A morte de Jesus pode ser vista
e interpretada de diversas maneiras. Na ortodoxia do cristianismo
tradicional, é artigo de fé de que Jesus morreu para
selar com o sangue a salvação da humanidade. Na teologia
estabelecida por Paulo de Tarso, o homem pecou com Adão e
redimiu-se com o Cristo. Não procuremos entender a racionalidade
dessa doutrina: por um, todos caem; por um, todos se salvam…
parece injusto e desproporcional. Carregamos todos o pecado de Adão
e podemos ser salvos se acreditarmos em Cristo. Mas os artigos de
fé das religiões em geral não pretendem ser
racionais; aliás, a obscuridade e o mistério é
que constituem o seu atrativo.
Para uma visão mais politizada,
podemos dizer que Jesus foi um subversivo, pois era um crítico
do clero judaico e alguém que emancipava consciências
e por isso, como em todas as épocas e em todas culturas,
não agradou a nenhum representante do poder. Judeus e romanos;
Kaifás, Herodes e Pilatos se deram as mãos (ou lavaram-nas),
para entregar Jesus à morte.
Numa perspectiva espírita,
Jesus, que não é Deus, mas um Espírito que
já alcançou um status de perfeição ainda
distante de nós, sua morte representa o testemunho de um
mártir, que nos deixou um modo de ser e estar no mundo –
um modo amoroso, não-violento, cheio de compaixão
e bondade. E coerente até o fim com essa ética, entregou-se
à injustiça dos homens, para neles despertar o senso
de justiça; aceitou a morte violenta, para demonstrar a não-violência
e o perdão. É aquele que toma sobre si amorosamente
o ônus da ignorância humana, para mostrar-nos um caminho
melhor. Nesse sentido, simbolicamente, pode-se até concordar
que ele é o Cordeiro de Deus, que toma sobre si os pecados
do mundo. Não num sentido salvacionista, mas numa dimensão
pedagógica, para ensinar como mestre, algumas lições
tão inesquecíveis, que só poderiam ser seladas
com o sacrifício de si e com a morte.
A morte de Jesus também é
uma mensagem sobre a própria morte. Em todos os tempos, a
finitude do homem o tem assustado. Por causa do medo da morte, criam-se
as dominações religiosas; por sentir-se mortal, o
ser humano se fragiliza, muitas vezes infantilizando-se diante de
deuses opressores, de sacerdócios que lhe exploram o boa-fé
ou aliena-se em doutrinas fanáticas e irracionais. Mais uma
vez, lembrando Paulo, Jesus venceu a morte – não no
sentido que os cristãos tradicionais entendem (como uma derrogação
da lei natural, ressurgindo em corpo carnal) – mas no sentido
de demonstrar praticamente que a morte é uma passagem natural,
um atravessar simples e rápido para uma outra dimensão
da existência e que não há nada a temer –
muito menos devemos temer o nada! A naturalidade com que Jesus aparece
para conversar com Madalena, com os apóstolos, com os viajantes
de Emaús – é um testemunho histórico
de que morto o corpo, o Espírito sopra onde quer e se manifesta
com seu corpo espiritual, fazendo-se ver e tocar, deixando uma mensagem
de eternidade.
Depois da tragédia da cruz,
os açoites, o abandono dos mais queridos – que serviu
para que o Mestre demonstrasse a força do perdão,
da compaixão e da coragem – Jesus aparece aqui e ali
e mostra-se imortal, inteiro, luminoso.
Essas são as minhas meditações
de Páscoa, com os votos de que possamos meditar no exemplo
ético de Jesus, seu amor universal, dirigido a toda a humanidade
e a mensagem que nos deixou para sempre: a morte não existe,
mas em toda parte há vida eterna, amor em abundância
e misericórdia sem limites!