O casal percorre um dos longos corredores
da Torre do Tempo, edificação muito conhecida na grande
metrópole espiritual Esperança. A torre de muitos
andares não é a única naquela vasta paisagem
que parece ser a extensão de uma grande região serrana
entre São Paulo e Minas Gerais, sendo até de menor
expressão arquitetônica entre aquelas que abrigam as
atividades diretoras e funcionais da cidade. Entretanto, mesmo estando
deslocada da região urbana central, pois foi erigida na parte
mais alta do vale, ela é uma das principais referências
visuais da metrópole, exatamente porque, semelhante aos grandes
templos da Antiguidade, tem um significado emblemático para
os seus habitantes.
A Torre tem o formato de uma pirâmide, revestida externamente
de material eletromagnético que lembram as modernas telas
de cristal líquido de televisão e dos computadores.
A edificação pode ser observada de qualquer ponto
da cidade e se move em sentido circular sobre uma base vítrea,
rodeada pelas águas de um enorme lago que não nos
pareceu artificial. Por mecanismos que ainda desconhecemos na Terra,
a torre gira em torno de si mesma e, semelhante a um gigantesco
e vivo diamante, muda de coloração ao receber milhares
de sinais vibratórios vindos de todos os pontos urbanos.
O movimento luminoso espetacular dessa enorme antena de recepção
e emissão somente poderia ser comparado, de longe, ao fenômeno
da aurora boreal encontrado nas regiões frias do Polo Norte.
Como nas grandes metrópoles, Esperança nunca dorme,
porém, no período noturno, parte significativa dos
habitantes descansa de inúmeras formas, incluindo o sono.
Nesses momentos de repouso a Torre recebe a maior carga de emissões
energéticas mentais ampliando um espetáculo visual
maravilhoso que gostaríamos de descrever nos mínimos
detalhes, mas que a linguagem escrita e as limitações
das nossas analogias não podem dar conta, tamanho o espanto
que causa nos visitantes.
O corredor no qual o casal caminha em busca de esclarecimentos é
muito extenso percorrendo três lados da torre, sendo repletos
de salas e auditórios, e leva ao Centro de Estudos Existenciais,
ponto central e nervoso do edifício e que se intercomunica
com outros departamentos de pesquisa e atividades reencarnatórias.
Como nas demais descrições sobre cidades do Além,
a Torre do Tempo em Esperança possui três grandes centros,
compostos de inúmeros núcleos de experiências
teóricas e treinamntos existenciais. Tais núcleos
são agrupados por afinidade de conhecimento e interesse em
cada um dos grandes centros denominados e dispostos aquitetonicamente
de acordo com as suas respectivas vocações:
O Instituto do Passado e do Inconsciente,
cujo símbolo é a memória e o eixo de estudos
são as reminiscencências; o Instituto do Presente,
tendo como símbolo a consciência e como eixos temáticos
a regeneração e os campos de provas; e o Instituto
do Futuro, tendo como símbolo a superconsciência
e eixo temático os planos de vida e evolução.
Como junção dos três
institutos de pesquisa, a torre pirâmidal tem no seu âmago,
que vai da base até o topo, uma grande mandala geométrica,
que também muda sua posição bipolar, de baixo
para cima e de cima para baixo, conforme a intensidade de vibrações
captadas no plano externo, representando ora o Universo, ora a Mente;
ora a Existência, ora a Consciência. Quem ali permanece
para observar, estupefato, dependendo da capacidade e interesse
de percepção, é tocado intimamente pela dinâmica
visual e psíquica (pois não são apenas os sentidos
comuns que ali se manifestam), e vê num instante um grande
relógio funcionando no sentido horário e objetivo;
e num outro instante uma enorme bússola indicando subjetivamente
o norte que todos anseiam. Em alguns momentos a o relógio
a bússola se interpenetram, demonstrando as curiosas nuances
da interconexão entre corpo e mente.
Chegando a um dos núcleos do Instituto do Futuro, o casal
é conduzido por assistentes de informação para
um vasto salão onde centenas de espíritos aguardam
instruções. Com exceção dos servidores
que ali laboram, as vestimentas dos frequentadores são muito
semelhantes as que usamos em nosso plano, guardando as devidas diferenças
de gosto e época nas quais os usuários viveram quando
encarnados. Os trajes e acessórios típicos das primeiras
décadas do século 20, bem como os mais recentes, tinham
aparência nova e caimento harmonioso, refletindo o estado
intimo dos portadores.
Os participantes conversavam em pequenos grupos e poucos permaneciam
isolados, já que o ambiente era convidativo para o contato
humano e afetivo. Mesmo aqueles que se mostravam introspectivos
tinham a companhia de alguém, também em postura discreta
e disponível para ouvir qualquer manifestação,
verbal ou não. O casal logo é acolhido por um dos
grupos, cujas conversas revelam uma preocupação comum:
a dificuldade cada vez mais crescente de reencarnar em ambientes
idealizados, restando somente as opções que a maioria
receia, por não ter condições morais para enfrentar
os desafios. Chama a nossa atenção nesse grupo o tema
discutido abertamente entre os participantes: egoísmo e o
comportamento defensivo. Alguns não se constrangem em revelar
que falharam gravemente nesse aspecto e que agora lamentam a falta
de oportunidades para renascer em corpos e núcleos familiares
e amigos. Alguns relatos são tocantes e causam comoção
em alguns integrantes daquela conversa franca e informal. Nenhum
deles se atreve a comentar as experiências dos outros fazendo
qualquer tipo de juízo a respeito do que ouvem no círculo.
Eles estão sentados em poltronas confortáveis e no
centro do grupo surgem espontaneamente, em pequenos intervalos,
imagens holográficas, as quais projetam situações
reais de pessoas encarnadas. Nessas imagens tridimensionais os encarnados
expressam de maneira enfática pontos de vista e justificativas
para o modo de vida que adotaram a partir de determinados momentos
das suas existências. As cenas causam entre os expectadores
do grupo reações que vão da decepção
até as mais profundas reminiscências de culpa e remorso.
Numa delas, um jovem casal participa de um programa de televisão
sobre o curioso mercado de pet shops e sua variedade de serviços:
banhos, produtos de higiene, embelezamento e até festas de
aniversário dos bichinhos, com farta mesa de comes e bebes
para os convidados. A cena faz calar o grupo quando a entrevistada
diz que ela e o marido fizeram a opção de “não
ter filhos”, escolha, segundo ela, pensada e madurecida a
dois. Terminada a entrevista, o holograma virtual se desfaz e o
grupo volta para as suas reflexões pessoais.
Nesse momento o casal recém chegado pede licença para
se retirar e se dirige a um dos assistentes de informação,
que observam atentamente as discussões dos grupos. Incomodado,
o casal que se retira quer saber onde buscar novas orientações,
palestras ou aconselhamento terapêutico mais específico.
Depois de uma longa conversação com um dos assistentes,
este sugeriu que buscassem um núcleo do Instituto do Presente
a permissão para freqüentar uma escola de adaptação
de crianças recém desencarnadas. O casal já
entendera matematicamente o desequilíbrio entre a demanda
e oferta de corpos e ambientes afins para reencarnação.
Quando encarnados, não cultivaram os laços familiares,
afastando-se até mesmo daqueles que haviam lhes permitido
a experiência na carne. Arrependidos, não conseguiam
se aproximar dos entes encarnados. As portas da afinidade estavam
fechadas. Todavia, poderiam abrir novos caminhos. Poderiam frequentar
por algum tempo esse núcleo infantil, onde compreenderiam
melhor a vivência da paternidade e da maternidade. Eles observariam,
em estudo sistemático de aprendizagem, o encontro de pais
encarnados e filhos desencarnados, durante o período de sono
físico. Presenciariam de perto a dor da separação
e a angústia da saudade. A volta à carne de que tanto
precisavam só seria possível em ambientes "estranhos"
e socialmente precários. Seria também o início
de uma conquista gradual do altruísmo.
* * *