seminário da União Teológica em Nova Iorque, seminário conhecido pelas suas posições "liberais" e, ao mesmo tempo, academicamente bem cotado, recusando a ajuda financeira que o pai, Walter Rogers, lhe oferecia se aceitasse matricular-se no Seminário de Princeton conhecido, então, como muito mais conservador. Durante o primeiro ano nesta instituição, Rogers tem a oportunidade de frequentar alguns cursos na faculdade de psicologia, contactando assim com os psicólogos Goodwin Watson e William Kilpatrick que muito o impressionam. Com outros colegas organiza um seminário de reflexão auto-facilitado e acaba por tomar consciência da sua "não vocação" para o ministério pastoral, apesar do estágio realizado nesse mesmo Verão, como pastor substituto na paróquia de Dorset em Vermont. Assim, no segundo ano do curso transfere-se para o Teachers’ College da Universidade de Columbia com o objectivo de frequentar o curso de psicologia clínica e psicopedagogia. Nessa instituição é marcado pela filosofia de John Dewey que terá um grande impacto na evolução das suas ideias. Entretanto, para sustentar economicamente a família continua a colaborar com instituições eclesiásticas no ensino religioso.

Em 1926, Carl Rogers postula e obtém um lugar de interno no Instituto de Aconselhamento ("guidance") Infantil recém criado pelo Fundo Comunitário de Nova Iorque. Após ter recebido um contrato de 2.500 dólares anuais, querem reduzir-lhe o salário para metade, visto não ser psiquiatra mas psicólogo. Começa a sua primeira "guerra" com a psiquiatria, mas consegue ser pago em igualdade com os psiquiatras.

Em 1928, Carl Rogers doutora-se no Teachers’ College. Na sua tese desenvolvia um teste de personalidade para crianças ainda hoje utilizado. Nessa altura trabalhava como psicólogo no Centro de Observação e Orientação Infantil da Sociedade para a Prevenção da Crueldade sobre as Crianças, em Rochester. A partir de 1929, dirige este Centro e, durante 12 anos, interessa-se pelo trabalho com crianças delinquentes e marginais. Na instituição entra em contacto com Otto Rank que o marca mais pela sua prática terapêutica do que pelas suas teorias. Maior impacto terá, sem dúvida, Jessie Taft que publica em 1933 o livro "The Dynamics of Therapy in a Controlled Relationship" que Carl Rogers considerará como uma obra prima, quer ao nível da forma quer do conteúdo literário. Progressivamente, Rogers abandona uma orientação directiva ou interpretativa, optando por uma perspectiva mais pragmática de escuta dos clientes, numa posição precursora do que mais tarde estruturará como Orientação Não Directiva em terapia.

A partir de 1935 começa a leccionar no Teachers’ College, mas não vê nem o seu ensino nem o seu estatuto de psicólogo reconhecido pelo departamento de psicologia da faculdade e só muito mais tarde, após vários anos de ensino nos departamentos de sociologia e psicopedagogia, e quando já está para abandonar Rochester, o departamento de psicologia o reconhecerá como psicólogo e como docente.

Em 1938, Carl Rogers entra de novo em "guerra" com os psiquiatras. O Centro, em que trabalha e que dirige, transforma-se e amplifica-se e o conselho de administração sob a pressão dos médicos psiquiatras, decide, como então era tradição, contratar para director um psiquiatra, apesar de estarem satisfeitos com o trabalho que Rogers até então realizara. Carl Rogers luta vivamente e consegue ser reconhecido como primeiro director do novo Centro de Aconselhamento de Rochester.

Em 1939, publica o seu primeiro livro: "O tratamento clínico da criança-problema no qual expõe o essencial das suas reflexões e pesquisas realizadas até esse momento. Com a publicação desse livro começa a ser conhecido na qualidade de psicólogo clínico e é convidado para professor catedrático da Universidade de Estado do Ohio, sendo da sua responsabilidade a cadeira de "Técnicas de Psicoterapia".

O período de 1945 a 1957 é para Carl Rogers muito rico quer do ponto de vista humano quer do ponto de vista científico, publicando extensa bibliografia e, mais particularmente, o livro "Terapia Centrada no Cliente onde, com a colaboração da sua equipe, faz o ponto das suas pesquisas e reflexões. No entanto, entre 1949 e 1951, Carl Rogers atravessa um período de profundo sofrimento, pois, após ter vivido momentos de extrema dificuldade no processo psicoterapêutico de uma paciente esquizofrénica, passa por um período de depressão afectando a sua capacidade de trabalho e de funcionamento. Finalmente, aceita a ajuda de um dos seus discípulos, Ollie Bown, com quem faz uma psicoterapia pessoal, experimentando nele mesmo a eficácia do seu modelo, o que lhe proporcionou um longo percurso de "crescimento" pessoal que nunca mais o abandonou.

O seu nome começa a ser bem conhecido e é convidado por várias Universidades para ensinar como professor convidado (UCLA, Harvard, Berkley, Brandeis, etc.) e, mais particularmente, em 1957 pelo Departamento das Ciências da Educação da Universidade de Wisconsin onde, após uma experiência de alguns meses, acaba por se instalar. Durante os sete anos que vai durar a sua permanência nessa Universidade, Carl Rogers e a sua equipe fazem um esforço colossal de pesquisa na área da psicoterapia dos doentes esquizofrénicos, publicada, no essencial, em 1967, no livro "A relação terapêutica e o seu impacto".

No Verão de 1961, Carl Rogers faz uma longa viagem ao Japão onde é recebido calorosamente e onde estabelece laços de amizade e de partilha profissional que considera como muito enriquecedores. Nesse mesmo ano publica o livro "Tornar-se pessoa" que rapidamente se torna um best-seller mundial. Nesse livro Carl Rogers explora a aplicação dos princípios da terapia centrada no cliente a outros domínios do humano - educação, relações inter-pessoais, relações familiares, comunicação intergrupal, criatividade — e apresenta a sua abordagem como uma filosofia de vida, uma "maneira de ser" ("a way of being"), com profundas implicações e aplicações em todos os domínios do humano. Foram vendidos quase um milhão de exemplares desta obra.

Rogers investe cada vez mais no trabalho com os grupos de encontro. O interesse pelos grupos já tinha começado em 1946-47, sensivelmente ao mesmo tempo que Kurt Lewin o havia feito no National Training Laboratories em Bethel.

Em 1971, em colaboração com o filho David e Orienne Strode, Rogers desenvolve o "Human Dimension Project" para utilização dos grupos de encontro na educação médica e na formação à relação médico-doente. A sua atenção dirige-se também de maneira prioritária, nesta época, para o campo da educação, propondo uma pedagogia centrada no aluno, experiencial. Esta pedagogia aparece como tendo muitos pontos comuns com a que Paulo Freire proporá como "educação não bancária", apesar de Carl Rogers ainda não ter, nesse momento, conhecimento do trabalho de Paulo Freire. A Pedagogia Experiencial é objecto de um grande número de trabalhos de pesquisa que se encontram parcialmente descritos nos dois grandes livros: "Liberdade para Aprender", publicado em 1969, e "Liberdade para Aprender nos Anos 80", publicado em 1983. O essencial da sua mensagem consiste no fato de que os alunos aprendem melhor, são mais assíduos, mais criativos e mais capazes de solucionar problemas quando os professores proporcionam o clima humano e de facilitação que Carl Rogers propõe.

Com 70 anos, Carl Rogers é o primeiro psicólogo americano a receber os dois maiores galardões da Associação Americana de Psicologia, tanto pelo seu contributo científico como pelo seu contributo profissional.

Carl Rogers faz uma análise do sucesso das negociações de Camp David, em 1978, entre Israelitas e Egípcios em termos de dinâmica de grupo de encontro e propõe essa formula para a resolução dos conflito sociais e políticos. Recordemos que o "modelo de Campo David" é aplicado de novo em 1995, com relativo sucesso, para pôr fim, esperemos que definitivamente, ao conflito armado da Bósnia e de novo em 1998 para dar um novo impulso aos acordos de paz no médio oriente. Rogers facilita, em 1985, em Rast, na Áustria, um workshop com 50 líderes internacionais, incluindo o ex-presidente da Costa Rica, embaixadores e pessoas de grande influência política e diplomática, tendo como objectivo trabalhar, segundo o modelo dos grupos de encontro, na problemática das tensões, então muito fortes na América Central.

Carl Rogers investe cada vez mais nos últimos anos da sua vida na investigação, empenhando-se em grandes workshops transculturais, ou de esforço pela paz e, finalmente em 1987, o seu nome faz parte do grupo das personalidades indicadas para a atribuição do prémio Nobel da Paz. Infelizmente a morte colheu-o antes, num momento em que, apesar da sua idade avançada, continuava perfeitamente lúcido, extremamente activo, e gozando plenamente da vida em todos os domínios desta e, como ele dizia aos seus amigos mais próximos, como nunca o fizera antes. Estes últimos anos foram também marcados, sobretudo após a morte de sua esposa Helen, em Março de 1979, por um maior interesse pela dimensão espiritual do homem, pela sua integração numa globalidade que o transcende e que se insere numa harmonia global do universo. Toma consciência da importância da dimensão da "presença" na terapia, que ele associa a uma forma de comunicação transpessoal e na qual a intuição tem um papel importante. Apresenta-a como um novo campo a explorar no âmbito da sua abordagem e no domínio daquilo que se poderia chamar, talvez, os estados alterados de consciência.

Assim, de uma certa maneira, o circulo se fechara. Dos primeiros interesses e empenhos numa teologia e numa carreira pastoral, Carl Rogers chega ao fim da sua vida a um interesse renovado pelo campo do espiritual no homem, mas num espírito de liberdade e de tolerância, muito longe da visão fundamentalista e estreita da sua juventude. Guardara talvez o aspecto proselitista, a confiança indestrutível num futuro melhor, não ignorando, como ele fez questão de sublinhar em numerosas ocasiões, toda a miséria, dor, sofrimento e mal que nos acompanham na nossa peregrinação.

 


João Hipólito, doutorado em medicina, psiquiatra, pedopsiquiatra e psicoterapeuta, é professor catedrático de psicopatologia e director do Departamento de Psicologia e Sociologia da Universidade Autónoma de Lisboa. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling.

 


Fonte: Observador Espírita

http://observadorespirita.blogspot.com/2007/12/em-1979-o-grande-psiclogo-norte.html


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