O que acontece quando os espíritas
divergem entre si? É incompatibilidade de ideias ou disputa
de poder? É normal a divisão e separação
de grupos, bem como a formação de agremiações
espíritas dissidentes? A disputa política mancha a
honra e a pureza doutrinária das instituições
espíritas. A deposição de um grupo e deserção
dos seus membros é de alta gravidade ética entre os
espíritas?
A resposta para todas essas dúvidas é uma só:
quando se trata de política, tudo é possível,
mesmo entre os espíritas. Não que a política
seja algo sujo e imoral. Pelo contrário. Os espíritas,
como todos os seres humanos encarnados, são no dizer de Aristóteles
“animais políticos”. Fazemos política
como atividade humana fundamental para viver em sociedade. Todos
os nossos gestos ativos são na sua maioria gestos políticos,
com a finalidade de expressar nossas vontades e necessidades, desde
a decisão de levantar do sofá para tomar um copo de
água, reivindicar o acesso ao banheiro ocupado abusivamente
por algum membro da nossa família, bem como as decisões
mais complexas e graves do nosso destino.
A antiga pólis grega, símbolo clássico de todos
os espaços de exercício político, continua
nos lembrando que não mudamos a nossa natureza humana e zoológica
(zoopolyticon). Trazemos o potencial político no instinto
gregário desde quando éramos nômades e o aperfeiçoamos
quando criamos nossos endereços sedentários, sobretudo
no ambiente da cidade (cidadania) ou da civita (civilidade).
Quando Allan Kardec criou a idéia do “centro espírita”
é provável que estivesse imaginando o ambiente cultural
das antigas cidades greco-romanas, tão amplamente cultivado
nos núcleos urbanos europeus do século XIX. Centros
espíritas seriam então centros culturais, locais de
encontro de pessoas simpatizantes do espiritismo e naturalmente
preocupadas em ampliar sua dimensão cultural para os segmentos
da sociedade.
O encontro regular dos espíritas gera naturalmente os hábitos
políticos decorrentes dessa reunião de necessidades
e expectativas, seja de comunhão, seja de desunião
de propósitos; de divergência ou de convergência
de ideias. Os liderados geralmente aceitam e seguem as sugestões
apontadas pelos líderes, revelando uma tendência natural
de acomodação. Já os líderes natos dificilmente
seguem a mesma tendência quando têm que seguir as sugestões
de outros líderes. Normalmente fazem resistência, questionam,
criam obstáculos, lutam para não perder a posição
(status quo) que alcançaram ou que pretendem alcançar.
Tudo isso não tem nada de mal ou negatividade pois trata-se
de um comportamento espontâneo, a não ser que as condições
sejam muitos tensas e sem possibilidade de negociação
(ceder, compartilhar, respeitar e reconhecer as ações
contrárias). Aí, sim, revelariam um desvio do comportamento
político natural, ou seja, explorar as possibilidades. Impedir
que o “diálogo do possível” se manifeste
é uma reação de inconformismo passional, de
orgulho, egocentrismo que conduz aos extremos da divergência.
Do contrário, tudo pode caminhar para o centro convergente,
mesmo que as diferenças e particularidades persistam. Esse
é o espírito original da política.
Já tivemos a oportunidade de presenciar alguns lances de
disputa de poder em instituições espíritas
e que tomaram diferentes rumos*, legítimos e ilegítimos,
legais e ilegais, positivos e negativos. Alguns cederam ao radicalismo
e inviabilizaram a continuidade do projeto; outros reconheceram
a inviabilidade das suas idéias e partiram para outras possibilidades
de exercício de cidadania; outros ainda cederam nos pontos
mais críticos e optaram pela preservação do
projeto, adiando as mudanças pretendidas. Com exceção
dos primeiros, todos eram líderes que possuíam mais
pontos positivos do que negativos e não se deixaram levar
pelas suas paixões egocêntricas. Já os líderes
radicais e extremistas cometeram duas falhas inaceitáveis
na sua condição de condutores: a deserção
institucional, retirando-se de forma deseducada e, mais grave, o
abandono do ideal, revelando uma identidade e opinião de
aparência e a falta de compromisso.
Bom seria que os espíritas aprendessem a cultivar a liderança
centrada no grupo e não somente nos líderes, combatendo
o comodismo e a dependência. Enquanto isso não acontece,
o melhor possível certamente recai sobre a tolerância
e a paciência, virtudes que os gregos antigos admiravam e
que os espíritas transformaram em obrigação
moral.
NOTA*
Edgard Armond, líder espírita
enérgico que muitos pensam equivocadamente ter sido autoritário,
interpretava e conduzia a disputa de poder nas instituições
espíritas como uma oportunidade para valorizar lideranças
novas e estimular a criação de novas frentes de trabalho.
Sua idéia sobre esse fenômeno social era o princípio
da vida celular: “dividir para multiplicar”.
O psicólogo Carl Rogers "facilitando"
um encontro: liderança centrado no grupo
* * *