O desafio é que não
podemos investigar a mente de fora para dentro. A mente tem de
entender a si própria
Continuando minha discussão
sobre as "Três Origens", após a origem da
vida e do Universo nas semanas anteriores, hoje trato do tema talvez
mais complexo: nossa mente. Minha intenção é
apenas levantar alguns pontos que, espero, poderão inspirar
debates sobre o assunto.
Foi Descartes quem, no século
17, famosamente escreveu "penso, logo existo". Para ele,
mente e matéria eram coisas separadas. Nossa capacidade de
reflexão não poderia ser reduzida a processos meramente
materiais. A essência da razão é o pensamento,
e a da matéria é a extensão.
E já que a física
lida com processos materiais, a mente não é uma entidade
física. O dualismo de Descartes garante que a física
pode ser aplicada à matéria sem se enrolar tentando
explicar a mente.
Hoje, essa separação
não vinga. Existe apenas matéria, ou pelo menos não
temos razão para supor que exista uma entidade imaterial
capaz de interagir com a matéria. Do ponto de vista científico,
algo imaterial não pode interagir com a matéria. Se
existe uma interação, deve ser descrita pelas leis
da física. Num exemplo meio prosaico, se alguém crê
ter visto um fantasma, esse fantasma emitiu radiação
eletromagnética no visível. Para ser visto, o fantasma
interagiu com seu sistema visual e é uma entidade física,
não tendo nada de sobrenatural.
Nosso cérebro, pesando em
torno de 1,3 kg e com 86 bilhões de neurônios-um número
que, graças à pesquisa de Suzanna Herculano-Houzel,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é bem menor do
que os populares 100 bilhões- é a entidade mais complexa
que conhecemos. A questão central das ciências cognitivas
é saber como a rede neuronal, coligada através de
trilhões de sinapses, gera a mente. Outra, é saber
como a mente gera a consciência, que pode ser definida como
a capacidade que temos de refletir sobre nós mesmos.
De certa forma, existe um paralelo
entre a origem da mente e a da vida. Podemos entender a vida como
uma propriedade emergente da matéria, algo que ocorre quando
as reações químicas em um volume isolado (a
célula) tornam-se capazes de se alimentar e de se reproduzir
de forma autônoma. Seguindo o paralelo, a mente é uma
propriedade emergente do cérebro, que ocorre quando o cérebro
atinge um certo nível de complexidade neuronal. Ninguém
sabe como ainda.
Existe também o aspecto evolucionário,
as mudanças no cérebro desde espécies mais
primitivas até o homem. A inteligência atua em níveis
diversos, e defini-la é um problema. Existe o conceito de
inteligência coletiva (formigas e abelhas), inteligência
emocional e inteligência como capacidade de adquirir e aplicar
conhecimento. A inteligência vem da arquitetura cerebral e
está relacionada de forma não óbvia com o tamanho
e nível de atividade neuronal. Se entendêssemos inteligência,
já teríamos fabricado inteligência artificial.
O desafio que a mente nos apresenta
é que, tal como o Cosmo, não podemos investigá-la
de fora para dentro. A mente tem de entender a si própria.
Mas atualmente não sabemos nem menos se a mente começa
e termina no indivíduo ou se existem ligações
entre indivíduos ou mesmo entre o indivíduo e o Cosmo.
Mas isso fica para outra semana.