Uma briga entre a física e a filosofia
A questão sobre a origem das coisas
faz parte de todas as culturas. Será que a ciência
pode resolvê-la?
Uma controvérsia vem se espalhando pela
mídia americana. Qual a relação entre a ciência
(mais propriamente a física) e a filosofia (mais propriamente
da ciência)? Parece coisa meio arcana, mas não é.
Essa é uma briga antiga,
reacendida quando o físico Lawrence Krauss publicou "O
Universo do Nada: por que existe algo em vez de nada". Nele,
Krauss explica como a física tem se aproximado de uma explicação
para a pergunta sobre a origem de todas as coisas.
Sabemos que essa é uma questão
antiga, parte de todas as culturas. Mas Krauss não dá
bola para a antropologia cultural ou para a teologia e a filosofia.
Para ele, exemplar típico da posição do "cientismo",
só a ciência pode chegar a respostas úteis sobre
esse tipo de questão.
O livro de Krauss foi demolido no
"New York Times" pelo filósofo e físico
David Albert, que questionou se Krauss entende o que significa o
"nada". Resumindo, Albert argumenta que a física
pressupõe a existência de campos fundamentais para
definir sua versão do "nada". Portanto, esse não
é o nada absoluto, mas é algo. A ciência só
faz sentido quando definida sobre uma estrutura conceitual, começando
pelas noções de espaço, tempo e energia.
Krauss respondeu em uma entrevista
para o blog da revista "The Atlantic", chamando filósofos
de idiotas. Arrependido, se desculpou na "Scientific American",
algo extremamente embaraçoso.
Como descrevo no livro "A Dança
do Universo", há apenas duas soluções
para a questão da origem do Cosmo: ou ele surgiu em um momento
do passado ou é eterno. Não é uma coincidência
que universos eternos ou oscilantes ou com um começo apareçam
tanto em mitos de criação quanto em modelos matemáticos
do Cosmo. A diferença crucial é que, em ciência,
podemos usar dados para diferenciar os modelos e decidir quais podem
ser úteis.
O problema da origem de tudo nos
remete à questão da Primeira Causa. Se descrevemos
a realidade como uma sequência de eventos, ao irmos ao passado
chegamos ao primeiro evento, o que por definição não
tem uma causa.
Mitos de criação pressupõem
entidades transcendentes, deuses além do espaço, do
tempo e das leis da natureza. Se você se satisfizer com uma
explicação sobrenatural do mundo, o problema acaba.
A ciência se opõe ao
sobrenatural. Seu dogma central é que a natureza é
inteligível: com a aplicação da razão,
podemos construir explicações que podem ser testadas.
Será que a ciência
pode então resolver a questão da origem de tudo? Os
modelos que tentam fazê-lo usam conceitos da física
quântica, onde o nada absoluto não existe.
Existe, sim, uma energia residual,
que chamamos de energia de ponto zero. O vácuo é permeado
por essa energia. O problema é que não sabemos como
tratar dela. Quando aplicamos a física quântica ao
Universo, a energia de ponto zero causa a implosão cósmica.
Se isso fosse correto, não estaríamos aqui. Temos
ainda muito o que aprender.
Ao mostrar a ciência de forma
triunfal, Krauss confunde mais do que esclarece. Mesmo que tenha
dito que questões continuam em aberto, o título do
livro indica algo falso. Apesar dos avanços da ciência,
modelos sobre a criação do Cosmo permanecem especulativos.