O exercício da mediunidade
traz em seu bojo alguns equívocos, historicamente, situados,
principalmente a partir da Idade Média. É sabido que
o contato direto ou indireto com o mundo dos Espíritos vem
carreado de superstições que tornaram a mediunidade
um motivo de sensacionalismo e perseguição, devido à
má interpretação dos fenômenos espirituais;
reflexo do desconhecimento das Leis Divinas que regem o intercâmbio
entre os homens e o mundo invisível. Tal contexto gerou uma
série de preconceitos, abusos de poder e extermínio
de vidas, dentre outros fatores.
A mediunidade foi sendo confundida pelo próprio médium,
dentro deste contexto de desencontros, como um meio de ostentação,
de manipulação do seu poder comunicante, gerando mistificação
e controle em cenários já visitados por todos nós
como protagonistas do passado de equívocos em torno dela. Como
médiuns fomos sendo assemelhados a supostos bruxos e seres
extraordinários que utilizaram e sua habilidade divina de maneira
orgulhosa, egoísta, visando confirmar a triste ilusão
de que éramos melhores do que os demais. Por outro lado, também
fomos perseguidos e mortos, sem piedade, pela ignorância dos
que se acreditavam acima de Deus e isso gerou descaminhos e medos
em torno da tarefa a que nos fora confiada, despertando em todos nós
o sentimento de vítima.
Contudo, identificados, ilusoriamente, com a posição
de pretensos superiores, muitas foram as vantagens obtidas no campo
do exercício mediúnico e que, infelizmente, se mantém
até hoje, para garantir a falsa ideia de que somos indispensáveis
e de que sabemos mais do que aqueles que nos buscam para o socorro.
Ganhamos privilégios materiais, financeiros e de prestígio
social cujos aplausos foram sendo tomados, por nós, como confirmação
de que éramos seres especiais da Criação Divina,
mergulhados nos holofotes da fama e do destaque; aspectos estes que
se nos trouxeram prazer, na mesma proporção, nos sentenciaram
dentro de nossa própria vaidade.
Egos fortalecidos pelo poder da adivinhação, da cura,
da vidência, entre “poções mágicas”
e charlatanismo, muitos de nós fomos os “gurus”
e bruxos, afundando nossa consciência na escuridão da
idade das trevas, embevecidos pelo poder de dominar as massas e assim,
torná-las dependentes ao nosso comando e orientação
infeliz; divorciados do amor de Deus. Ai de nós, o preço
foi alto! Mas, longe da culpa que nunca nos convém, estamos,
hoje, com a possibilidade renovadora de fazer novos caminhos ininterruptos
pelo Espiritismo, mediante o amor de nosso pastor bendito que nunca
desiste de nos amar. Outros, dentre nós, já conseguiram,
inteligentemente, escolher o caminho do bem com Jesus e nós
também conseguiremos, é a Lei!
Por isso precisamos refletir sobre a nossa rota e sair daquele lugar
de filhos pródigos como muito bem nos aponta Ermance Dufaux,
(2006 a). A saída desta condição de seres à
parte da Criação, através da menos valia, gera
em nós um processo de inferioridade tamanho, produzindo um
grave afastamento de Deus, a nossa Fonte Maior, e com isso, passamos
a nos portar como mendigos da própria alma, nos contentando
em fazer as coisas de qualquer jeito e agindo sem qualquer expressão
de amor por nós mesmos. Nesse estado de espírito, não
conseguimos sentir o quanto podemos ser úteis como médiuns,
humildemente, agradecendo a todas as oportunidades de trabalho que
o Pai nos oferece. Por nos colocarmos abaixo da condição
de filhos do Altíssimo nos incapacitamos de abrir espaço
para sentir o amor divino, principalmente quando nosso Criador nos
autoriza a sermos médiuns, intermediários da sua vontade
e não da nossa. Nosso medo de sermos amados nos esconde em
nossa timidez que é mais uma expressão de orgulho, disfarçada
de humildade, pois, assim, vamos nos negando a assumir a responsabilidade
pela nossa própria transformação espiritual.
Mergulhando, portanto, na necessidade de compreensão profunda
do que nos leva, ainda, a percorrer caminhos equivocados, destacamos
o sentimento da vaidade como um afeto devastador a nos afastar da
verdadeira autoestima. Precisamos, pois, retomar o caminho de volta
como muitos dentre nós que não se cegaram com suas habilidades
mediúnicas, percebendo-as, verdadeiramente, como marcas vivas
de uma necessidade de aprendizado. Não somos especiais porque
somos médiuns, todos somos especiais porque somos filhos de
Deus, e esta filiação nos colocará sempre na
condição do aluno aprendiz. Não há e nunca
haverá sucessores de Deus. Sendo assim, jamais ocuparemos o
lugar de Deus e nem precisamos disso; a vaidade nos entropece o raciocínio
e a sensibilidade e faz com que queiramos, ingênua e presunçosamente,
ocupar o lugar divino, esquecendo que como cocriadores temos, em nós,
o gérmen da infinita felicidade.
A vaidade foi criando raízes em nossos corações
porque ainda não sabemos o quanto de tesouros legítimos
trazemos no íntimo, aguardando o florescer pela nossa vontade
de fazer o que a lei maior prevê. Fomos nos acostumando a ser
os transgressores e agora, a vida está cada vez mais nos relembrando
como se consegue a paz verdadeira. Os holofotes nos distraem entre
as posturas na casa espírita, que transformam a mediunidade
em cargos empresariais, como se ser médium fosse mandar nos
outros, determinando como eles devam evoluir. Caminhando assim, fomos
e ainda estamos seguindo os passos do suicídio moral do personalismo.
O personalismo é trazido como um dos sentimentos mais preocupantes
pela espiritualidade que lida conosco. Vários são os
Espíritos de escol que nos alertam sobre a questão da
vaidade. Segundo o Evangelho, encontramos informações
fundamentais sobre o orgulho como o sentimento a ser trabalhado, em
todos nós, que nos afasta da consciência e do sentido
do que é a tarefa mediúnica. O orgulho cria um sentimento
equivocado de privilégio, de ascensão narcísica
que entorpece nosso bom-senso, comprometendo o entendimento de que
nossas diferenças são apenas por uma questão
de aproveitamento das várias encarnações, ou
seja, cada um se aproxima mais ou menos das Leis Divinas e extrai
experiências melhores ou piores de cada uma delas. No entanto,
todos, sem exceção, chegarão ao estágio
máximo da evolução e continuarão crescendo
em outros níveis, impensáveis ainda, a nossa capacidade
de apreensão, logo, não há favoritismo.
Essa ideia de favoritos é o reflexo da relação
distorcida que estabelecemos com Deus. Ainda no Evangelho, encontramos
a afirmativa de que criamos uma ideia de Deus à nossa maneira,
assemelhado ao bezerro de ouro, adaptado inadequadamente às
nossas necessidades pequenas, às nossas paixões mal
dirigidas, daí, dentro desta lógica, o próprio
Deus seria partidário e vingativo. Logo, torna-se fácil,
portanto, transpor o raciocínio de que então, haveria
eleitos e não eleitos.
Destacando o pensamento de Ermance Dufaux, temos:
“O personalismo é a
expressão mais perceptível e concreta do orgulho.
É a excessiva e “incontrolável” valorização
conferida a nós mesmos levando-nos a supor termos direitos
e qualidades maiores do que aquelas as quais realmente possuímos.
(...) enquanto o orgulho incapacita-nos para verificar as próprias
imperfeições, o personalismo tem como efeito
gerar ideias de que aquilo que parta de nós é melhor
e mais correto.””(DUFAUX,
2006 b: 34.)
Ermance esclarece que tal postura,
acima descrita, prejudica nossa capacidade de discernir, de formular
um juízo claro sobre as coisas e as situações.
No personalismo mediúnico criamos, pois, uma falsa ideia de
que somos indispensáveis, de que o trabalho não acontece
com qualidade sem a nossa presença e que nosso desempenho mediúnico
é insuperável, o melhor de todos. Vamos nos iludindo
com a falsa ideia de que somos insubstituíveis. Seria o que
a mesma autora espiritual chama de “paixão narcisista”
(DUFAUX, 2006 b:35); processo psicológico
que gera, segundo ela, uma desconexão com a realidade.
De fato, o personalismo nos retira o bom-senso, passamos a nos comportar
frente a nossos irmãos como se fôssemos superiores, isso
nos afasta de nosso propósito reencarnatório, criando
um hiato na nossa relação com Deus, esquecendo que,
como médiuns, somos os mais necessitados alunos da grande escola
que é a vida. Lembremos que a mediunidade não é
um favor que fazemos para ninguém, a não ser para nós
mesmos, já que, através dela, podemos, por misericórdia,
aliviar nossas dores. Somos os atendentes das próprias mazelas
e o nosso próximo nos faz a caridade de permitir que sejamos
úteis a ele, essa seria a tônica. Somos os aprendizes
de servos, buscando seguir a recomendação do
Cristo e não os senhores; tudo é uma
questão de adequação do nosso ponto de vista.
O personalismo inverte essa constatação e justifica
a tirania mediúnica que alimenta a falsa crença de que,
como médiuns, seríamos os direcionadores da subjetividade
alheia. Auxiliar não é impor a nossa forma de ação
ao outro, é pedir a Jesus que façamos esforços
cada vez melhores para sermos pontes humildes entre ele e os outros,
realizando o melhor possível para que isso se dê, dentro
de nossas possibilidades.
Hammed também muito contribui sobre esta reflexão, em
sua obra As Dores da Alma. Ele nos traz uma análise
muito interessante sobre uma das facetas do nosso orgulho, relativa
à postura crítica de censurar os outros. Ainda mantemos
uma crença ilusória de que ser médiuns significa
adotar uma postura de vigilantes e vamos cobrando de nossos irmãos
como se eles fossem nossos empregados e estivessem sob a nossa tutela,
dentro da relação estabelecida no trabalho mediúnico.
Agimos assim, segundo Hammed (1998), esquecidos de que cada um somente
evolui conforme seu potencial interno e sua consciência. Se
Deus precisasse de assistentes para lembrar disso não teria
criado o sentido íntimo de suas Leis dentro de nós,
logo, paremos de infantilizar as pessoas à nossa volta, a evolu
ção alheia não está ao nosso comando.
Deixemos o outro ser e crescer do jeito que ele pode e sente, como
queremos que assim façam conosco!
“Não se têm
notícias de que Jesus Cristo impusesse cobranças
ou tivesse promovido convites insistentes ao crescimento das almas.
Teve como missão, na Terra, ensinar-nos a serenidade e harmonia,
para entrarmos em comunhão com “Deus em nós”.
(HAMMED, 1998: 35.)
Ainda nos apoiando no raciocínio
de Hammed, destacamos outra obra de sua autoria que deve ser, a nosso
ver, estudada profundamente por todos nós que procuramos exercer
a bendita tarefa da mediunidade, infelizmente, nem sempre sendo praticada,
por nós, com Jesus. Trata-se do livro A Imensidão
dos Sentidos, contribuição ímpar como direcionamento
fundamental de nosso processo de transformação moral
consciente na condição de intermediários do Bem.
Como médiuns, estamos sendo convidados a desenvolver a bondade,
a sensibilidade, a boa vontade e a sinceridade no serviço cristão,
no entanto, será que sabemos o que é ser bom? Será
que estamos nos desenvolvendo de forma coerente como que Jesus nos
ensinou? Até que ponto não estamos utilizando a mediunidade
para sermos aplaudidos? Até que ponto não estamos fazendo
da mediunidade um fardo e descontando no nosso irmão a revolta
inconsciente diante do compromisso assumido, a rigidez de crenças
e a culpa que nos nega o direito de cuidar de nós mesmos?

Nesta obra, Hammed analisa a
diferença entre bondade e desatenção às
necessidades pessoais. Devemos aprender a respeitar os nossos direitos
neste quesito e não fazermos da mediunidade um motivo de fuga
de nós mesmos, pois isso abre porta para mais soberba e desrealização,
ou seja, cria em torno de nós uma capa dura onde os nossos
afetos são escondidos e mecanizados, robotizando e automatizando
a experiência mediúnica. A vaidade impede o desenvolvimento
da postura acolhedora e amorosa que todos nós, como médiuns,
temos o dever de desenvolver com autenticidade, sem hipocrisia e sem
proselitismo na direção de nossos semelhantes. Se não
fizermos isso, não saberemos desenvolver empatia e auxiliar
o outro com amor e compreensão. A soberba nos distancia da
capacidade de sermos sensíveis à dor alheia, cega completamente
a nossa alma, cria antipatias e muros lamentáveis no campo
do relacionamento interpessoal. Ela nos atenta ao desejo da idolatria
e das palmas! Tomemos muito cuidado com isso!
Outro aspecto muito bem destacado por Hammed, na mesma obra acima,
refere-se ao que ele chama de arrogância competitiva (HAMMED,
ano: 41). O autor espiritual em destaque nos lembra que tudo
o que sentimos, em qualquer situação, reflete a nossa
história de vida, o nosso patrimônio de vidas passadas
e ainda nossa perspectiva futura. Precisamos nos compreender dentro
desta dinâmica complexa de reações, ainda, não
trabalhadas por nós mesmos. Para este Espírito benfeitor,
a ideia de arrogância, associada ao manejo da mediunidade, traz
o problema da inveja como fator de difícil resolução.
Muitas vezes, devido à nossa herança interna, somos
assaltados pela competição insensata criticando o outro
no campo das tarefas na casa espírita, comandados pela rivalidade
sem freio e sem consciência. Podemos explicar esse mecanismo
psicológico da seguinte maneira: o invejoso deseja se afastar
do inimigo interno da insatisfação frente à própria
imagem, projetando então nos outros as suas mazelas, através
da raiva que ele sente das conquistas que o próximo já
fez e ele ainda não. O invejoso, em suma, se desconhece, da
mesma forma que desconhece o outro, por isso julga precipitadamente.
Hammed, porém, nos conforta dizendo que isso não significa
que somos maus, assim como, quando somos generosos também não
significa que já somos seres bondosos. Na verdade, tudo isso
representa que precisamos aprender a lidar com nossos afetos, admiti-los
e cuidar de nós mesmos, já que tudo está dentro
de nós e não fora. A mediunidade nos dá a grande
chance de fazermos esses ensaios, de desenvolver, gradativamente,
nossa autotransformação, combatendo sentimentos perturbadores
como é o caso da inveja e seus derivados.

Tenhamos cuidado com a tentação de esperar as palmas
como confirmação de nossa pretensa superioridade! A
mediunidade não é um palco e nós não somos
as estrelas eleitas da festa! Precisamos aprender a tratar nossos
semelhantes como iguais, pois somos iguais, na simplicidade (origem)
e na destinação à perfeição a que
todos estamos submetidos! O poder mediúnico está em
conseguir transformar-se como espíritos imortais que somos,
utilizando nossa mediunidade a nosso favor, ou seja, cumprindo irrestritamente
a Lei de Deus.
O primeiro indício de nossa vaidade é quando não
admitimos que somos orgulhosos e que esperamos o palco do reconhecimento
e o aplauso direto ou simbolicamente representado naquele velho comentário:
Nossa você é ótimo! Elogios podem ser formas de
incentivo, o problema está em como os recebemos e como os encaixamos
em nosso mundo íntimo. Em ambos os casos existe o orgulho,
pois diminuir a si mesmo ou colocar-se acima dos outros é uma
atitude psicológica de tentar se destacar de alguma maneira,
esquecendo-se que o maior no Reino dos Céus, como nos disse
muito bem Jesus, é “aquele que se faz servo de todos!”...
Será que estamos preparados para sermos elogiados ou nos inferiorizamos
e achamos que somos aquém de nossas possibilidades? Será
que, lá no fundo, ainda nos envaidecemos e “nos achamos
o máximo”!? Foi exatamente por termos sido as diversas
majestades do passado, tendo aproveitado insuficientemente esta experiência
que estamos, hoje, sendo convocados a rever sobre poder, amor, auxílio
mútuo, caridade e assim por diante, pois, a mediunidade é
a ponte entre nós e Deus, que, amorosamente, nos convida ao
seguro recomeço, graças a ele.