Para os espíritas (e isso
não é consenso), o Espiritismo teve pontos importantes
com fenômeno histórico: a reafirmação
da imortalidade em bases científicas; a difusão do
conceito de reencarnação; intercomunicação
entre planos ou dimensões por meio de inteligências
encarnadas e desencarnadas; e sobretudo o resgate do cristianismo
em bases morais humanistas, desvinculado das igrejas.
Socialmente falando, a Doutrina
Espírita é importante somente para os espíritas
e seus simpatizantes, que não são muitos quando comparados
aos segmentos culturais existentes no mundo. Não podemos
confundir informação com propaganda. Informação
deve ser pautada pela verdade e a propaganda nem sempre é
fiel à verdade. Quando se fala da importância do Espiritismo
nós devemos sempre considerar dois aspectos: os espíritas
falando, incluindo o Espíritos; e a opinião pública
não espírita. Nós espíritas sabemos
dessa importância porque somos comprometidos com esses valores;
já a opinião pública, que não é
espírita, não tem o mesmo ponto de vista. Isso significa
que, verdadeiramente, fora do nosso círculo doutrinário
e do seu movimento social, o Espiritismo pouco significa e influi
como visão de mundo, cultura moral e pratica social: como
ciência o Espiritismo não existe formalmente; geograficamente
falando, o Espiritismo ainda é numericamente insignificante
e também pouco influente entre os grupos das grandes religiões
e filosofias morais atuantes no mundo. Essa é a realidade.
Qual é a causa dessa insignificância de uma doutrina
que já ultrapassou um século e meio de existência?
Uma delas é a indiferença, autêntica ou fingida.
A doutrina espírita foi e continua sendo sistematicamente
ignorada pela intelectualidade reinante no cenário acadêmico.
Com exceção de alguns pequenos núcleos de pesquisa
e tímidas dissertações, feitas geralmente por
adeptos e simpatizantes, não se fala em Espiritismo como
conhecimento científico, pensamento filosófico ou
epistemológico. O Espiritismo só é permitido
nesses ambientes de formalidade como tema religioso do imaginário
social.
Outra constatação importante: o Espiritismo foi banido
da história, sendo ignorado pela produção historiográfica.
Primeiro porque ele não teve nenhuma participação
conhecida nos grandes eventos históricos europeus e mundiais.
Segundo porque é visto como uma ameaça aos dogmas
religiosos tradicionais e aos paradigmas científicos dominantes;
o fenômeno e a moral espíritas são temas incômodos
nos círculos tradicionais do saber porque essa doutrina desafia
o materialismo aristotélico das correntes científicas
e também o dogmatismo das correntes religiosas. Não
podemos esquecer que cientistas e sacerdotes são produtos
de uma mesma linha histórica e ideológica, de uma
mesma elite intelectual, os inventores da academia. São inimigos
aparentes e possuem mais afinidades do que antipatias.
Portanto, falar em Espiritismo, de forma direta, continua sendo
proibido nas universidades (novo reduto dos templos antigos) e nos
veículos de comunicação, que ainda são
as principais fontes de produção do conhecimento.
Nos meios de comunicação até que se fala com
mais liberdade e abertura sobre a doutrina, porém sempre
sob a tutela das autoridades acadêmicas. Falar publicamente
sobre Espiritismo continua sendo um tabu. Para que isso aconteça
é preciso criar mecanismos de disfarce e optar por abordagens
que possam adaptar as temáticas espíritas às
áreas científicas já conhecidas e seus modelos
epistemológicos. Não podemos falar diretamente de
mediunidade ou de comunicação com “mortos”,
pois essas informações não são compatíveis
com a linguagem científica convencional, muito menos de reencarnação.
Para a ciência esses temas são da cultura religiosa
e também não foram contemplados pelos filósofos
clássicos traduzidos na Idade Média e utilizados pela
tradição sacerdotal. O mesmo aconteceu com as mulheres
pensadoras e cientistas. Não se conhece mulheres filósofas
e cientistas, a não ser pelo nomes e histórias obscuras
(Aspásia e Hipácia de Alexandria; ou raridades como
Marie Curie por exemplo), porque as traduções sobre
seus trabalhos foram e continuam sendo rejeitadas pelas corporações
religiosas, predominantemente masculinas.
Então, a solução é sempre a mesma: adaptar
os temas espíritas para a sociologia, especificamente para
antropologia; ou então para a medicina como pratica alternativa.
Infelizmente, Allan Kardec continua sendo um ilustre desconhecido
do grande público contemporâneo. No Brasil ainda existe
um certo conhecimento por causa da história social do movimento
espírita e das novelas exibidas na TV abordando temas espíritas,
bem como as cinebiografias de Bezerra de Menezes e Chico Xavier.
O jogador de futebol Allan Kardec, que não é espirita,
parece ser mais famoso do que o codificador do Espiritismo. No exterior,
incluindo a França, não existe esse conhecimento nem
reconhecimento do Espiritismo, não como fenômeno social
significativo. Durante muitos anos acreditávamos que os livros
e os oradores espíritas que iam para o exterior estavam fazendo
grande sucesso e divulgando a doutrina em terras estrangeiras. Na
verdade tudo ficava restrito a pouquíssimas pessoas interessadas
no assunto, geralmente brasileiros que viviam fora do país.
Nesse aspecto, ainda predomina a opinião de J. Herculano
Pires: Allan Kardec realmente ainda é desconhecido em sua
obra e não "desatualizado" como se pensa.
O século XXI talvez seja o período em que o Espiritismo
atinja a sua maturidade, liberto das fases anteriores (fenomênico,
filosófico e religioso) para atingir uma plenitude ética
integral. Isso significa que muitos pontos ainda incompreendidos
da doutrina serão desvendados nessa nova sociedade das aristocracias
intelectuais, a chamada "superclasse" de David Hotkopf,
que influi mais pelas ideias do que pelo dinheiro e armas. Desatualização
de conceitos não acontecem por causas cronológicas,
só porque o tempo passou. Ela acontece por causas epistemológicas
e novas abordagens científicas. Nem a filosofia nem a ciência
explorou suficientemente os princípios espiritas para apontar
uma desatualização. A imortalidade, reencarnação
e a moral espíritas continua sendo vistas como crenças
pela maioria dos adeptos do Espiritismo e também pelos não
espíritas. Poucos se dão conta desses aspectos epistemológicos.
Apenas aceitam, acreditam e pronto. Muitos outros aspectos que podem
ser relacionados à doutrina espírita aguardam uma
solução de continuidade: a arte, a política,
a tecnologia, a sustentabilidade, a educação, enfim,
coisas que Allan Kardec pensou, porém não teve tempo
para realizar. Portanto, a obra de Kardec não encontrará
problemas de desatualização ou de contextualização,
mesmo por que ele deixou claro que o Espiritismo sempre teria como
bússola as tendências do conhecimento.
O conhecimento espírita avançou muito pouco como filosofia
e ciência. Só crescemos, numericamente como busca e
expressão religiosa, em função dos mesmos e
persistentes conflitos humanos: as questões da dor, da morte
e do destino. Não avançamos porque nossa epistemologia
ainda não foi desvendada em sua amplitude, nem mesmo pelos
espíritas. Muitos de nós continuamos comprometidos
com as cosmogonias teocráticas, absolutas, impedindo uma
transformação de mentalidade. Somente agora - 150
anos depois do lançamento do O Livro dos Espíritos
- é que estamos dando os primeiros passos nesse sentido multidimensional
da doutrina.
Ainda estamos muitos tímidos, pisando em ovos nas universidades
e laboratórios, presos aos paradigmas positivos de ciências
e ao modelo filosófico greco-romano, o mesmo que foi ideologicamente
selecionado, preservado e imposto pela Igreja. Não sabemos
ainda sobre dimensões da física quântica, da
visão complexa de mundo, da incerteza e instabilidade aparente
que governa o Universo. Parece que a cultura religiosa e mística
que herdamos do catolicismo ainda causa temor e desconfiança
nas pesquisa espíritas. Nossa psicologia ainda fica restrita
aos processos da consciência moral e não explora as
potencialidades mentais, como tecnologia cognitiva e educacional.
Nossos livros ilustrativos da obras de Kardec, de produção
psicográfica, estão ficando velhos, quase centenários
e brevemente terão problemas para explicar epistemologicamente
suas abordagens literárias. Ainda ficamos assustados e irritados
com os questionamentos e desconfianças do mundo cético,
tão natural entre os primeiros adeptos espíritas como
León Denis, Camille Flamarion, Gabriel Dellane e o próprio
Kardec. Ainda somos fascinados por narrativas fantásticas
ou de auto-ajuda sobre os fenômenos espíritas, quando
ainda não conhecemos nem as bases históricas e filosóficas
dessas considerações.
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