por Dora Incontri
Associação Brasileira de Pedagogia Espírita
Li em dois dia o livro
recém lançado Espíritos o sob Investigação
– Resgatando parte da história, de Carlos
Seth Bastos (Edição de CCDPE
– ECM), curiosíssima para saber do resultado,
que já havia acompanhado parcialmente na página do
Facebook CSI – Imagens e Registros Históricos
do Espiritismo e nas próprias fontes que estão
sendo publicadas no Projeto Allan Kardec (pela
UFJF), Allan Kardec on-line e outros…

Por conta desse meu interesse constante de saber
como andam as pesquisas históricas em torno de Kardec, com
documentos inéditos, que a cada dia vêm enriquecer
nosso conhecimento da trajetória do mestre e do próprio
espiritismo, o livro não apresentou grandes novidades. Mesmo
assim, trouxe informações que eu desconhecia e, mais
do que tudo, alinhavou de maneira sistemática as evidências
documentais que temos até aqui de diversos fatos da época
de Rivail, depois de Kardec e dos acontecimentos depois de sua morte.
A obra também organiza o que sabemos sobre os médiuns
que trabalharam no início e durante a constituição
do espiritismo, trazendo pesquisas sobre suas biografias, suas contribuições
e, muitas vezes, sobre suas deserções…
A qualidade maior dessa obra é traçar de maneira
clara e inequívoca o que temos de informações
documentadas, desmentindo lendas, teorias conspiratórias
infundadas e limpando assim o terreno histórico do espiritismo,
para pavimentá-lo de evidências documentais, deixando
em suspenso o que ainda não pode ser confirmado.
Carlos Seth Bastos faz tudo isso de maneira desapaixonada, sem
julgamentos morais dos personagens envolvidos, sem transformar toda
a história numa batalha dramática entre o bem e o
mal. Sem sensacionalismo, portanto, atendo-se aos fatos e aos documentos
que os demonstram.
Trata-se de uma história bem humana: médiuns, pesquisadores,
e o próprio Kardec (sem dúvida o mais elevado entre
todos) e mesmo os espíritos – todos com suas limitações,
contextos pessoais e históricos, com suas boas intenções,
com sua maior ou menor integridade na busca da verdade. Alguns misturando
mais, outros menos, interesses pessoais, vaidades, paixões
nas suas vivências espíritas.
Nesse quadro, espanta-nos a quantidade de deserções,
traições, oposições, que Kardec teve
de enfrentar – ele mesmo testemunha isso em Obras Póstumas,
dizendo que a Sociedade de Estudos Espíritas de Paris havia
sido sempre um ninho de intriga. Fora isso – e as suas cartas
desde a época de Rivail também falam disso –
as dificuldades financeiras, o trabalho excessivo e os problemas
de saúde que o acompanharam vida afora. E, no entanto, não
vemos nele nenhum rancor, nenhuma tendência a desistir. Ao
invés, o devotamento, a abnegação, o absoluto
desinteresse pessoal e a grande benevolência para com todos
dão conta do grau de elevação desse espírito,
incumbido de uma grande tarefa espiritual – coisa aliás,
que muitos espíritas, de sua e ainda de nossa época,
não são capazes de reconhecer. Esse reconhecimento
não significa idolatria, deixando de exercitarmos a crítica
histórica, quando necessária, para apontar aquilo
que Kardec não conseguiu transcender em relação
ao seu condicionamento cultural, de um homem branco, francês,
do século XIX.
A figura que se destaca sem os exageros tenebrosos – com que
alguns de seus contemporâneos o descreveram e outros continuam
descrevendo, como “o coveiro do espiritismo” –
é Pierre- Gaëtan Leymarie. Certamente, alguém
que amava Kardec e o espiritismo, mas muitas vezes ingênuo,
ambíguo, confuso – talvez algumas vezes movido por
vaidade e interesses pessoais, mas idealista também, capaz
de voltar atrás em seus equívocos e escrever coisas
sensatas, como muitas das citadas por Seth. Enfim… um ser
humano com seus erros e acertos.
Tirar a história desse maniqueísmo entre “os
bons e os maus”, “os fieis e os traidores” é
um exercício importante, certamente aprovado por um mestre
do quilate de Kardec, e bem mais de acordo com a filosofia espírita,
que aponta que estamos todos em processo de aprendizagem, com nossos
tropeços e ascensões e que o próprio erro faz
parte natural desse processo.
Em outras histórias de grandes ideias, temos exatamente
o que aconteceu com o espiritismo nascente: dissensões, rupturas,
contendas sobre os rumos do movimento. Assim foi com o próprio
cristianismo, com o movimento franciscano, com a psicanálise…
O mundo ainda é o reinado da opinião, posta com discursos
apaixonados e muitas vezes fanáticos.
Demonstram estar mais próximos da verdade (embora a verdade
nossa seja sempre limitada e relativa) os que usam de maior racionalidade,
apresentam argumentos e evidências e são capazes de
debater com respeito e civilidade.
Nesse sentido, o livro Espíritos sob Investigação
– Resgatando parte da história se mantém
nesse diapasão e, por isso, contribui construtivamente para
o debate histórico do espiritismo. Longe de fechar todas
as questões, deixa muitas em aberto, porque outros documentos
poderão ser encontrados e apontarem para cenários
que ainda não entendemos completamente.
A única coisa que poderia ser melhorada numa próxima
edição, são alguns poucos parágrafos
que não ficaram suficientemente claros em sua redação,
também pela quantidade de informações neles
contidas.
De resto, uma obra muito importante para ser lida.