Terminei esta semana a leitura do
livro “Kardec, a biografia”, de Marcel Souto Maior.
Gostei do Livro, com os senões (e vantagens) de uma obra
escrita por alguém que está de fora das fileiras espíritas,
pelo menos no discurso, mas que soube retratar de forma leve os
eventos históricos que conduziram a chamada codificação
da doutrina espírita e que hoje nos alenta e nos inspira,
nas lutas cotidianas.
Bem redigido, de forma clara e didática,
antecipando o roteiro da película a ser produzida, o livro
mostra um Kardec homem, com dificuldades, inserido em um contexto
político e filosófico, para assim ser o baluarte do
espiritualismo moderno, que entre mesas girantes e cadernos manuscritos,
produziu um manancial de conhecimento a influenciar o mundo até
hoje, passados mais de 150 anos.
A leitura do livro mostrou-me um
homem de ciência, sagaz e bem-intencionado que, diante de
fenômenos populares envolvendo mesas girantes, busca identificar
a sua gênese e com o apoio das informações fornecidas
pelos próprios causadores dos fenômenos, os Espíritos,
elabora assim uma tese que deu conta daquela casuística,
abrangendo um sistema filosófico amplo, sobre a natureza
e o destino do ser humano no universo.
Essa tese, fundamentada na imortalidade
da alma, na comunicabilidade dos Espíritos e nas múltiplas
existências, inédita na sua integração,
jaz insuperável, influenciando um sem-número de produções
culturais, que trazem nesse paradigma seu espelho, no qual, apesar
da baixa difusão percentual do Espiritismo como movimento
religioso, esta doutrina tem, por meio de seus princípios
basilares, conquistado seu espaço nesses mais de 150 anos,
ao sol das ilações sobre a vida futura.
A imortalidade da alma, hipótese
comum à maioria das religiões, tem mais recentemente
ganhado corpo nas pesquisas sobre EQM-Estado de Quase Morte do Dr.
Raymond Moody Júnior e Sam Parnia, na análise de pessoas
que em estado de coma retornam à vida e narram situações
similares. A despeito das hipóteses formuladas sobre a ação
do subconsciente, os estudos continuam, amparados na hipótese
básica.
As múltiplas existências
tiveram também seus baluartes, nas pesquisas e produções
de Hemendras Banerjee, Brian Weiss, Albert de Rochas e Ian Stevenson,
com destaque para os estudos da Profa. Hellen Wambach, que comparou
dados das regressões com informações históricas
sobre as sociedades. Recentemente a Terapia de Vidas Passadas se
vulgarizou entre os profissionais, e tem-se estudado relatos de
vidas passadas e a sua associação a marcas de nascença.
Tem-se ainda, aí bem recentemente, os estudos na Universidade
do Prof. Jim Tucker, que vira e mexe aparece nos programas televisivos
com intrigantes casos de lembranças de vidas passadas.
No campo da comunicação
com o Além, os médiuns brasileiros forneceram grande
material de estudo, nas mediunidades de Chico Xavier e os diversos
estudos correlatos, em especial na questão da grafoscopia.
Os casos mediúnicos de Divaldo Franco, Arigó, Peixotinho
e do Médium de cura João de Deus têm sido objeto
de estudos que ratificam e fortalecem as ideias postas por Kardec.
O ceticismo ainda campeia, por comodismo,
por interesse ou por decepção. Ainda que surjam explicações
isoladas de céticos, de forma integrada esses fenômenos
encontram guarida nas formulações kardequianas à
luz dos depoimentos dos Espíritos, o que vem sendo reforçado
pela ação dos estudiosos citados e outros desconhecidos,
que labutam de forma incansável, enfrentando o preconceito
da academia e a pressão de ideologias religiosas, como enfrentou
Allan Kardec no seu tempo, conforme bem descrito pela sua presente
biografia.
Para além de uma revelação,
Kardec apresentou um sistema lógico coerente como resposta
ao fenômeno posto, construído a partir do material
coletado das comunicações com os Espíritos.
Uma hipótese que ele mesmo apresentou e refutou as contradições,
ao estudar os sistemas no Capítulo IV de “O Livro dos
Médiuns”. Ali, Kardec já se posiciona sobre
as demais hipóteses em relação ao fenômeno
mediúnico e expõe, por argumentos, por que a tese
espírita se apresenta insuperável para dar conta da
situação. E, até hoje, a explicação
ainda é válida.
Os pilares, a visão de que
o fenômeno derivava de inteligências que, chamadas de
Espíritos, nada mais eram dos que os homens sem a roupagem
carnal, que se sucediam em existências no mundo de cá
e de lá, permanecem robustos e convergentes aos estudos que
se seguiram, pelas regressões, comunicações
e lembranças. Dizer que Kardec é atual não
é tomá-lo pela letra idêntica de um suposto
livro sagrado e sim pela força do paradigma por ele proposto
na explicação da fenomenologia espírita e de
todo o contexto com base nesses pressupostos.
O aspecto filosófico da hipótese
espírita, abraçando Deus e o problema do ser, do destino
e da dor, traz a essa uma grande força, impulsionando vidas
à modificação de disposições,
à reforma íntima e à prática da caridade,
tornando nosso mundo melhor. Outras hipóteses, além
de não atenderem a completude dos fenômenos, baseiam-se
em pressupostos teológicos estranhos à razão,
com deuses seletivos e injustos, atendendo a injunções
e poderes estranhos à visão do bem. O Espiritismo
se apresenta como uma verdade ratificada pela razão e pelos
fenômenos, na cantiga de esperança que embala a humanidade,
mas que se faz incômoda.
Incômoda, pois rompe os grilhões
filosóficos do mundo antigo, da idade de trevas e das visões
escravizantes de vida futura, que Kardec não se furtou a
tratar no livro “O Céu e o Inferno”. Ideias que
ainda pululam por aí, acompanhadas dos mesmos fenômenos
de outrora, à busca de soluções razoáveis,
que já surgiram no século retrasado pelas mãos
do mestre Lionês.
Assim como ocorreu na biografia
de Chico Xavier, acredito que o livro do escritor Marcel Souto Maior
despertará o interesse pela obra Kardequiana no público
em geral, obra essa que se apresenta insuperável, pelo método
e pela consistência, na resposta aos fenômenos mediúnicos.
O estudo sistematizado das obras nos permite entender a essência
do Espiritismo e de como chegamos a compreender que mesas que giravam
nos forneciam uma resposta filosófica para a existência.
As ideias de Kardec influenciaram
o mundo. Ainda que carentes de autoria específica do Espírito
A ou B, talvez como um bom caminho para evitar a captura e a exposição,
essas ideias seguem por aí em filmes e livros, distantes
da estranheza de outras épocas. Ideias de um Deus justo,
de vidas que não terminam, de mortos que não se calam,
de falhas que são reparadas. Uma visão de mundo libertadora
que, pelo esforço de um homem, das pessoas à sua volta
e das gerações que se seguiram, do mundo de cá
e de lá, continua a nos brindar com o consolo que ampara,
mas também com a sagacidade que liberta.