
A tendência a adotar uma visão dicotômica
dos diversos fenômenos humanos ainda é predominante em
nosso pensamento ocidental e partidarista que, comumente, institui
distâncias entre as ideias e funda uma lógica excludente
entre as pessoas. Isso gera guetos onde cada um deles tenta deter
a verdade sobre as coisas. Algumas religiões se arvoram a tomar
para si, por exemplo, uma suposta autoridade para dar a última
palavra sobre tudo e sobre todos, assim como, determinadas doutrinas
também assim o fazem, determinando conceitos fatalistas sobre
o mundo, sobre os homens e sobre Deus. Desta forma, o bem e o mal
seriam mais uma dentre as múltiplas categorias cujos conceitos
são estanques e, com isso, tornam engessados os processos possíveis
de diálogo sobre as diferentes formas de conceber o homem e
seu comportamento, estabelecendo muros rivais entre as variadas formas
de saber.
Portanto, quando pensamos em obsessor, automaticamente, ele já
tem um lugar, ocupando a ala do mal, daquele que gera dor, do vilão
da história. Ele é o anunciador da perturbação,
do infortúnio, o chefe do desespero. Inegavelmente, um espírito
que nos quer mal não faz bater o nosso coração
de maneira pacífica e inquestionavelmente, sua aproximação
é ameaçadora e desconfortável. Não podemos
confiar, de início. Como desdobramento desta discussão,
geralmente, então atribuímos ao que chamamos de obsessor
um lugar de representante do mal. Esse ser, supostamente, de natureza
maligna, é herdeiro da tradição religiosa própria
do Catolicismo Ortodoxo que apregoa a destinação humana
a partir de três possibilidades: céu, inferno e purgatório,
estabelecendo um fim definitivo e assustador às almas daqueles
que, porventura, não sejam julgados por um suposto Juízo
Final de final feliz, enfim, que não tenham merecido o céu.
Essa afirmação de que haveriam seres programados para
nos fazer sofrer criou também inúmeras superstições
com a questão da existência desta figura diabólica,
dotada de poderes tenebrosos. Instaurou-se assim uma crença
de que existem assombrações que podem nos prejudicar,
e que seremos reféns sem defesa, já que como pecadores
merecemos ser punidos também com a perseguição
espiritual. Essa ideia persecutória é muito antiga,
vindo desde as sociedades greco-romanas cujo ritual de sepultamento
deveria obedecer a certos critérios rígidos dos ritos
específicos da cerimônia fúnebre, pois, caso contrário,
o morto vagaria e voltaria e não nos deixaria em paz. Esse
estado de coisas foi gerando continuamente uma crença de que
o homem encarnado deveria se proteger dos mortos de alguma forma;
ideia que foi variando, historicamente, conforme alguns períodos
específicos.
O mais importante é que com o advento do Espiritismo, todo
esse contexto fantasioso e irracional acerca da relação
entre vivos e mortos é derrubado. No caso do obsessor, sabemos
que através das leis da reencarnação, os vínculos
espirituais não se encerram numa única vida e que a
ideia de perseguição associada a uma noção
de que somos vítimas também cai por terra. A dinâmica
das relações espirituais e a lei de causa e efeito que
preside tudo que acontece conosco entra, de forma muito lúcida,
no lugar das alegorias e das fantasias em torno da existência
desta relação com nossos desafetos. A partir da racionalidade
da fé espírita, compreendemos que não há
seres cuja personalidade e caráter seriam definitivos tanto
para o bem quanto para o mal, o que há são conquistas
no campo da moralidade e da inteligência que distinguem os espíritos
tanto encarnados quanto desencarnados, tudo é uma questão
de evolução. Evoluir significa praticar as Leis de Deus.
Os nossos desafetos representam, muitas vezes, o reencontro com seres
cuja relação de outrora, mal resolvida, gerou as cobranças
afetivas e pendências que foram causadas pelo nosso próprio
livre-arbítrio, provocando dor naquele que, hoje, nos persegue.
Entretanto, quando somos levados a refletir sobre a experiência
desagradável com um desafeto, naturalmente, rejeitamos, de
início, qualquer possibilidade de pensá-lo como sendo
também a vítima. No fundo, vítimas e algozes
são fatores circunstanciais esperando que a lei de amor seja
praticada pelas partes envolvidas num conflito para quebrar de vez
todo o equívoco de análise que os envolvidos fazem da
situação vivenciada e se reconheçam, enfim, como
irmãos que todos somos. O grande problema ainda está
no nosso orgulho que sustenta a nossa posição de vítima
e faz com que não compreendamos a lei do retorno, que é
uma lei claramente explicativa sobre os efeitos de tudo que acontece
na Natureza. Magneticamente, sofremos as consequências do que
criamos como causas, se prejudicamos alguém, essa energia gera
pendências para com a nossa própria consciência,
pois como explica O Livro dos Espíritos: nós
sentimos uma necessidade irresistível de ser felizes. Para
experimentarmos a felicidade real é preciso estar em paz com
aqueles que foram alvo, no passado, da nossa falta de caridade, da
nossa irresponsabilidade e do nosso desamor. Sendo assim, muitos deles
cobram, na atualidade, de forma equivocada, sim, porém, denunciando
nossa insensatez pretérita, nossas faltas e nosso descumprimento
das Leis Divinas. Não importa por quanto tempo uma perseguição
esteja durando, o que importa é que saiamos destes papéis
tanto de vítimas quanto de algozes e aprendamos o perdão,
como único recurso de amor capaz de cessar o conflito. Isso
será sempre o antídoto para pequenas contrariedades
quanto para as grandes complicações em torno da forma
como os homens escolhem se relacionar, em qualquer época da
Humanidade.
