Marcelo Gleiser
> A escolha é sua - destino ou livre-arbítrio
23/01/2014
"Para mim, parece que o livre-arbítrio
não é simplesmente 'preto e branco' ou 'sim
e não', mas uma questão que abraça
completamente a complexidade do que significa ser humano."
- Marcelo
Gleiser
Físico brasileiro, Marcelo
Gleiser reflete sobre a questão do livre-arbítrio
com base nos estudos da neurociência. É o livre-arbítrio
uma ilusão? Confira abaixo:
Todos querem ser livres ou ao
menos terem alguma escolha na vida. Todos temos nossas vidas profissionais,
família e comprometimentos sociais. Por outro lado, grande
parte das pessoas acredita que são livres para escolher
o que fazem, do mais simples ao mais complexo: devo tomar café
com açúcar ou adoçante? Coloco o dinheiro
na poupança ou gasto tudo? Devo votar nas próximas
eleições? Devo me casar com a Carmem ou não?
A questão do livre-arbítrio é essencialmente
uma questão de agente, de quem está encarregado
enquanto cruzamos a vida fazendo tomando diversos tipos de decisão.
Tradicionalmente, tem sido um tópico para filósofos
e teólogos. Mas, trabalhos recentes na neurociência
estão forçando uma reconsideração
sobre o livre-arbítrio, ao ponto de questionarem nossa
liberdade de escolha. Muitos neurocientistas e alguns filósofos
consideram o livre-arbítrio uma ilusão. Sam Harris,
por exemplo, escreveu um livro sobre o tema.
Sua conclusão chocante vem de uma série de experimentos
que revelaram algo impressionante: nossos cérebros decidem
o curso da ação antes de sabermos. Dos estudos pioneiros
com eletroencefalograma de Benjamin Libet, nos anos 1980, a investigações
mais recentes usando ressonância magnética ou implantes
diretamente nos neurônios, a região motora responsável
por executar um movimento em resposta disparou antes da mente
decidir sobre o movimento.
Se isso for verdade, as escolhas que pensamos que estamos fazendo,
expressões de nossa liberdade, são feitas de forma
subconsciente sem nosso controle explícito. É possível
que sejamos tão iludidos?
A situação não é tão simples,
porque definir livre-arbítrio é complicado. Uma
definição operacional é que livre-arbítrio
é a habilidade de tomar decisões. Claro, estamos
sempre sujeitos a todos os tipos de constrições
em nossas vidas, da genética a como somos criados. Não
existe uma página em branco sobre a qual decidimos. Mesmo
assim, não pode ser que sejamos levados a crer que somos
os agentes conscientes de opções quando não
somos?
Um argumento popular contra o livre-arbítrio é o
seguinte: imagine que, no futuro, cientistas serão capazes
de mapear e decodificar todos os nossos estados mentais com precisão.
Eles, então, poderão prever o que você fará
antes que você saiba de sua decisão. Se esta situação
algum dia for possível – e me parece que não
é por muitos motivos – a ideia de livre-arbítrio
estaria em problemas. Mas, claro, tal abstração
é mera fantasia: máquinas não podem medir
todos os nossos estados mentais em rápida sucessão
se nem nós sabemos como esses estados emergem. Qualquer
medição que precise rastrear bilhões de neurônios
e trilhões de sinapses em um espaço de tempo é
improvável.
Há um risco de trivializar a questão, cortando-a
para que possa ser analisada quantitativamente. Os experimentos
estão limitados a decisões longe da verdadeira complexidade
das escolhas que fazemos em nossas vidas, aquelas que envolvem
muito pensamento cíclico, confusão, ponderação,
conversa com outras pessoas e tempo para chegar a uma conclusão.
Existe um grande abismo entre a complexidade cognitiva e apertar
botões em um laboratório para decidir com quem você
vai casar, qual profissão seguirá ou se você
cometerá um assassinato (colocando desordens mentais de
lado). Quando se trata das decisões que tomamos na vida,
existe um espectro de complexidade e isso se reflete no livre-arbítrio.
Alguns de fato acontecem antes da consciência ter conhecimento
e outros não.
Para mim, parece que o livre-arbítrio não é
simplesmente "preto e branco" ou "sim e não",
mas uma questão que abraça completamente a complexidade
do que significa ser humano.
Fonte:
Folha de São Paulo
http://www.fronteiras.com/artigos/marcelo-gleiser-a-escolha-e-sua-destino-ou-livre-arbitrio
MARCELO GLEISER é professor de física
teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação
Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
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