Espiritualidade e Sociedade





Bianca Cirilo

>   Até onde depende de Deus e até onde depende de nós?

Artigos, teses e publicações

Bianca Cirilo
>   Até onde depende de Deus e até onde depende de nós? Uma breve discussão sobre livre-arbítrio e determinismo

 

 

A discussão sobre até onde nossas ações são livres ou determinadas por uma espécie de destino inevitável é palco de discussões desde a Antiguidade. É atribuído como autoria ao filósofo e poeta Tito Lucrécio Caro (99 a.C a 55 a.C) um poema cujo título “A natureza das coisas” afirmava que a alma era mortal e que a previsibilidade do movimento atômico impediria qualquer possibilidade de sustentar o livre-arbítrio como faculdade inerente ao homem. A defesa de uma suposta ausência de liberdade nas nossas ações sustenta a tese comodista e perigosa do materialismo, justificando uma fatalidade irresponsável, logo, isenta de qualquer cobrança ou assunção dos efeitos de tudo aquilo que fazemos. Não podemos ainda desconsiderar que as ideias advindas do debate filosófico proposto por Lucrécio, por exemplo, tornam-se ingênuas na medida em que a própria evolução do conhecimento sobre os átomos, as descobertas da nova Física, para além do paradigma newtoniano, a teoria da relatividade e a questão da teoria da incerteza derrubam toda essa lógica de que seríamos frutos do inevitável automatismo biológico.

Certamente, há tantos outros pensadores que se apoiam na ausência do livre-arbítrio como justificativa insustentável, filosoficamente, contudo, transpondo essa suposta ausência de liberdade humana, seja por razões de um fatalismo biológico, psicológico ou o que valha, qual seria o risco de defendermos tal tese, tomando por base a maneira como a existência humana se desenvolve?

Se nossas ações fossem mero produto de um automatismo fisiológico e nosso psiquismo um subproduto deste primeiro, fundaríamos, por exemplo, toda uma ideia absurda de que matar, ferir, desconsiderar, destruir o outro seriam apenas ações incontroláveis, reflexos previstos pelo acaso da nossa condição humana. O materialismo aquiesceu a estas ideias de suspensão da liberdade de escolha frente às decisões, uma vez que, por ele, não haveria razão alguma para deixar de fazer ou fazer tal coisa, visto que agir não seria, aqui, o resultado de uma decisão moral ou dotada de possibilidade de discernimento. Agir então seria algo que aconteceria de acordo com necessidades reais indiscutíveis, factuais, resultantes de um tipo de convivência social específica e assim por diante. Não havendo nada para além da matéria, qual sentido haveria em agir a favor de uma causa, dentro de uma visão altruísta de mundo, se o nada nos aguardaria?

A sustentação da tese de ausência do livre-arbítrio justifica também a corrupção, os vícios, a falta de amor e de solidariedade porque instaura a lei do mais forte, a lei da conveniência de interesses e retira do homem o compromisso ético de fazer o bem, assim como, a necessidade de assumir totalmente as consequências da decisão sobre o mal. Pior do que tudo isso, se, a partir desta tese, fosse admitida a existência de um deus, este deus seria um ser partidário, mesquinho, confundido com as paixões humanas e rebaixado ao mesmo nível de sua própria obra, aliás, obra essa que, dentro deste contexto, seria questionável e bastante frágil.

Até onde nossas ações pertencem a nós e até onde seria a vontade de Deus? O Espiritismo resolve esse dilema nos explicando que já é da vontade divina que tenhamos o direto de agir de acordo com o nosso desejo. Como Deus faz isso? Ele criou leis imutáveis e perfeitas cujo cerne está na ação voluntária de decidir pelo amor, pelo bem e pelo que se solidariza com todo o Universo. Suas leis morais são claras e definem nortes seguros quanto ao que devemos ou não fazer. Tudo isso está inscrito em nossa consciência, sede das leis que nos guiam com garantia para a prática do bem proceder. Ao decidirmos nos afastar desta legislação divina sofremos a consequência prevista desse descumprimento porque não é da Lei Divina que façamos o que venha a nos prejudicar e a prejudicar o outro. O suposto fatalismo aparente desta lógica estaria no inevitável recolhimento dos resultados da transgressão, uma vez que, agindo mal, desequilibramos o campo de nossa relação com a vida, conosco e com o próximo.

Não há fatalidade nos atos morais como nos diz a Doutrina Espírita, porque, se antes fizemos algo que criou uma consequência inevitável dentro da Lei de Justiça Divina; este processo vai sendo modificado conforme nós vamos colocando no lugar aquilo que retiramos, ou seja, realizando o bem onde havíamos agido em discordância com a lei de amor. Trazendo para a prática, qual seria o impedimento de fazermos o bem em qualquer momento de nossa vida, estamos impedidos disso? Agir de maneira melhor do que antes é uma possibilidade ilimitada, não há nunca qualquer impedimento para fazermos isso. Quantos efeitos desfavoráveis nos pouparíamos se assumíssemos 100 % a responsabilidade de tudo o que nos acontecesse? O problema é que esquecemos que o que nos acontecesse tem suas raízes em todas as outras existências que já vivemos, por isso, não podemos agir sem compreender que essa dinâmica vai muito além desta vida atual. Podemos decidir o tempo inteiro pelo que nos convém e pelo que não nos convém. Muitas vezes, ficamos esperando que algo mágico aconteça quando depende somente de nós mesmos aprender a agir, a decidir e a tomar as rédeas de nossa existência. O que achamos que não merecemos, Deus cuida de analisar, possibilitando ou não; tudo depende da nossa capacidade de parar de tentar fazer o que não nos compete e deixar que Deus faça o que cabe a ele

 

 

 

Fonte: https://celd.xyz/wp-content/uploads/11-Revista_CELD_Novembro_2017.pdf

 

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