Pesquisa E. Mollo
Kardec escreveu,
no capítulo XIX e na página de capa de "O Evangelho
segundo o Espiritismo":
"Não há fé inquebrantável
senão aquela que pode enfrentar a razão face a face,
em todas as épocas da humanidade".
No capítulo XXIV, acrescenta:
"(...) sem a luz
da razão, a fé se enfraquece".
* * *
"Crer não é o bastante, nos
dias de hoje quer-se saber. Nenhuma concepção filosófica
ou moral terá chance de sucesso se não estiver apoiada
sobre uma demonstração lógica, matemática
e positiva da fé e se, por outro lado, não estiver
coroada por uma sanção que satisfaça a todos
os nossos instintos de justiça".
Léon Denis, O Problema do Ser e do Destino
* * *
Esta pequena coleção de textos tem
o objetivo de apresentar subsídios que estabeleçam
critérios para diferenciar entre
a fé e a credulidade, pois embora haja certas semelhanças
entre a fé e a credulidade, as diferenças são
enormes e fundamentais. A credulidade
é a aceitação fácil e ingênua
de tudo. É acreditar em algo ou em alguém sem fundamentação.
A fé é depositar
confiança em algo ou alguém com a certeza de que essa
confiança foi testada e fundamentada. Pode ser que todas
as provas não sejam tão concretas, mas a pessoa toma
uma decisão fundamentada e madura a partir de uma experiência
individual e coletiva que dá base para uma ação
de confiança. Hoje em dia temos os dois extremos: alguns
não acreditam em nada. Querem tudo “no preto e branco”
e só aceitam aquilo que pode ser provado cientificamente.
Outros procuram uma postura “religiosa” e tentam demonstrar
a possibilidade de crer em coisas incríveis. O material deste
texto é oportuno pois tenta demonstrar o lugar da fé,
a partir da confiança em Deus e demonstrar que essa confiança
deve ser fundamentada. Não somos chamados a uma credulidade
ingênua e infundada, mas a uma fé inteligente, madura
e bem fundamentada.
Texto bíblico:
A fé de um centurião
Mt 8.5-13
Ao entrar em Cafarnaum, chegou-se a ele um centurião
que lhe implorava e dizia: “Senhor, o meu criado está
deitado em casa paralítico, sofrendo dores atrozes”.
Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo”. Mas o centurião
respondeu-lhe: “Senhor, não sou digno de receber-te
sob o meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará
são. Com efeito, também eu estou debaixo de ordens
e tenho soldados sob o meu comando, e quando digo a um ‘Vai’,
ele vai, e a outro ‘Vem’, ele vem; e quando digo ao
meu servo: ‘Faze isto’, ele o faz”. Ouvindo isso,
Jesus ficou admirado e disse aos que o seguiam: “Em verdade
vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse
tal fé. Mas eu vos digo que virão muitos do oriente
e do ocidente e se assentarão à mesa no Reino dos
Céus, com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os
filhos do Reino serão postos para fora, nas trevas, onde
haverá choro e ranger de dentes”. Em seguida, disse
ao centurião: “Vai! Como creste, assim te seja feito!”
Naquela mesma hora o criado ficou são.
Tradução na “A Bíblia
de Jerusalém” — Edições Paulinas
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A FÉ
Erich Fromm
Quando a esperança desaparece, a vida termina,
na realidade ou potencialmente. A esperança é um elemento
intrínseco da estrutura da vida, da dinâmica do espírito
do homem. Ela está intimamente ligada a outro elemento da
estrutura da vida: a fé. A fé não é
uma forma fraca de crença ou conhecimento; não é
a fé nisto ou naquilo; a fé é a convicção
sobre o que ainda não foi provado, o conhecimento da possibilidade
real, a consciência da gravidez. A fé é racional
quando se refere ao conhecimento real que ainda não nasceu;
ela é baseada na capacidade de conhecimento e compreensão,
que penetra superfície e vê o âmago. A fé,
como esperança, não é a previsão do
futuro; é a visão do presente num estado de gravidez.
A afirmação de que a fé é
certeza necessita de uma restrição. É certeza
sobre a realidade da possibilidade — mas não é
certeza no sentido da previsão indiscutível. A criança
pode ser natimorta prematuramente; pode morrer no parto; pode morrer
nas duas primeiras semanas de vida. Este é o paradoxo da
fé: é a certeza do incerto([1]). É certeza
em termos de visão e compreensão do homem; não
é certeza em termos de resultado final da realidade. Não
precisamos de fé naquilo que é cientificamente previsível,
nem tampouco pode haver fé no que é impossível.
A fé é baseada em nossa experiência de vida,
de nos transformarmos. A fé que outros podem mudar é
o resultado da experiência de que posso mudar.
Existe uma distinção importante entre
fé racional e irracional. Enquanto a fé racional é
o resultado da atividade interior da pessoa, em pensamento ou sentimento,
a fé irracional é a submissão a determinada
coisa que se aceita como verdadeira, independentemente de sê-lo
ou não. O elemento essencial em toda a fé irracional
é seu caráter passivo, seja o seu objeto um ídolo,
um líder ou uma ideologia. Até mesmo o cientista precisa
estar livre da fé irracional nas idéias tradicionais
a fim de ter fé racional no poder do seu pensamento criador.
Uma vez “provada” a sua descoberta, ele não precisa
mais de fé exceto na próxima etapa que ele estuda.
Na esfera das relações humanas, “ter fé”
em outra pessoa significa estar certo da sua essência —
isto é, da confiança e imutabilidade das suas atitudes
fundamentais. No mesmo sentido, podemos ter fé em nós
mesmos — não na constância das nossas opiniões,
mas na nossa orientação básica com relação
à vida, na matriz da estrutura do nosso caráter. Essa
fé é condicionada pela experiência do eu, pela
nossa capacidade de dizer “eu” legitimamente, pelo sentido
da nossa identidade.
A FIRMEZA
Na estrutura da vida existe outro elemento ligado à esperança
e a fé; a coragem ou, como o chamou Spinoza,
a firmeza . “Firmeza” talvez seja a expressão
menos ambígua porque, atualmente, coragem é mais freqüentemente
usada para demonstrar a coragem de morrer em vez da coragem de viver.
A firmeza é a capacidade de resistir à tentação
de se comprometer a esperança e a fé, transformando-as
— e assim destruindo-as — em otimismo vazio ou em fé
irracional. A firmeza é a capacidade de dizer “não”
quando o mundo quer ouvir “sim”.
A NECESSIDADE DA CERTEZA
Em nosso estudo até agora omiti um fato da maior importância
para a compreensão do comportamento do homem na sociedade
atual: a necessidade que o homem tem de certeza. O homem não
está equipado com um conjunto de instintos que regulem seu
comportamento semi-automaticamente. Ele é confrontado com
escolhas e, em todas as questões de suma importância,
existem riscos graves para a sua vida se suas escolhas forem erradas.
As dúvidas que o assaltam quando deve decidir — muitas
vezes rapidamente — provocam tensão dolorosa e podem
até mesmo pôr seriamente em perigo a sua capacidade
de decisões rápidas. Como conseqüência,
o homem tem intensa necessidade de duvidar que o método pelo
qual ele toma suas decisões é certo. De fato, ele
preferiria tomar a decisão “certa”, e ser atormentada
por dúvidas quanto à sua validade. Esta é uma
das razões psicológicas para a crença do homem
em ídolos e líderes políticos. Todos eles retiram
a dúvida e o risco da sua tomada de decisões; isso
não quer dizer que não há perigo para a sua
vida, liberdade, etc., depois que a decisão foi tomada, mas
que não há perigo de que o método da sua tomada
de decisão tenha sido errado.
(1) Em hebraico a palavra “fé” ( “emunah”)
significa “certeza”. “Amém” quer
dizer “certamente”.
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Frases e textos encontradas in "O Evangelho Segundo o Espiritismo”
no Cap. XIX, entre os itens 3 e 12. Obra codificada por Allan Kardec.
...entende-se como fé a
confiança que se tem na realização
de uma coisa, a certeza de atingir determinado fim. Ela dá
uma espécie de lucidez que permite se veja, em pensamento,
a meta que se quer alcançar e os meios de chegar lá,
de sorte que aquele que a possui caminha, por assim dizer, com absoluta
segurança. Num como noutro caso, pode ela dar lugar a que
se executem grandes coisas. A fé sincera e verdadeira é
sempre calma; faculta a paciência que sabe esperar, porque,
tendo seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão
das coisas, tem a certeza de chegar ao objetivo visado. A fé
vacilante sente a sua própria fraqueza; quando a estimula
o interesse, toma-se furibunda e julga suprir, com a violência,
a força que lhe falece. A calma na luta é sempre um
sinal de força e de confiança; a violência,
ao contrário, denota fraqueza e dúvida de si mesmo.
* * *
A fé é humana ou
divina, conforme o homem aplica suas
faculdades à satisfação das necessidades terrenas,
ou das suas aspirações celestiais e futuras.
* * *
...a fé é humana
e divina. Se todos os encarnados se
achassem bem persuadidos da força que em si trazem, e se
quisessem pôr a vontade a serviço dessa força,
seriam capazes de realizar o que, até hoje, eles chamaram
prodígios e que, no entanto, não passa de um desenvolvimento
das faculdades humanas. (Um Espírito Protetor. [Paris, l863.])