O fenômeno humano e a educação,
principais focos das reflexões de Huberto Rohden
O professor Huberto Rohden é
conhecido de longa data dos espíritas e espiritualistas por
seus textos lúcidos e admiráveis sobre a filosofia
cristã. Reflexo das suas experiências no clero –
Rohden era padre jesuíta – e também das inúmeras
incursões nas escolas iniciáticas orientais, seu pensamento
naturalmente se desdobra para a educação, campo que
foi para ele o mais significativo, já que seu objetivo maior
era a transposição dessas idéias para a práxis.
“Ninguém educa ninguém, pois a educação
é intransitiva e o ser humano é imprevisível”,
repete Rohden em diversos ensaios.
Comentando a Parábola do Semeador - espelho espiritual dos
educadores e pedra angular do Livre Arbítrio - Rohden diz
que Jesus conseguiu educar todos os seguidores que se abriram para
as novas experiências, transformando discípulos em
apóstolos. Sobre essse fenômeno pedagógico,
ou melhor, andragógico, ele explica que Judas, o mais intelectual
dos discípulos mais próximos, foi o único que
não conseguiu ser educado. Mais interessado na política
judaica nacionalista, não permitiu que isso ocorresse. Jesus
logo percebeu essa sua “esterilidade espiritual” ou
egocêntrica, deixando que o tempo mudasse sua natureza. Paulo
de Tarso teve o mesmo problema. Ambos seriam "salvos"
por suas mediunidades. Cada um no seu ritmo, cada um no seu tempo.
Numa determinada época da sua militância, Rohden teve
que desligar-se da Igreja e, ainda sob a proteção
de amigos jesuitas, estudou em diversos países europeus e
ensinou em universidades americanas. Também viajou muito
pelos cenários místicos da Ásia, que sabia
ser a principal raíz histórica das concepções
religiosas que hoje predominam no Ocidente. Se orgulhava muito de
ter convivido com Albert Einstein durante sua estadia na Universidade
de Princenton, não como motivo de vaidade, mas de espanto
ao constatar no dia-a-dia a genialidade e o modo de vida simples
e tranquilo do grande revolucionário da Física. Todas
essas experiências seriam registradas em ensaios publicados
inicialmente pela Editora Vozes, de orientação católica,
e depois pela sua própria organização educacional,
fundada em São Paulo na década de 1950. Além
dessas publicações, a Fundação Alvorada
oferecia regularmente cursos aos leitores interessados no aprofundamento
das idéias e práticas “univérsicas”,
um interessante conjunto de conhecimentos unindo a tradição
espiritual e a modernidade científica contemporânea.
Sabe-se que o célebre filósofo catarinense teve grande
influência do também padre jesuíta Pierre Teilhard
Chardin que – como ele – extrapolou os limites da clericalidade
conservadora para mergulhar nas novidades antropológicas
da paleontologia. Chardin buscava Adão e Eva fora da teoria
mitológica da Bíblia e também da simplificação
zoológica evolucionista. Ambos naturalmente caíram
na heresia e isso de certa forma os assemelhou aos pensadores espíritas.
O mesmo ocorreu com Pietro Ubaldi, médium de sintonia fina
raríssima e crítico da teologia das igrejas cristãs
. Como todo bom jesuíta, Rohden queria entender o fenômeno
humano e compreender, ou pelo menos se aproximar, da natureza que
ele denominou “misteriosa”, tal qual a natureza do Criador.
“O mistério, do grego mystés, é
tudo que transcende a zona empírica dos sentidos e o mundo
do intelecto”, afirma ele, ao comentar um dos versículo
do apócrifo “Evangelho de Tomé”, encontrado
no Egito em 1941.
Nos textos de Rohden não encontramos nada que se refere aberta
e objetivamente à existência do espírito, como
fenômeno científico observável, ser individual
pensante e sobrevivente da morte, com propôs Kardec. Rohden
também não fala em reencarnação, assunto
que ele admitia não aceitar, por limitação
ideológica. Sobre a pluralidade de mundos, afirmava que este
era um assunto óbvio, pela própria natureza do universo.
No entanto, quando discorre sobre os temas clássicos da mística
filosófica judaico-cristã (que ele distingue do misticismo
pagão) explica com habilidade impressionante os fenômenos
psicológicos resultantes da revolução existencial
humana durante as peripécias do Espírito na carne.
Ná década de 1950, o professor foi um dos convidados
históricos de Edgard Armond como conferencista de outras
agremiações religiosas e filosóficas que se
apresentaram na FEESP. Não via o Espiritismo como escola
filosófica bem delineada e por isso não vislumbrava
sua expressão como práxis social. Quando refletiu
sobre isso, demonstrou uma grave preocupação com o
futuro da doutrina, se referindo ao risco de sectarismo que já
contaminava a juventude do nosso movimento. Para ele o Espiritismo
cairia num gravíssimo erro se fosse transformado numa teologia,
pois iria certamente se distanciar da verdadeira mensagem do Cristo.
Seria o mesmo erro histórico dos católicos e protestantes
ao elegerem a crença nos dogmas como ponto máximo
da realização espiritual, abandonando o esforço
individual. Trocaram os fins pelos meios. Numa conferência
gravada em 1978, Rodhen diz em tom irônico: "Crer na
caridade e na reencarnação não é condição
essencial ou finalidade da nossa existência. Crer nos Santos
, na Missa e no poder do Sangue de Jesus também não
são finalidades e sim meios de realização espiritual".
Em “Novos Rumos para a Educação”, ele
aponta o trabalho de Kardec como o mais aceitável elo histórico
entre a modernidade e a antiguidade cristã, desde que não
se enveredasse pelo fanatismo teológico-religioso e também
pelo sectarismo partidário filosófico. Certa vez citamos
uma interpretação sua de algumas parábolas
de Jesus durante uma palestra num centro espírita. Alguém
da platéia (e também do stablishment ) se sentiu ofendido
e nos “lembrou” que as interpretações
“espíritas” de Cairbar Schutel eram “muito
melhores”, pois ele era um “verdadeiro espírita”.
Naquela momento ficamos divididos entre a decepção
e a tristeza e pudemos compreender exatamente o que Rohden quis
dizer sobre os perigos do sectarismo. Sentimos vergonha do rótulo
“espírita”. Se tivéssemos falado de Spinoza,
Hegel, Heideger ou Kant, provavelmente ninguém teria coragem
de reagir. Mas como falamos de algo simples e que repercutiu imediatamente
na ferida emocional da platéia, logo veio o troco.
Aliás, é incrível como fazemos um tremendo
esforço para inserir filósofos e educadores clássicos
no universo espírita, como se isso fosse melhorar a aceitação
do Espiritismo entre os intelectuais e principalmente entre os orgulhosos.
Perda de tempo. O Espiritismo veio para confundir esse tipo de gente,
segundo o Espírito Verdade. As religiões e partidos
dogmáticos são fundados e perpetuados dessa forma.
Seria mais útil se mostrássemos como essas filosofias
são limitadas e pobres, pois não conseguem ultrapassar
as barreiras enganosas do pensamento e da vaidade. É por
isso que os teimosos nunca mudam de opinião. Somos escravos
do pensamento e nos apegamos demasiadamente às idéias,
bloqueando as possibilidades ilimitadas das emoções
e dos sentimentos. Nessa questão os adultos deveriam agir
como crianças e os homens se comportarem como as mulheres.
É por isso também que parecemos tolos diante dos verdadeiros
sábios, que olham para nós penalizados com tanta ingenuidade.
Essa é a sensação que sempre temos ao ler os
textos de Huberto Rohden.
Ps. Ainda hoje
nos perguntamos: será que Rohden, após sua desencarnação,
mudou de ponto de vista sobre a pluralidade das existências?
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