Plínio Marcos no auge da fama: boca
suja e coração sempre muito limpo.
Há quem admire a teimosia
porque a confunde com a persistência, que é realmente
uma virtude. Teimosia é e sempre foi exagero humano, persistência
no erro ou, no dizer contemporâneo de Edgard Morin, “cegueira
paradigmática”.
Pois bem, tempos atrás havíamos lido uma entrevista
de um antigo militante espírita, já desencarnado,
e esta semana lemos uma outra, de outro antigo militante, muito
parecida. E ficamos nos perguntando: Como vamos estar quando chegarmos
nessa curiosa e fascinante fase da vida? Lapidados naturalmente
pela existência, conformados com as provas, mas ainda rebeldes
e resistentes à Verdade. Divididos entre a arrogância
e a simplicidade, continuaremos pretensiosos. Envergonhados com
os excessos cometidos, faremos elogios aos antigos desafetos, uma
forma disfarçada de pedir perdão pelas bobagens que
falarmos ou fizermos nesses anos todos à frente. Importante:
já estaremos admitindo em público que o Espiritismo
ainda está muito distante da nossa capacidade de assimilação.
Nada a estranhar, pois cada tem o seu ritmo e seu tempo. O tempo
do corpo (existência) não acompanha o tempo do espírito
(consciência). Estaremos revelando, de um lado, um importante
vigor intelectual e, por outro, uma enorme dificuldade para digerir
a essência espiritual das coisas. Teremos o perfil clássico
do sectário e do turrão: confuso entre a razão
e a emoção, como se essas duas coisas fossem absurdamente
incompatíveis. Nunca foi, nunca será. O problema sempre
estará em nós. Manteremos aquela antiga bravata ideológica
e vamos nos declarar sempre fiéis à Kardec - como
se Kardec fosse um culto institucional ou time de futebol e tivesse
passado sua existência como um simples intelectual, orgulhoso
e limitado, que não tenha compreendido espiritualmente a
própria doutrina que fundou e exemplificou com a sua experiência
pessoal durante 14 anos. A velha história vai continuar:
não podendo nos modificar, vamos querer modificar o Espiritismo
ao nosso gosto. Não aceitando Kardec como realmente como
ele se nos apresenta, vamos projetar nele a imagem daquilo que gostaríamos
que ele fosse. Só de pensar que nos próximos anos
teremos assimilado muito pouco do Espiritismo, ficamos seriamente
preocupados.
Nos lembramos agora de Plínio Marcos, o eterno jovem e rebelde
dramaturgo santista que passou grande parte da vida lutando contra
o mundo e não conseguia enxergar que o mundo era ele mesmo.
Plínio não cresceu no ambiente de miséria e
violência que expressou raivosamente em toda a sua obra. Teve
suas oportunidades de luz que não sabemos quanto soube aproveitar.
Era de família mediana e o pai era espírita. Certa
vez nós o vimos dizendo que conhecia o Espiritismo, pois,
quando adolescente, trabalhara numa banca livros espíritas
cujo pai era responsável. Alguém na platéia
perguntou o que ele pensava sobre o Espiritismo. Naquela noite,
no Teatro do Sindicato dos Metalúrgicos, em Santos, estava
acontecendo a reencenação da peça Barrela,
proibida durante a ditadura militar. Era 1979 ou 80, os primeiros
tempos da anistia. Entre nós, prestigiando o evento, estava
uma verdadeira plêiade do teatro nacional (Flávio Rangel
e Ruth Escobar estavam na primeira fila) - pois era um momento histórico
e emblemático – e também alguns representantes
anônimos da censura e da polícia federal. Respondendo
ao jovem espírita, Plinío disse com ares de provocação:
“Lia tudo aquilo, mas achava tudo muito perfeito e conformista”.
Essa distorção pessoal da doutrina revelava certamente
a sua principal carência e o seu real interesse pelas coisas
do mundo. O reencontramos na sua velhice precoce, nos final dos
anos 90, e ele já estava mais surrado pela vida, falando
de Jesus, de aceitação , de respeito pelo próximo.
Plínio sempre quis falar dessas coisas, pois, apesar da boca
suja, sempre teve o coração muito limpo, mas não
conseguia conter seu impulso de artista intolerante, repleto de
feridas e mágoas indecifráveis. Não havia mais
aquela revolta pela revolta, os xingamentos exagerados, a vontade
inconsequente de chocar e ferir, tão comuns nos adolescentes.
Plínio agora estava voltado para si mesmo, para o esoterismo,
para o Tarô. Mas ainda sentia prazer na rebeldia e atração
para a marginalidade. Nunca deixamos de admirar o seu talento e
sua coragem política. Nos divertíamos com a sua irreverência
diante da autoridade abusiva e dos moralistas. Naquela noite ele
pegou no pé dos censores com provocações impublicáveis.
Suas exposições eram repletas de tiradas inteligentes,
que arrancavam muitas gargalhadas e reflexões. Porém,
nunca deixamos também de lamentar sua teimosia e fascínio
pelas coisas negativas, baixo astral, nem saber se tinha realmente
pavor das coisas do mundo íntimo, como aparentava. E sempre
perguntamos: o que Plínio Marcos levou desse mundo violento
e podre que ele sempre denunciou? Em que a sua obra contribuiu para
melhorar o mundo e as pessoas? O Jesus Homem que ele admirava o
ajudou em algum aspecto ou era pura ironia? O mundo marginal que
ele tanto adorava se tornou mais humano ou piorou em termos de crueldade
e opressão? O que ele esperava realmente desse mundo? Não
nos referimos à sua importância inovadora na dramaturgia,
no aspecto artístico, mas à sua experiência
como espírito encarnado. Não temos respostas. Por
outro lado ficamos pasmos com o mesmismo e a ingenuidade (tão
bem explorada atualmente) da chamada arte e dramaturgia espírita.
Nunca nos iludimos que pessoas como Plínio Marcos –
que viveram do mundo e intensamente para o mundo - pudessem compreender
e abraçar o Espiritismo. Como poderia nos iludir se muitos
espíritas que, como ele, também não compreendem.
Pior ainda: querem se equiparar a Kardec pretendendo rebaixá-lo
a intransigente e teimoso.
Plínio Marcos na maturidade: turrão
e bom coração