Resolvi escrever no meu blog esse
desabafo porque é necessário pelo menos que aqui, num
terreno meu, e livre, eu possa dizer tudo o que penso e me seja garantida
uma escuta honesta.
Há uma conspiração do silêncio de 150 anos
em torno do Espiritismo e eu, como militante da ideia emancipadora
da Pedagogia Espírita, sofro na pele diariamente esse silenciamento
em forma de censura, de boicote, de patrulhamento ideológico,
de que aliás, os próprios espíritas, muitas vezes
fazem parte, por medo, covardia e por falta de entendimento do que
o Espiritismo representa.
Kardec foi banido da cultura do século XIX, juntamente com
todos os que o sucederam em pesquisas sérias a respeito dos
fenômenos espíritas, como Crookes, Geley, Lodge, Zöllner,
Lombroso, Conan Doyle e tantos outros. Se estes continuam a ser respeitados
nos domínios do conhecimento cientifico em que se destacaram
– as biografias, os artigos científicos, a divulgação
de seus nomes omitem sutilmente que eles tenham se envolvido com esse
modismo ultrapassado do século XIX e início do século
XX.
É evidente que se entendermos o Espiritismo como mais uma religião,
piegas, retrógrada, desatualizada em relação
aos avanços do pensamento contemporâneo, enfim uma ideia
ultrapassada do século XIX, não há como não
manter um desprezo em relação a essa corrente de pensamento,
a Kardec e a tudo o que vem com o qualificativo de espírita.
E quando se silenciam os cientistas que pesquisaram e os pensadores
que filosofaram é o que vai ficar mesmo do Espiritismo. Porque
é verdade que o movimento espírita no Brasil muitas
vezes apresenta exatamente esse perfil, movido por um mercado editorial
altamente comercial, que publica majoritariamente hoje livrinhos de
autoajuda e romances sem nenhuma consistência literária
ou filosófica.
Então, para as pessoas que guardam essa imagem do Espiritismo,
não adianta eu falar que fiz minha tese sobre Pedagogia Espírita
na USP, patrocinada pelo CNPq; não adianta explicar que temos
uma proposta de inter-religiosidade; não adianta fazer 5 magníficos
congressos brasileiros de Pedagogia Espírita e dois inesquecíveis
congressos internacionais de Educação e Espiritualidade,
colocando a Pedagogia Espírita em pé de igualdade com
outras pedagogias, em diálogo com elas, como a Waldorf, a de
Paulo Freire, a de Montessori, a anarquista e tantas outras, que foram
representadas nesses congressos!
Não adianta um trabalho sacrificial de 10 anos de ABPE e 16
de Editora Comenius justamente tentando resgatar o próprio
Espiritismo como uma proposta cultural, como uma espiritualidade universalista,
como um pensamento progressista e atual, filosófica e cientificamente
consistente!
O que acontece? Tivemos eu e o Alessandro Cesar Bigheto um livro de
Filosofia para o ensino médio avaliado duas vezes por ineletctualóides
patrulheiros de uma universidade pública, para entrar como
livro a ser adotado pelo governo para as escolas públicas.
E qual a primeira objeção feita ao livro (o que dá
para perceber que o restante é procura de pelo em ovo!)? É
que em 400 páginas, mencionamos uma vez o nome de Kardec, como
um pensador do século XIX. Mas mencionamos também Dalai
Lama, Leonardo Boff, Confúcio, Lao Tsé, Madre Teresa
de Calcutá – porque o livro é interdisciplinar
e plural e pretende dialogar com várias árias e correntes.
Mas como mencionamos uma vez Kardec, é proselitista! E estamos
fora do programa do governo.
Essa postura vem de fora, dos não-espíritas, acadêmicos,
que vivem em seus feudos dogmáticos (marxistas, freudianos,
lacanianos, piagetianos……) que sentem um absoluto desprezo
pelo pensamento espírita e nem sequer se dão ao trabalho
de pesquisar e ver que existem intelectuais dignos que defendem essa
corrente. Podem aceitar um Leonardo Boff, que nunca deixou de ser
católico. Aceitam um Rubem Alves, que tem suas raízes
protestantes. Mas torcem o nariz para um Herculano Pires ou para uma
Dora Incontri.
Eu já presenciei uma banca da Unicamp brigar na minha frente
se eu deveria ser aceita ou não num concurso de professores,
pelo fato de eu ter como um dos meus objetos de pesquisa o Espiritismo.
E eu já era doutora e pós-doutora pela USP. Obviamente
não passei no concurso e em nenhum outro. Mas claro que, como
em todo processo de discriminação, seja com negros,
mulheres, homossexuais, a coisa é velada. Se forem indagados,
os examinadores dirão que havia melhores candidatos, etc.
E quando vamos divulgar nossos eventos? Já o tema de espiritualidade
encontra resistência! Mas se sabem que é a Associação
Brasileira de Pedagogia Espírita que está promovendo
um evento, mesmo que não tenha nada a ver com o Espiritismo,
qualquer divulgação nos meios de comunicação
nos é vedada. Mas não ocorre o mesmo se há um
evento na PUC (que é católica) ou na Universidade Mackenzie
(que é presbiteriana).
Para esse patrulhamento ideológico, para que os espíritas
não tenham uma voz na sociedade – digo uma voz consistente
e respeitada, no pensamento acadêmico, nos meios de comunicação
e não aparecer com ideias chinfrins que nem espíritas
são, como crianças índigo em novela da Globo
– unem-se ateus, marxistas, evangélicos, católicos…
todos excluem o espiritismo e se negam terminantemente a nos dar uma
voz.
Mas o pior não é isso! Os próprios espíritas
assumem esse papel, de calar outros espíritas que estejam trabalhando
para marcar um espaço de atuação do Espiritismo
na sociedade, a partir de uma visão progressista, plugada no
mundo.
Quando entrei com minha tese sobre Pedagogia Espírita na USP,
depois de 5 anos de tentativas, quem me ajudou foi um católico
e uma judia. Professores titulares espíritas, a quem eu havia
pedido para serem meus orientadores, fugiram da raia. Felizmente,
honrei a confiança com que esses professores me ajudaram e
minha pesquisa foi financiada pelo CNPq, tendo todos os relatórios
aprovados, sem nenhum reparo. Não estou dizendo isso para me
gabar, mas apenas para pontuar que o trabalho tinha respaldo e coerência.
Veja-se outra experiência nossa: pessoas amigas, espíritas,
que frequentam nossos eventos, e nos elogiam e usam nossos materiais,
promovem eventos grandes e pequenos de educação e não
nos convidam. Outros fazem projetos, diálogos, reportagens,
que contam com nosso apoio, e não nos mencionam.
E o que eu já tive de ouvir de inúmeras pessoas, inclusive
próximas, amigas, parceiras, que me aconselharam a não
usar o nome espírita na Pedagogia que propomos! Então,
em vez de vencer o preconceito e quebrar o boicote, devemos ceder?
Esconder a nossa identidade? Ou estão os próprios espíritas
convencidos de que o Espiritismo é um discurso atrasado, um
positivismo do século XIX ou uma ingenuidade filosófica?
Isso para não mencionar o movimento institucional espírita
que também nos discrimina. Aí não é por
sermos espíritas, mas por sermos críticos de um espiritismo
excessivamente religioso, que perdeu a sua identidade cultural e filosófica.
Ou porque adotamos posturas questionadoras e emancipadas, embora justamente
por isso sejamos leais a Kardec e à sua proposta. Mas não
somos chamados para o diálogo. A conspiração
do silêncio também se manifesta aí.
Todo esse silenciamento e esse boicote tem consequências práticas
muito óbvias: a dificuldade de nos mantermos financeiramente
e levarmos adiante a proposta. Hoje, mata-se uma ideia, deixando-a
à míngua de recursos financeiros. E a conspiração
do silêncio têm essa função. Mas vamos resistindo
com a ajuda dos que nos compreendem.
Será que estamos falando grego, perguntou uma querida amiga
minha? Será que não dá para entender que estamos
falando a partir de um lugar? O lugar é o Espiritismo compreendido
como um projeto cultural, filosófico e sobretudo pedagógico,
que tem direito à cidadania acadêmica, que tem representatividade
social para aparecer na mídia, que tem consistência teórica
para dialogar com outras correntes de ideias! Que a Pedagogia Espírita
caminha em diálogo com as pedagogias mais avançadas
da atualidade (quem promoveu um congresso para mostrar isso fomos
nós mesmos, mas os que participaram e gostaram e se beneficiaram
dessa participação, nem sempre reconhecem nosso valor)!
Não dá para notar que não queremos doutrinar
ninguém no Espiritismo, tanto que em nossos congressos falam
pessoas de todas as religiões, budistas, islâmicas, judeus,
afro-brasileiros e também marxistas e ateus?… E ao fazer
isso, estamos justamente seguindo a proposta de Kardec, que dizia
que a verdade está em toda parte? Quem tem essa postura plural
em nossa sociedade? As universidades não têm! As religiões
não têm. E nós temos e não somos respeitados
e valorizados por isso! Obviamente que há pessoas e grupos
que reconhecem nosso trabalho e nos apoiam! Não quero parecer
ingrata com esses. Mas o boicote é grande.
Enfim, desabafo aqui, apenas para desabafar, porque o silêncio
provavelmente deve continuar. Por isso, grito: Temos o direito de
ser, de existir e de marcar um território de influência
na sociedade.