Ratatouille é um excelente
filme-desenho para entender o Espiritismo e os espíritas:
os fenômenos, a ciência experimental, a doutrina filosófica,
os adeptos e suas carcterísticas psicológicas, o movimento
social, bem como seus inimigos e seus críticos.
Como no “Aprendiz de Feiticeiro”
de Disney, onde o também ratinho Mickey se vê em apuros
com os escolhos da mediunidade, tudo é metáfora da
relação transformadora entre vivos e mortos, entre
o conhecido e o desconhecido, o natural e o sobrenatural.
O cenário é Paris,
especificamente a culinária e um restaurante, ideologia e
ambiente tão sagrados na França quanto os templos
nas culturas religiosas. Quando questionado sobre essa história
absurda, o jovem ajudante de cozinha Linguini solta uma frase desconcertante
e paradoxal: “A verdade parece loucura, mas é a verdade.
E funciona!” O mesmo jovem , ao ser apresentado como filho
de Renata (Renascida), ex-amante e assistente de Auguste Gusteau,
diz sobre a mãe morta: “Tudo bem, ela acreditava no
céu, vida após a morte, está numa boa!”.
Ratatouille é um prato camponês,
mistura de culturas antigas do Mediterrâneo que, como a feijoada
brasileira, esconde uma simbologia de crenças e práticas
sagradas. Os personagens são típicos seres humanos
em prova ou expiação, encenando na carne ou fora dela
suas peripécias evolutivas.
Auguste Gusteau, o imperador do
gosto, o dono, o nome do restaurante, agora tradição,
está morto. Porém, o Espírito vaga em busca
de uma equação existencial pendente. Desencarnou em
situação emocional negativa, fruto de uma reação
melindrosa e depressiva dos comentários arrasadores de um
crítico de culinária, o ultra-exigente Anton Ego.
Para resgatar esse desvio de percurso, Gusteau descobre Remy, um
rato talentoso, fascinado pela culinária, e que vive numa
antiga casa na zona rural, onde mora uma senhora solitária,
cujos hábitos e costumes a impedem de perceber que vive em
meio a uma multidão de ratos. É o cenário rústico,
como em Hydesville, onde as pedras começaram a falar.
Remy, o rato, é a circunstância
gerada pelo fenômeno, o que está por trás do
vento e da tempestade, a verdade que vai levar o Espírito
Gusteau ao jovem ajudante Linguini, que será o seu médium
de afinidade mais próxima, com quem tem ligações
remotas. Na história ocidental Remy foi o bispo de Lyon que
converteu a França para o cristianismo, atuando na nobreza
(os reis Clóvis e Clotilde) e também no campensinato.
Lyon, berço da heresia cristã e da caridade, foi apontada
por Allan Kardec como terra dos verdadeiros espíritas. Kardec
nasceu em Lyon, foi criado em Yverdon, porém “renasceu”
em Paris. San Rémy, como os Espíritos São Luiz
e Santo Agostinho, volta em Ratatoille para difundir a Verdade,
pelas vias improváveis dos fenômenos, sacudindo os
dogmas e as tradições do Velho Continente.
Linguini, o ajudante de cozinha
e filho de Gusteau é o médium; o rato Remy é
a mediunidade. É o meio e a mensagem. O médium é
humano, desajustado, perturbado, completamente confuso sobre si
e seu destino. O rato é a faculdade, o potencial, a possibilidade,
a mente, o veículo, o objeto inteligente de transposição
das idéias de um plano para o outro. Portanto, é a
expressão do paradoxo: é repugnante, é inadmissível,
indesejável, inconveniente; é o absurdo, a invisibilidade
que se torna visível nas circunstâncias mais imprevisíveis
e contraditórias. É rato em restaurante! Ninguém
quer ver, mas existe! Ou então: só não vê
quem não quer!
Ao apresentar o Espiritismo para
a sociedade parisiense, Kardec imaginou como foco de resistência
e reação imediatas as três figuras clássicas
do stablishment: o Crítico, o Cético e o Sacerdote.
Em Ratatouille eles se manifestam simultaneamente na pele de dois
curiosos personagens da trama: o chef Skinner e o jornalista Anton
Ego.
O chef Skinner é uma referência
ao psicólogo norte-americano B.F. Skinner, cujas experiências
de condicionamento de ratos serviram de base para as suas teorias
do determinismo biológico. O chef Skinner é o herdeiro
institucional do chef Augustus Gusteau, ou seja, o restaurante.
Essa herança de tradição cartorial, prestes
a se concretizar, entra em risco com o aparecimento repentino e
inconveniente do jovem filho de Renata, admitido como ajudante por
pressão dos outros cozinheiros. Skinner é autoridade
eclesiástica na arte culinária, de competência
socialmente reconhecida. Porém, como desajuste de personalidade
e transtorno de comportamento, não se aceita como baixinho
e feio. Tornou-se complexado, perfeccionista, ciumento e não
admite em hipótese alguma a doutrina herege de Gusteau, publicada
em livro, de que “qualquer um pode cozinhar’. Este é
o livro de cabeceira de Remy, o seu “Le Livre des Sprits”.
Na ânsia de defender o seu status e seu interesse, o chef
Skinner torna-se um manipulador criminoso e, cedo ou tarde, vai
se dar mal. Sua paranóia são os ratos, e aquele que
o ameaça e o força a cair em si é o rato Remy.
Como em toda trama histórica das revelações,
ele consegue, no papel infeliz, transformar o Espírito e
o médium em foco de escândalo. Afasta a clientela,
mas não consegue espantar a curiosidade, nem a verdade.
O jornalista Anton Ego é
o crítico culinário, terror dos cozinheiros e garçons.
Sua fisionomia cadavérica e seus trajes escuros simbolizam
a treva, o poder e a corrupção dos sentidos, doenças
morais que a medicina e a psicologia tradicionais seriam incapazes
de desvendar e curar. Somente o Espírito Gusteau descobre
a raiz do seu desvio : um trauma de infância, uma carência
materna, simbolizada na busca do sabor ideal, perdido no tempo da
memória gustativa. Insaciável, Anton Ego vai ser curado
pela mediunidade, pela medicina do espírito, com temperos
literalmente “improváveis”. Redimido, torna-se
uma pessoa feliz e iluminada, sem perder a classe (pose).
E finalmente a sociedade parisiense,
os clientes, os funcionários públicos, os profissionais
liberais, os cozinheiros, os ratos, os que vêm de cima e de
baixo. No cenário social da cozinha e do restaurante, eles
são os protagonistas afetados pelas transformações
geradas na trama.
As mudanças não vão
atingir suas posições e condições sociais,
mas suas condições íntimas, suas equações
pessoais, limites e obstáculos que os impedem de avançar
na evolução espiritual. Colette, a garota cozinheira
rebelde; os cozinheiros e garçons, ex-criminosos ou ex-viciados,
todos operários social e mentalmente reclusos na posição
em que estão e nas funções que exercem, para
eles humilhantes.
Uns estão conformados, outros
são resignados; uns sublimam suas experiências como
artistas anônimos e outros se rebelam no silêncio doloroso.
Mas todos são cúmplices na escola da vida, na família,
no trabalho e também no centro espírita.
Dalmo Duque dos Santos -
http://espiritosescolas.blogspot.com
Ficha técnica:
Direção: Jan Pinkava, Brad Bird.
Produção: Brad Lewis. Roteiro: Brad Bird, baseado
em estória de Brad Bird, Jim Capobianco e Jan Pinkawa Elenco
de dublagem e personagens: Patton Oswalt (Remy), Ian Holm (Skinner),
Lou Romano (Linguini), Brian Dennehy (Django), Peter Sohn (Emile),
Peter O'Toole (Anton Ego), Brad Garrett (Auguste Gusteau), Janeane
Garofalo (Colette), Will Arnett (Horst), Julius Callahan (Lalo /
François), James Remar (Larousse), John Ratzenberger (Mustafa),
Tony Fucile (Pompidou / Inspetor de saúde)
Sinopse:
Na nova aventura animada RATATOUILLE, um rato chamado Remy sonha
em se tornar um grande chef francês, mesmo contra os desejos
de sua família e do óbvio problema de ser um rato
em uma profissão totalmente inapropriada para roedores. Quando
o destino o leva aos esgotos de Paris, Remy se vê na situação
ideal, bem embaixo do famoso restaurante de seu herói culinário,
Auguste Gusteau. Apesar dos aparentes perigos de ser um inadequado
– e certamente indesejado – visitante na cozinha de
um fino restaurante francês, a paixão de Remy pela
arte culinária não demora a colocar em marcha acelerada
uma engraçadíssima e eletrizante corrida de ratos
que invade o mundo da culinária parisiense. Remy então
se sente dividido entre sua vocação e a obrigação
de voltar para sempre ? sua prévia existência de rato.
Ele aprende a verdade sobre amizade, família e entende que
sua única opção é a de aceitar quem
ele é realmente: um rato que deseja ser chef de cozinha.
– Disney – Site Oficial