A virtude essencial dos estóicos era a verdade. Eles não
pregavam sempre uma vida frugal e ascética. O rigor e a disciplina
eram mais conseqüências do que postulados fundamentais.
Na base de tudo estava a preocupação de se atingir um
estado de perfeita honestidade, de sinceridade consigo mesmo e com
os outros. Todo o resto é secundário no estoicismo,
mas evidentemente a maioria dos que se ocupam em manter um grau elevado
de sinceridade encontrarão obstáculos psicológicos
que geralmente só podem ser superados com uma disciplina heróica.
Os estóicos, como todos os socráticos, são intelectualistas
convictos, e acreditam no papel essencial da razão para a vida
feliz. Os hedonistas e epicuristas, aos quais se atribui popularmente
uma espécie de inimizade em relação aos estóicos,
eram igualmente intelectualistas que acreditavam no papel preponderante
da razão para evitar o desprazer, a frustração
e o ressentimento. Todas as escolas socráticas, não
importa a sua ênfase, tinham em comum a consciência da
fragilidade do conhecimento humano, o que lhes conferia a famosa humildade
socrática de jamais considerar suas posições
como verdades absolutas, senão sempre como propostas sensatas,
mas falíveis de entendimento da realidade. Também compartilhavam
a importante característica de se concentrarem todos sobre
a moral. Considerando que o conhecimento é incerto e a vida
uma realidade, convém não investir tanto tempo na investigação
do mundo e voltar as forças do espírito para a meditação
sobre a vida, e sobre como ela pode ser melhor. Naturalmente este
esforço de reflexão sobre a possibilidade de uma vida
melhor só faz sentido se houver uma crença prévia
de que a razão é eficaz nesta tarefa. Desta forma todas
as escolas socráticas se ocupavam exaustivamente com a correção
do intelecto, pois atribuíam a maioria dos sofrimentos da vida
a erros de interpretação, expectativas ilógicas
e fantasiosas, auto-engano, desinformação e mentira.
A mentira ocuparia para os estóicos um papel mais importante
do que para os demais socráticos, pois eles a enxergavam como
síntese de todas as demais fraquezas intelectuais. Seu diagnóstico
apontava para o orgulho e a malícia como a fonte da mentira.
Quem transmite uma informação é sempre responsável
pela atitude com que o faz. Se a postura do comunicante é humilde
e consciente, ele confessará estar expressando uma opinião
ou um raciocínio lógico, mas falível. Se esta
postura, entretanto, for de malícia, o comunicante tem interesse
em enganar o ouvinte. Se a postura for arrogante, segura de si e dogmática,
o comunicante incute suas crenças e arrazoados nos ouvintes,
revestindo-as de aparência de verdades absolutas.
Os estóicos eram excelentes psicólogos, e perceberam
que estes erros de postura muitas vezes são inconscientes,
fruto de má educação ou hábito. Por isso
propunham uma educação filosófica muito semelhante
a uma psicoterapia, em que o estudante buscava identificar em si as
causas de seus enganos, idéias fixas, dogmas e vícios.
Este exercício era marcadamente liberal e individual, não
havendo qualquer tábua de valores ou normas que o praticante
fosse obrigado ou mesmo aconselhado a seguir. Mais ainda do que o
psicoterapeuta atual, o mestre estóico não interferia
na auto-análise do discípulo, limitando-se a fazer a
sua própria auto-análise pública. As aulas dos
maiores mestres, como Epicteto, consistiam exclusivamente em confissões
públicas de seus defeitos e vícios e no método
usado por ele para corrigi-los. Os discípulos deveriam fazer
uma análise semelhante, raramente ou mesmo nunca recorrendo
ao mestre para orientação. Este método guarda
semelhanças óbvias com as práticas de meditação
dos yogis e budistas.
O famoso livro “Meditações” de Marco Aurélio
sequer foi feito para publicação, sendo apenas um resumo
de análises que ele escrevia sobre e para si mesmo. As exortações
contidas no livro não são prescrições
morais para um leitor, mas determinações que ele dava
a si mesmo, conforme sua própria índole e de acordo
com os objetivos que ele mesmo se impunha. Os estóicos eram
famosos por ser muito tolerantes e misericordiosos com os seus semelhantes,
jamais exigindo posturas de disciplina ou condenando aqueles que não
as adotavam. É, portanto, absurdo creditar-lhes uma postura
taciturna e crítica, a não ser com base na prática
popular do estoicismo, que muito lembrava a circunspecção
das ordens monásticas cristãs. Muitos estóicos,
a exemplo do imperador Marco Aurélio, tinham boa condição
de vida e participavam plenamente da vida social, a qual nunca condenaram.
A idéia de que os estóicos fossem reclusos ou eremitas
vem de uma confusão quanto as suas críticas dirigidas
ao apego e a servidão aos bens materiais. Estas críticas
eram motivadas pelo seu interesse esclarecedor em afirmar que tal
apego não é necessário à felicidade, e
pode tornar-se fonte de sofrimento, e não do desprezo pelos
bens ou estilo de vida em si. O foco dos estóicos jamais foi
a ascese do corpo ou a pobreza, mas a transformação
do ponto de vista. Alguns mestres consideravam em sua auto-análise
ser essencial a ruptura radical com a sociedade, e o faziam. Raramente,
entretanto, o recomendavam aos seus discípulos, e lembravam
que este afastamento da vida econômica e social era um traço
de fraqueza pessoal em resistir ao domínio das facilidades
e comodidades enganosas da vida.
O que se pregava efetivamente era a necessidade da correção
intelectual e psicológica sobre a vida. Riqueza ou saúde,
fama ou amizade podem esvair-se sem que o seu dono nada possa fazer.
A morte atinge inexoravelmente a todos, independente de sua posição,
conhecimento, respeitabilidade ou poder. A beleza que atrai agora
pode esconder um caráter pérfido, e mesmo que assim
não seja desaparecerá com os anos.
Entendida esta transitoriedade da vida, o filósofo estóico
conclui pela futilidade das amarras físicas e sociais, e se
volta prioritariamente para a sabedoria que não lhe escapa
nas horas de infortúnio ou de distração.
É a ilusão e o auto-engano que fazem os acidentes da
vida parecerem glórias. Que dizer de um imperador cujo direito
de governo e autoridade foi conferido por ter nascido? E não
são maiores os méritos dos governantes eleitos, pois
sendo a maioria dos homens estúpidos ou viciosos a vontade
da maioria não representa qualquer superioridade. Por isso
os estóicos lembram sempre do desinteresse prudente em relação
a qualquer honraria. Jamais deve o homem julgar-se merecedor de elogios
e glórias, pois os que o fazem podem ser apenas maus juízes,
ou as glórias imerecidas, fruto do acaso. Somente o orgulho
engana o homem e o faz pensar que a sua grandeza está em seu
mérito. Nada, a não ser nossa opinião e nosso
comportamento, está em nosso mérito. Se o nosso comportamento
resulta em fracasso ou sucesso, isso tem a ver com fatores que vão
desde o clima propício até a influencia de milhares
de outras pessoas, e não se pode jamais imaginar que a ação
individual é responsável pelos resultados. Entendendo
que muitas coisas não estão em nosso poder, os estóicos
se libertam da ansiedade e da expectativa de quaisquer resultados,
novamente em exata relação aos ascetas orientais.
Um estóico jamais persegue a glória, pois sabe que ela
nem depende dele, nem significa qualquer coisa além da opinião
alheia sobre a grandeza. Se a glória lhe cai nas mãos,
como no caso de Marco Aurélio, ele a considera um acidente
ou uma vontade da Providencia, não tendo em ambos os casos
de que se orgulhar.
Age no seu melhor para que sua posição seja bem exercida,
e tem em conta que ela não é melhor ou maior do que
a de um camponês ou pescador, pois o mesmo destino que lhe pôs
no trono e ao pescador na sua choupana poderia ter invertido os papéis.
Também não foge da riqueza ou da fama, a não
ser que as considere prejudiciais ao seu estado de espírito.
Age com a mesma naturalidade e imparcialidade com que agiria na pobreza
e no anonimato. Respeita e honra o privilegio de que desfruta, como
alguém que tem em conta algo de valor que lhe foi confiado.
Nada considera seu, a não ser o que está em seu domínio,
o seu próprio espírito.
Ninguém expressa melhor este sentimento de liberdade e esta
resignação absoluta quanto ao que não pode ser
mudado do que Epicteto. Escravo durante a maior parte de sua vida,
o filósofo tinha a certeza prática de que nossos atos
e méritos são limitados de todas as formas possíveis.
Ele não regulava o que comia, nem a que horas se levantava,
nem onde dormiria, nem o que faria durante o dia ou com quem passaria
seu tempo livre.
Sua vida limitava-se a obedecer as determinações de
um senhor severo e compartilhar seus momentos livres com outros habitantes
da casa, com os quais também não escolheu conviver.
Não obstante era muito feliz e dizia que nenhum homem possuía
mais liberdade que ele, já que na vida todos somos limitados
por inúmeras condições da natureza e da sociedade.
O homem ordinário, observava ele, geralmente é menos
livre do que o escravo filósofo, pois pensa que é senhor
de seu destino e está escravizado pela própria mente,
repetindo hábitos mecânicos quase invariavelmente.
Tal era a sua abnegação e resignação que
ele sequer sentia-se atingido pelas desgraças mais amargas,
pois, dizia, não se pode lamentar contra natureza ou a Providencia.
Tudo o que está fora de nosso poder deve ser aceito, o que
está em nosso poder, deve ser mudado, sobre nada deve-se preocupar
ou ansiar. Tão real era esta convicção que certa
vez ao receber bastonadas de seu senhor, o filósofo teria comentado
com serenidade: “Senhor, assim quebrarás certamente a
perna do teu escravo.” Como que indignado por esta observação
e porque o escravo não demonstrasse medo, o amo bateu ainda
mais forte sobre a canela, que partiu-se com um grande estalo. Após
os primeiros instantes de dor, e observando no amo a expressão
de arrependimento, Epicteto conclui sem qualquer rancor: “Vês
senhor, danificaste a tua propriedade.”
Com a imensa popularidade dos estóicos entre as classes cultas
do Império Romano, é mais do que natural que os primeiros
cristãos absorvessem muito desta filosofia, especialmente pelo
seu caráter menos abstrato e cunho moralizador. Através
do Cristianismo uma parte da filosofia estóica sobreviveu,
até nós.