Incapazes de fazer frente aos valores,
ao conhecimento e ao trabalho paciente de tantas gerações,
fracassando fragorosamente diante do melhor, do correto e do verdadeiro,
eis que a sombra da humanidade acovardada veste o manto da indiferença
e do relativismo, do venenoso cinismo dos indolentes e inúteis
que têm como única satisfação destruir
e diminuir o que em outras mãos frutifica; se reveste, em sua
vergonha e baixa autoestima, do sarcasmo mais barato e generalizado,
que já virou vício, dos ataques militantes e hipócritas
contra a hipocrisia, das racionalizações e desculpas
convenientes sobre a futilidade de qualquer esforço, e até
da injustiça ou fanatismo de todas as causas, exceto a de não
se ter nenhuma. Como o nada de “A história sem fim”,
tudo devora, desesperando-nos dos esforços de reação,
pois em nenhum lugar se apresenta o vilão a ser confrontado,
o talismã a ser quebrado. Anônimo, vazio por natureza,
tragando a tudo e a todos no seu niilismo inconsequente, tendo no
patrimônio civilizacional seu alvo rancorosamente perseguido,
esse monstro informe e nefasto já derrubou incontáveis
trabalhadores do progresso e manutenção do que é
humano na humanidade. Tudo putrefaz, e assume facilmente as formas
radicalizadas dos que querem na angústia um adversário
tangível, mas acabam por também se render à amargura,
seja em silêncio, seja engrossando as falanges que pregam a
ausência de sentido.
É um momento horrível, meus amigos, eu o sei. Mas se
a consciência coletiva caminhou o bastante para criar um mal
invisível e onipresente para além das formas, rostos,
nomes e lugares, é que ultrapassamos já o primitivismo
mais elementar da luta física, ingressando no mundo abstrato
do espírito, onde os combates são igualmente de vida
ou morte, mas os combatentes são, enfim, as ideias, sentimentos,
esperanças, projetos, sonhos, memórias...
Se o desafio é tremendo, inconcebível e desesperador,
é também convite que ressoa nos gongos das consciências
até os confins do mundo. Desbaratados e desarmados diante do
novo mal transmudado em indiferença, podemos ainda reforçar
novas armas para o resgate e reconstrução dos nossos
valores.
Essa é a hora extrema da história humana, onde, em crise
de idade, precisa escolher novos rumos, mas o relativismo surge pela
primeira vez de forma dominante, apontando para a escolha indecente,
inumana e irracional de abandono da busca pelo sentido da vida. É
a hora máxima em que todo resto de fé e esperança
valerão mil vezes o que teriam valido às claras e sob
um céu limpo. É a hora em que todo aquele que faz o
que é certo em anonimato, e apenas porque o certo é
o certo, fará estremecer as fibras do planeta. É hora
de reunirmos a coragem para dizer que o amor, a verdade, a justiça,
o bem e a beleza objetivos, sim, existem, não importa que consequências
isso possa trazer para nossas vidas policiadas pelos niilistas e relativistas
que histericamente nos queiram achincalhar. E é hora de bater
a poeira dos pessimismos, da depressão, dos receios e angústias
com que nos contaminaram, esses que odiosos do progresso e do bem
conseguiram incutir em nós uma desconfiança doentia
que nos faz enrubescer diante do que há de melhor em nós.
Venceremos, meus amados heróis de um reino da consciência,
pois os que ouvirão essas palavras sem riso são ainda
muitos, e recuperaremos as nossas forças repetidamente, infindavelmente,
abastecidos por uma fonte inesgotável, uma que reside em todos
nós, inclusive nos que a olvidam ou abominam.
Não nos acomodemos a essa vida e mundo horríveis que
ajudamos a construir, senão positivamente, ao menos pelo nosso
desforço, preguiça e desânimo. O que está
em jogo não é apenas nossa dignidade, mas a felicidade
mesma, o que não nos deixa alternativa sã além
da iniciativa. Piedade para com os que desprezam todas as palavras
e gestos capazes de elevar o homem acima dos animais. São os
maiores sofredores, os mais lamentáveis miseráveis,
carentes de tudo, mesmo quando cobertos pelas joias e glórias
do mundo. Seja a nossa a bandeira de todos, para que os que querem
dividir os homens em seitas, partidos e igrejas não encontrem
em nós ressonância para os seus desvarios. Mas que seja
também a bandeira de convicções firmes, equilibradas,
razoáveis e justas, para que se finque profundamente nas almas
sequiosas de alguma coisa, qualquer coisa.