Espiritualidade e Sociedade





Bianca Cirilo

>   Obsessor: vítima ou algoz? - Refazendo desafetos

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Bianca Cirilo
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A tendência a adotar uma visão dicotômica dos diversos fenômenos humanos ainda é predominante em nosso pensamento ocidental e partidarista que, comumente, institui distâncias entre as ideias e funda uma lógica excludente entre as pessoas. Isso gera guetos onde cada um deles tenta deter a verdade sobre as coisas. Algumas religiões se arvoram a tomar para si, por exemplo, uma suposta autoridade para dar a última palavra sobre tudo e sobre todos, assim como, determinadas doutrinas também assim o fazem, determinando conceitos fatalistas sobre o mundo, sobre os homens e sobre Deus. Desta forma, o bem e o mal seriam mais uma dentre as múltiplas categorias cujos conceitos são estanques e, com isso, tornam engessados os processos possíveis de diálogo sobre as diferentes formas de conceber o homem e seu comportamento, estabelecendo muros rivais entre as variadas formas de saber.

Portanto, quando pensamos em obsessor, automaticamente, ele já tem um lugar, ocupando a ala do mal, daquele que gera dor, do vilão da história. Ele é o anunciador da perturbação, do infortúnio, o chefe do desespero. Inegavelmente, um espírito que nos quer mal não faz bater o nosso coração de maneira pacífica e inquestionavelmente, sua aproximação é ameaçadora e desconfortável. Não podemos confiar, de início. Como desdobramento desta discussão, geralmente, então atribuímos ao que chamamos de obsessor um lugar de representante do mal. Esse ser, supostamente, de natureza maligna, é herdeiro da tradição religiosa própria do Catolicismo Ortodoxo que apregoa a destinação humana a partir de três possibilidades: céu, inferno e purgatório, estabelecendo um fim definitivo e assustador às almas daqueles que, porventura, não sejam julgados por um suposto Juízo Final de final feliz, enfim, que não tenham merecido o céu. Essa afirmação de que haveriam seres programados para nos fazer sofrer criou também inúmeras superstições com a questão da existência desta figura diabólica, dotada de poderes tenebrosos. Instaurou-se assim uma crença de que existem assombrações que podem nos prejudicar, e que seremos reféns sem defesa, já que como pecadores merecemos ser punidos também com a perseguição espiritual. Essa ideia persecutória é muito antiga, vindo desde as sociedades greco-romanas cujo ritual de sepultamento deveria obedecer a certos critérios rígidos dos ritos específicos da cerimônia fúnebre, pois, caso contrário, o morto vagaria e voltaria e não nos deixaria em paz. Esse estado de coisas foi gerando continuamente uma crença de que o homem encarnado deveria se proteger dos mortos de alguma forma; ideia que foi variando, historicamente, conforme alguns períodos específicos.

O mais importante é que com o advento do Espiritismo, todo esse contexto fantasioso e irracional acerca da relação entre vivos e mortos é derrubado. No caso do obsessor, sabemos que através das leis da reencarnação, os vínculos espirituais não se encerram numa única vida e que a ideia de perseguição associada a uma noção de que somos vítimas também cai por terra. A dinâmica das relações espirituais e a lei de causa e efeito que preside tudo que acontece conosco entra, de forma muito lúcida, no lugar das alegorias e das fantasias em torno da existência desta relação com nossos desafetos. A partir da racionalidade da fé espírita, compreendemos que não há seres cuja personalidade e caráter seriam definitivos tanto para o bem quanto para o mal, o que há são conquistas no campo da moralidade e da inteligência que distinguem os espíritos tanto encarnados quanto desencarnados, tudo é uma questão de evolução. Evoluir significa praticar as Leis de Deus. Os nossos desafetos representam, muitas vezes, o reencontro com seres cuja relação de outrora, mal resolvida, gerou as cobranças afetivas e pendências que foram causadas pelo nosso próprio livre-arbítrio, provocando dor naquele que, hoje, nos persegue. Entretanto, quando somos levados a refletir sobre a experiência desagradável com um desafeto, naturalmente, rejeitamos, de início, qualquer possibilidade de pensá-lo como sendo também a vítima. No fundo, vítimas e algozes são fatores circunstanciais esperando que a lei de amor seja praticada pelas partes envolvidas num conflito para quebrar de vez todo o equívoco de análise que os envolvidos fazem da situação vivenciada e se reconheçam, enfim, como irmãos que todos somos. O grande problema ainda está no nosso orgulho que sustenta a nossa posição de vítima e faz com que não compreendamos a lei do retorno, que é uma lei claramente explicativa sobre os efeitos de tudo que acontece na Natureza. Magneticamente, sofremos as consequências do que criamos como causas, se prejudicamos alguém, essa energia gera pendências para com a nossa própria consciência, pois como explica O Livro dos Espíritos: nós sentimos uma necessidade irresistível de ser felizes. Para experimentarmos a felicidade real é preciso estar em paz com aqueles que foram alvo, no passado, da nossa falta de caridade, da nossa irresponsabilidade e do nosso desamor. Sendo assim, muitos deles cobram, na atualidade, de forma equivocada, sim, porém, denunciando nossa insensatez pretérita, nossas faltas e nosso descumprimento das Leis Divinas. Não importa por quanto tempo uma perseguição esteja durando, o que importa é que saiamos destes papéis tanto de vítimas quanto de algozes e aprendamos o perdão, como único recurso de amor capaz de cessar o conflito. Isso será sempre o antídoto para pequenas contrariedades quanto para as grandes complicações em torno da forma como os homens escolhem se relacionar, em qualquer época da Humanidade.


 

 

 

Fonte: Revista CELD de Estudos Espíritas
https://celd.xyz/wp-content/uploads/12-Revista_CELD_Dezembro_2017.pdf

 

 

 

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