Ao
escrever que Deus não joga com dados, Einstein demonstrou
incômodo com a mecânica quântica
Talvez o leitor tenha já ouvido falar da famosa frase de Einstein
em carta ao físico Max Born, de 4 de dezembro de 1926, popularizada
como "Deus não joga dados". Que dados e que Deus
eram esses?
Einstein referia-se à física quântica,
que explica o comportamento dos átomos e das partículas
subatômicas, como elétrons, prótons e fótons,
as "partículas de luz".
Os "dados" aqui aludem a probabilidades,
ao fato de no mundo quântico ser impossível determinar
onde um objeto vai estar. No máximo, podemos calcular a probabilidade
de ele ser encontrado aqui ou ali, com esta ou aquela energia.
Isso era bem diferente da física anterior,
na qual ao saber a posição e velocidade de um objeto
era possível, em princípio, determinar sua posição
futura com precisão limitada só pelo instrumento de
medida.
Para Einstein, uma física não determinista
não podia ser a última palavra na descrição
da natureza.
Outra versão, mais abrangente, deveria explicar
as probabilidades e os paradoxos do mundo quântico. Aparentemente,
Einstein estava equivocado. Deus joga dados sim.
A versão completa da frase de Einstein é
um pouco diferente: "A mecânica quântica é
certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que não
é ainda a coisa real. A teoria diz muito, mas não nos
traz mais perto dos segredos do Velho. Eu, pelo menos, estou convencido
de que Ele não joga com dados".
O "Velho" aqui é uma figura metafórica
representando não o Deus judaico-cristão, mas o espírito
da natureza, a essência da realidade.
Para Einstein, a função da ciência
é desvendar essa estrutura, revelar como funciona o mundo.
Por outro lado, ele tinha consciência de que
nossas formulações científicas eram meras aproximações
do que realmente ocorre: "Vejo a natureza como uma estrutura
magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente e
que deveria inspirar em qualquer pessoa com capacidade de reflexão
um sentimento de humildade".
O que incomodava Einstein era a interpretação
da mecânica quântica, que diferia da sua visão
de mundo. Em parte, foi ele mesmo o culpado, ao propor que a luz podia
ser interpretada como onda (como todos já sabiam em 1905) ou
como partícula. Como é que a mesma coisa poderia se
manifestar de formas tão diferentes?
A coisa piorou quando a equação descrevendo
elétrons em torno de núcleos atômicos, a "mecânica
ondulatória" que Erwin Schrödinger propôs em
1926, descrevia algo imaterial. Em vez de uma onda normal, como uma
de água, a equação descreve uma "função
de onda" cuja interpretação, proposta por Born,
era muito estranha: o quadrado (para os experts, valor absoluto) da
função dava a probabilidade de medirmos a partícula
em determinada posição ou com determinada energia.
Ou seja, a equação fundamental da matéria
não descrevia matéria!
Nesse caso, a essência da natureza não
era algo de concreto, mas uma abstração matemática.
A teoria funcionava, mas sua interpretação era um mistério.
Esse era o problema que Einstein tinha com o Deus que joga dados.
E até hoje, quando físicos começam a pensar no
assunto, não conseguem evitar uma certa ansiedade, mesmo com
todo o sucesso da física quântica.