Na física moderna, o espaço
vazio, o 'Nada', pode abrigar flutuações capazes de
dar origem a todo um universo
Recentemente, envolvi-me num debate com o físico Lawrence
Krauss, que publicou um livro no qual afirma que a física
hoje explica como o Universo surgiu do nada. Ou seja, a velha questão
da Criação sob roupagem científica, e mais
um exemplo de arrogância intelectual.
É bom começar com
Aristóteles, que decidiu que a "natureza detesta o vácuo",
declarando que o "nada" não existe, ao menos como
vazio absoluto. Para ele, o espaço era pleno de éter,
a substância dos planetas e demais objetos celestes.
No século 17, Descartes também
propôs que a natureza era plena. Os planetas eram carregados
em torno do Sol por redemoinhos celestes, criados pela circulação
duma substância que enchia o espaço.
Newton mostrou que Descartes estava
errado, argumentando que a fricção causaria a queda
da Lua sobre a Terra. Para ele, a gravidade podia ser explicada
por uma força à distância, agindo no vazio.
Esse pingue-pongue continuou até
o século 19, quando James Maxwell mostrou que a luz é
uma onda eletromagnética. Como toda onda, precisava dum meio
para se propagar. Maxwell e outros sugeriram o éter, diferente
do dos gregos, mas que preenchia o espaço sem provocar fricção
nas órbitas celestes.
Em 1905, Einstein mostrou que o
éter era desnecessário: as ondas de luz podem se propagar
no espaço vazio. Mais uma vez, o éter some.
Em torno da mesma época veio
a mecânica quântica, para explicar a física dos
átomos. Foi então que tudo mudou: as regras no mundo
dos átomos são diferentes das do nosso mundo. Mais
precisamente, seus efeitos existem no nosso mundo, mas são
imperceptíveis.
No mundo atômico, nada para.
A matéria vibra incessantemente, feito gelatina sacudida.
Se você tenta localizar um elétron num ponto do espaço,
ele escapa feito uma gota de mercúrio. Esse é o princípio
da incerteza de Heisenberg, que impõe um limite absoluto
na informação que podemos obter do mundo.
Como movimento tem energia, o princípio
também diz que a energia nunca é zero. Na física
moderna, representamos uma partícula como excitação
de um campo. O espaço é permeado por campos que, de
vez em quando, criam partículas.
Os campos vibram incessantemente
e, com isso, podem criar partículas com energias variadas:
quanto maior a energia, menos tempo essas partículas duram,
retornando ao "nada" de onde vieram, o campo vazio (ou
vácuo). Se incluirmos a gravidade nesse esquema, e entendendo
que é interpretada como a curvatura do espaço causada
pela matéria, flutuações quânticas no
campo gravitacional levam à flutuações na curvatura
do espaço.
Temos, então, o espaço
vazio, o "Nada", onde uma flutuação pode
levar a uma bolha de espaço, um cosmoide que pode crescer
e se transformar num universo inteiro.
É assim que a cosmologia
descreve a criação do Universo a partir do nada. Esse
tipo de explicação pressupõe toda uma estrutura
conceitual, e não faz sentido sem ela. Já não
basta celebrar a inventividade humana, capaz de criar teorias desse
tipo, sem ter de elevá-la a um nível divino? Parece-me
óbvio que a mente humana não pode criar num vácuo:
o "nada" absoluto é importante como instrumento
metafísico, mas sem importância no mundo real.