1. AS MESAS GIRANTES
Das coisas aparentemente mais insignificantes,
surgem as mais assombrosas. Kardec lembra, na "Introdução
ao Estudo da Doutrina Espírita", que as experiências
de Galvani se iniciaram com a observação da dança
das rãs. Hoje poderíamos lembrar que as maiores explosões
do século foram produzidas pelo átomo, a partícula
infinitesimal da matéria. Nada há de estranho, portanto,
em que a "descoberta do espírito", pelo método
científico experimental, tenha por ponto de partida a observação
da dança das mesas. Tudo quanto se tem dito e escrito, para
ridicularizar o Espiritismo, a propósito da dança das
mesas, pode ser refutado com esta simples observação
de Kardec, no mesmo texto citado: "É provável
que, se o fenômeno observado por Galvani, o tivesse sido por
homens vulgares e caracterizado por um nome burlesco, estaria ainda
relegado ao lado da varinha mágica. Qual, com efeito, o sábio
que não se teria julgado diminuído ao ocupar-se da dança
das rãs?"
O Prof. Hippolite Léon Denizart
Rivail interessou-se pelas mesas girantes em 1854, quando um seu amigo,
o Sr. Fortier, lhe falou a respeito. O Prof. Rivail contava então
cinquenta anos de idade. Era um conhecido autor de obras didáticas,
adotadas nas escolas francesas, membro da Academia Real de Arras,
discípulo de Pestalozzi e propagandista dos princípios
pedagógicos do mestre, professor no Liceu Polimático,
autor de uma gramática francesa e de um manual de preparação
para os cursos científicos da Sorbonne. Homem de cultura ampla
e sólida, dedicado aos estudos positivos, vos, e não,
como querem fazer crer os adversários do Espiritismo, um místico
de pretensões messiânicas. Muito longe estava disso o
Prof. Rivail. E tanto assim que, quando o Sr. Fortier lhe afirmou
que as mesas girantes "falavam", sua resposta foi a seguinte:
"Só acreditarei ao vê-lo, e quando me provarem
que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e
que pode tornar-se sonâmbula. Até lá, permita-me
não ver no caso mais do que uma história para nos fazer
dormir em pé."
A referência ao sonambulismo nos lembra que o Prof. Rivail,
como o seu amigo Fortier, estudava o magnetismo, a cujos estudos dedicou,
aliás, numerosos anos, sempre na mais rigorosa linha de observação
científica. "Eu estava então na posição
dos incrédulos de hoje — anotaria Kardec mais tarde
— que negam, apenas por não ter visto, um fato que
não compreendem." Logo mais, anotaria ainda: "Achava-me
diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às
leis da natureza, e que a minha razão repelia. Ainda nada vira,
nem observara. As experiências realizadas na presença
de pessoas honradas, dignas de fé, confirmavam a minha opinião,
quanto à possibilidade de um efeito puramente material. A ideia,
porém, de uma mesa-falante, ainda não me entrara na
mente."
Como se vê, os materialistas que hoje negam os fenômenos
espíritas, sem estudá-los, e querem tudo atribuir a
efeitos materiais, nada fazem de novo. O próprio Kardec procedeu
assim, quando esses mesmos fenômenos exigiram a sua atenção.
No ano seguinte, em 1855, o Sr. Carlotti falou ao Prof. Rivail dos
mesmos fenômenos, com grande entusiasmo. Kardec anota, a respeito:
"Ele era corso, de temperamento ardoroso e enérgico,
e eu sempre lhe apreciara as qualidades que distinguem uma grande
e bela alma, porém, desconfiava da sua exaltação.
Foi o primeiro a me falar da intervenção dos espíritos,
e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer,
aumentou-me as dúvidas. Um dia o senhor será dos nossos,
concluiu. Não direi que não, respondi-lhe: veremos isso
mais tarde."
Em princípios de maio de 1855,
em companhia do magnetizador Fortier, o Prof. Rivail dirigiu - se
a casa da sonâmbula Madame Roger, onde foi convidado pelo Sr.
Fortier para assistir as reuniões que se realizavam na residência
da Sra. Plainemaison, à rua Grange Batelière. Numa terça-feira
de maio, às 20 horas (infelizmente o lugar do dia ficou em
branco nas anotações), teve oportunidade de assistir
"a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica
numa ardósia, com o auxílio de uma cesta."
É o antigo processo da "cesta de bico",
ou seja, uma cestinha com um lápis amarrado ao lado, pendurada
sobre a mesa, e em cujas bordas os médiuns colocavam as mãos,
produzindo a escrita. Viu também, pela primeira vez, a dança
das mesas, que descreveu nestes termos: "Presenciei o fenômeno
das mesas, que giravam, saltavam e corriam, em condições
tais que não havia lugar para qualquer dúvida."
Acentuemos que esta expressão
de Kardec: "não havia lugar para qualquer dúvida"
é de grande importância, dado o seu rigoroso critério
de observação. Algumas pessoas contrárias ao
Espiritismo, entre as quais se destacam vários sacerdotes hipnotizadores,
esforçam-se até hoje para demonstrar que a dança
das mesas é produto de fraude ou mistificação.
Quem tiver a oportunidade de assistir a uma experiência desse
tipo, numa sala, com pessoas amigas ou insuspeitas — e elas
podem ser feitas em qualquer lugar, desde que em ambiente tranquilo
e sadio — verificará sem dificuldades que a fraude é
impossível. A mesa se move por si, muitas vezes com violência,
chegando mesmo a levitar, erguer-se no espaço, sem contato
ou apenas com um leve contato das mãos. Basta que exista um
médium de efeitos físicos, e que se observem as condições
necessárias, deixando-se a mesa o mais livre possível
do contato das pessoas, em plena luz, para que a suspeita de fraude
se torne até mesmo ridícula, diante da evidência
do fenômeno. As experiências malfeitas, por pessoas de
boa-fé, que não tomam as devidas cautelas, é
que dão motivo às suspeitas, de que se servem os adversários
do Espiritismo.
Na casa da Sra. Plainemaison o Prof.
Rivail travou conhecimento com a família Baudin, e passou a
frequentar as sessões semanais que o Sr. Baudin realizava em
sua residência, à rua Rochechouart. As médiuns
eram duas meninas, filhas do dono da casa, Julie e Caroline Baudin,
de 14 e 16 anos, respectivamente. As reuniões eram frívolas,
e Kardec as define assim: "A curiosidade e o divertimento
eram os objetivos capitais de todos." O espírito
que presidia os trabalhos dava o nome simbólico de Zéfiro,
"nome perfeitamente de acordo com o seu caráter e
o da reunião", dizem as notas. Não obstante,
mostrava-se bondoso e dizia -se protetor da família. Kardec
acrescenta: "Se, com frequência, fazia rir, também
sabia, quando necessário, dar conselhos ponderados e utilizar,
quando havia ensejo, o epigrama, espirituoso e mordaz."
O Prof. Rivail não comparecia
às reuniões com o objetivo frívolo de divertir-se.
Queria observar os fenômenos e tirar as suas deduções.
Bastou a sua presença, para que o teor das reuniões
se modificasse. Submetido a perguntas sérias, Zéfiro
mostrou-se capaz de respondê-las, senão por si mesmo,
pelo menos assessorado por outras entidades. Vejamos, pelas suas próprias
anotações, como Kardec conseguiu fazer que a dança
das mesas e a própria dança da cesta se transformassem,
de coisas aparentemente insignificantes, nos instrumentos de transmissão
da poderosa mensagem espiritual que o mundo recebeu, no cumprimento
da promessa messiânica do Cristo: "Foi nessas reuniões
— dizem as notas — que comecei os meus estudos sérios
de Espiritismo, menos por meio de revelações, do que
de observações. Apliquei a essa nova ciência,
como o fizera até então, o método experimental.
Observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências;
dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução
e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo
por válida uma explicação, senão quando
resolvia todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedi
sempre, em meus trabalhos anteriores, desde a idade entre 15 e 16
anos."
2. A MENSAGEM DA CESTA
A revelação mosaica,
lendariamente ou não, nasceu de uma cesta — a cestinha
de vime em que a princesa egípcia encontrou Moisés nas
águas do Nilo — e a revelação cristã,
das palhas de uma manjedoura. Da mesma maneira, podemos dizer que
a revelação espírita nasceu da cesta-de-bico
ou cesta-escrevente. Se nos dois primeiros casos a distância
não nos permite afirmar a realidade ou o sentido puramente
alegórico da cesta e da manjedoura, no caso da revelação
espírita não há dúvida possível.
Assim, de certa maneira, a origem simbólica das revelações
anteriores se confirma no simbolismo real da revelação
moderna.
O vime e a palha são produtos
da terra, mas a cesta e a manjedoura são manufaturas. A natureza
leve desses produtos vegetais dá-lhes a aparência de
uma emanação: a vida que rompe a densidade material
do solo, buscando a fluidez atmosférica. O trabalho de modelagem
do homem é um socorro do espírito a essa matéria
em ascensão. A cesta ou a manjedoura, concluídas, consubstanciam
o impulso de transcendência da vida e a resposta da consciência
humana a esse impulso. Estamos diante de um fetiche, de uma obra de
magia, de um artefato em que se misturam as forças da terra
e os poderes da mente. A impregnação espiritual da matéria
pelo espírito, através do trabalho, resultando na síntese
dialética do instrumento, permite a integração
deste num plano superior da vida, que é o plano social. O Messias,
que revela novas dimensões do processo vital, pode então
apoiar-se nesse instrumento dúctil e vibrátil, para
ofertar aos homens a messe de uma nova revelação.
A cesta-escrevente é a mais aprimorada forma desse símbolo
da transcendência. Quando as meninas Baudin punham as mãos
angélicas nas suas bordas, — mãos de criança,
impregnadas mediunicamente pelo magnetismo espiritual — a cesta-escrevente
ascendia ao plano da inteligência, inserindo-se na fronteira
do visível com o invisível. Então, rompia-se
docemente a grande barreira, para que a mensagem do Espírito
fluísse sobre a Matéria, e as Inteligências libertas
pudessem confabular com as inteligências escravizadas no cérebro
humano. Foi esse o mistério que o Prof. Rivail soube ver, com
intuição plena de suas consequências, ao interpelar
os Espíritos nas sessões da casa do Sr. Baudin, e mais
tarde na casa do Sr. Roustan, com a médium Srta. Japhet.
Ninguém poderia dizer melhor, de maneira mais sintética
e mais profunda, o que foi esse momento, do que o próprio Kardec,
neste breve trecho de suas anotações particulares: "Compreendi,
antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender.
Percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão
obscuro e controvertido, do passado e do futuro da humanidade, a solução
que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução
nas ideias e nas crenças. Fazia-se necessário, portanto,
andar com maior circunspecção, e não levianamente;
ser positivista e não idealista, para não me deixar
iludir." Como se vê, a cautela do homem maduro, experiente,
culto, acostumado a tratar os problemas humanos com os pés
bem firmados na terra, mas de olhos atentos ao brilho do céu.
Moisés havia enfrentado, na
antiguidade bíblica, os problemas da mediunidade, a partir
dos "Mistérios" egípcios, levando consigo
pelo deserto um grupo de médiuns, à frente dos quais
se mantinha, nas ligações com o mundo espiritual. Jesus
fizera o mesmo, com o seu grupo de apóstolos, chegando ao episódio
das materializações do Tabor, e mais tarde das suas
próprias manifestações nas reuniões apostólicas.
Mas, para ambos, faltara a condição ambiente, a receptividade
da mente humana para a compreensão exata do processo mediúnico.
Moisés e Jesus haviam trabalhado o barro místico do
mundo antigo, modelando-o, com dificuldade, na possível vasilha
destinada a receber, mais tarde, o conteúdo do espírito.
O Prof. Rivail surgia muito depois da Idade Média e da Renascença,
depois do Mundo Moderno, no limiar do Mundo Contemporâneo. Tinha
diante dos olhos a vasilha preparada, e ao alcance das mãos
o conteúdo que a ela se destinava. Estava livre das injunções
do misticismo, em plena era da razão, e podia não somente
encarar, mas também e principalmente apresentar ao mundo o
problema, em sua verdadeira natureza.
Armado dos instrumentos culturais
da época, e da intuição necessária a superá-los,
quando preciso, o Prof. Rivail soube tirar da cesta-escrevente, para
o novo mundo em que se encontrava, as mesmas consequências,
já agora com maiores possibilidades de desenvolvimento e aproveitamento,
que a antiguidade bíblica e a antiguidade clássica haviam
tirado da cesta-flutuante do Nilo e da cesta-resplendente de Belém.
Se Moisés e Jesus ouviam o Mundo Espiritual e ofereciam aos
homens a orientação para a transcendência, o Prof.
Rivail viu-se em condições de interpelar esse mundo,
penetrar nos seus segredos, dialogar com ele e convidar os homens
a acompanhá-lo nesse diálogo. A cesta-escrevente foi
apenas o ponto de partida de um imenso diálogo, no plano da
inteligência, da razão, e da própria experimentação
científica, entre o Visível e o Invisível, que
se prolongaria pelo futuro.
A natureza desse diálogo não
é mística, não é messiânica, porque
os tempos são outros, e as portas do antigo mistério
se abriram ao impacto do raciocínio e da linguagem dos homens.
Vejamos ainda as anotações íntimas de Rivail:
"Um dos primeiros resultados que colhidas minhas observações,
foi que os Espíritos, não sendo mais do que as almas
dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem
a ciência integral. Que o saber de que dispunham se reduzia
ao grau de adiantamento que haviam atingido, e que suas opiniões
só tinham o valor das opiniões pessoais. Reconhecida
esta verdade, desde o princípio, ela me preservou do grave
escolho de acreditar na infalibilidade dos Espíritos, e me
impediu ao mesmo tempo de formular teorias prematuras, com base no
que fosse dito por um ou por alguns deles." Esta posição
de Kardec é de importância fundamental para a compreensão
do Espiritismo. Por não a conhecerem, ou por terem propositalmente
fechado os olhos e os ouvidos diante dela, espíritas, não-espíritas
e antiespíritas, têm cometido as mais graves injustiças
ao codificador da doutrina e a sua obra.
Partindo da constatação
de um fato: a existência de um mundo invisível que circundava
o visível, o Prof. Rivail iniciou a exploração
desse mundo. A mensagem da cesta-escrevente lhe abrira as portas desse
aspecto desconhecido da natureza, que uns fantasiavam e outros negavam,
em virtude mesmo da impossibilidade de conhecê-lo. Dali por
diante, a alma não seria mais do "outro mundo", mas
deste mundo, e os mistérios do além-túmulo estariam
abertos à investigação positiva. Pouco importa
que os céticos tenham acusado Kardec de precipitação,
enquanto os místicos o acusavam de andar demasiado lento. O
próprio tempo se incumbiu de mostrar com quem estava a razão.
Das investigações espíritas do Prof. Rivail surgiram
as experiências da Metapsíquica, as Sociedades de Pesquisa
Psíquica, e em nossos dias as investigações da
Parapsicologia, em pleno campo universitário, todas elas confirmando
— esta última pelos métodos mais modernos e rigorosos
— aquilo que podemos chamar "a mensagem da cesta".
3. O ESPÍRITO VERDADE
A mensagem da cesta-escrevente, como
podemos ver no estudo da obra de Kardec, é a da natureza positiva
da alma, da sobrevivência do homem, não como fantasma,
mas na plenitude de sua personalidade. Ela tornou possível
a investigação do mundo espiritual, através dos
próprios métodos da ciência experimental. Mas
a ciência nada mais é que uma forma de relação,
pela qual o sujeito conhece o objeto. Se a mensagem da cesta-escrevente
não fosse além disso, estaríamos tão-somente
em face de um novo capítulo do desenvolvimento científico
— exatamente o capítulo que coube a Richet, no século
passado (XIX), e a Rhine, neste século (XX), desenvolverem,
com a elaboração sucessiva da Metapsíquica e
da Parapsicologia. Em outras palavras: o Espiritismo não seria
mais do que um capítulo da Ciência.
Muito mais profunda, porém,
se apresenta a mensagem da cesta-escrevente, quando o Prof. Rivail,
na sessão de 25 de março de 1856, em casa do Sr. Baudin,
pergunta ao Espírito que o orienta qual é a sua identidade.
A resposta foi registrada nas anotações particulares
de Kardec, e hoje podemos lê-la em "Obras Póstumas".
Foi a seguinte: "Para ti, chamar-me-ei Verdade."
No momento, certamente, ninguém percebeu o sentido dessa resposta.
O próprio Kardec anotará, mais tarde: "A proteção
dêsse Espírito, cuja superioridade eu estava, então,
longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou." Kardec acentua
ainda, nas anotações sobre a sessão de 8 de abril
do mesmo ano, que o Espírito Verdade lhe prometera ajuda, para
a realização da sua obra, inclusive no tocante à
vida material. A resposta do Espírito, nesse ponto, encerra
uma lição de amor: "Nesse mundo, a vida material
tem de ser levada em conta, e não te ajudar a viver seria não
te amar."
A análise destes fatos é
suficiente para destruir algumas tentativas de confusão sobre
a obra de Kardec, lançadas no meio espírita, e segundo
as quais o Espírito Verdade só o teria auxiliado na
elaboração de "O Livro dos Espíritos".
Veja-se a anotação do próprio Kardec, de que
a proteção desse Espírito jamais lhe faltou.
E veja-se a declaração do próprio Espírito,
de que o protegeria até mesmo no tocante aos problemas da vida
material, para que ele pudesse desincumbir-se da missão que
lhe era confiada. O Espírito Verdade não era apenas
um símbolo, mas o Guia Espiritual de toda uma falange de Espíritos
Superiores, incumbida de dar cumprimento à promessa do Cristo
sobre o advento do Consolador. Essa falange, por sua vez, não
se restringe ao plano espiritual, mas se projeta na vida material,
através da encarnação dos seus elementos, incumbidos
de atuarem neste plano. Daí a referência do Espírito
Verdade ao amor que o ligava a Kardec e lhe impunha a necessidade
de assisti-lo ao longo de sua vida.
Na sessão de 30 de abril de
1856, em casa do Sr. Roustan, através da mediunidade da Srta.
Japhet, o Prof. Rivail tem, como ele mesmo anotou, a primeira revelação
da sua missão. Conversava-se, numa reunião "muito
íntima", sobre as transformações sociais
em perspectiva, quando a médium, tocando na cesta, escreveu
espontaneamente uma bela mensagem, em que anunciava uma fase de destruição,
seguida de outra para reconstrução. A interpretação
dos presentes, inclusive a do Prof. Rivail, como se vê pelas
suas notas, foi imediatista. As coisas anunciadas, entretanto, deviam
realizar-se em plano mais amplo. Vejamos este trecho: "Deixará
de haver religião; uma, entretanto, se fará necessária,
mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador. Seus primeiros alicerces
já foram colocados. Quanto a ti, Rivail, tua missão
se refere a esse ponto."
Participava da reunião um moço
que Kardec designa apenas pela inicial M., explicando que era dotado
"de opiniões radicalíssimas, envolvido nos
negócios políticos e obrigado a não se colocar
muito em evidência." Um revolucionário, portanto.
O Espírito toma esse moço como símbolo da primeira
fase, a de destruição, e aponta para ele o lápis
da cesta, afirmando: "A ti, M., a espada que não fere,
mas que mata; és tu que virás primeiro. Ele, Rivail,
virá a seguir; é o obreiro que reconstrói o que
foi demolido." Ao dirigir-se a Kardec, a cesta apontou para
ele o lápis, novamente, "como o teria feito uma pessoa
que me apontasse com o dedo", segundo a anotação.
Kardec informa que M., "acreditando tratar-se de uma próxima
subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar planos
de reforma". A mensagem, porém, tinha sentido mais
amplo e mais profundo, e suas profecias ainda se realizam, ainda se
processam aos nossos olhos.
André Moreil, em seu livro
recente sôbre a vida e a obra de Allan Kardec (Editions Sperar,
Paris, 1961 — "La Vie et L'Oeuvre d'Allan Kardec"),
acentua que o obreiro escolhido para a reconstrução
se pôs a trabalhar, mas era "um obreiro que tinha atrás
de si uma longa experiência pedagógica, que sabia tratar
do problema, realizar as experiências necessárias, enquadrá-lo
num conjunto harmonioso e arquitetural". Conclui afirmando:
"Esse pensador laborioso é um arquiteto, e o edifício
por ele construído não poderá jamais ser destruído
pela crítica ou o assalto dos adversários."
Essa proclamação de Moreil, feita com pleno conhecimento
da causa espírita, nas letras francesas de hoje, reafirma a
perenidade da obra de Kardec e a sua vitalidade na França,
de onde os adversários querem nos convencer que ela foi excluída.
A obra de Moreil tem ainda outro sentido, ou seja, o de mostrar que
a interpretação do Espiritismo em seu tríplice
aspecto, segundo o apresentaram Kardec, Sausse, Denis e outros, —
como ciência, filosofia e religião — conserva sua
plena e vigorosa validade no moderno pensamento espírita da
França.
Com respeito ao Espírito Verdade,
Moreil sustenta a reivindicação kardeciana: "A
obra espírita de Allan Kardec, no seu aspecto religioso, aparece
como um ditado do Espírito da Verdade, que é justamente
o Consolador. O Espiritismo é, portanto, a religião
fundada na promessa do Cristo: é o Terceiro Testamento anunciado
aos homens." E esclarece, a seguir: "O que é
novo, portanto, no Espiritismo, em relação à
religião cristã, é a explanação
mais lógica e mais profundamente moral dos Evangelhos, no que
eles possuem desde há dois mil anos." E a propósito
da incompreensão da natureza tríplice do Espiritismo,
particularmente dos seus aspectos científico e religioso, Moreil
formula a observação aguda e oportuna de que, para os
sábios e para os teólogos, a religião espírita
é um absurdo. "Uns e outros — acentua ele
— acham bons pretextos para menosprezar a religiosidade do Espiritismo,
como se a verdade fosse dogmática ou ateísta."
4. A FALANGE DO CONSOLADOR
Desde a promessa de Jesus, no Evangelho
de João, até a vinda do Consolador, podemos ver, através
da História, o trabalho bimilenar de preparação
que se realizou, para o seu cumprimento. Bastaria isso para nos mostrar
a importância daquele momento em que o Espírito da Verdade
se identificou para o Prof. Rivail. Após dois mil anos de fermentação
histórica, de doloroso amadurecimento do homem, de criminosas
deformações da mensagem cristã, afinal se tornava
possível o restabelecimento dos ensinos fundamentais em sua
pureza primitiva. De um lado, o Espírito da Verdade se apresentava
aos homens, à frente de elevadas entidades espirituais, que
voltavam à terra para completar a obra do Cristo; de outro
lado, Allan Kardec se colocava a postos, à frente de criaturas
espiritualizadas, dispostas a colaborarem na imensa tarefa. O Céu
e a Terra se encontravam e se davam as mãos. A Falange do Consolador
não era apenas uma graça que descia do alto, mas também
uma equipe de trabalhadores humanos, que se elevava para recebê-la.
A própria intimidade, logo
estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as
relações afetivas que se desenvolveram entre ambos,
prolongando-se na consolidação de uma profunda confiança
espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é
suficiente para mostrar-nos quanto se achavam integrados no mesmo
esforço, para a consecução do mesmo objetivo.
Se o Espírito da Verdade comandava, por assim dizer, as atividades
no plano espiritual, Allan Kardec fazia o mesmo no plano material.
A Falange do Consolador se apresentava, portanto, como aquele grande
exército espiritual, de que nos fala Conan Doyle, que tinha
à frente uma turma de batedores. Desta vez, porém, os
batedores estavam encarnados, constituíam a ponta-de-lança,
a vanguarda terrena. E seu chefe, seu comandante, seu orientador,
era o Prof. Rivail, um homem de cinquenta anos de idade, largamente
experimentado, duramente provado, intensamente preparado para a grande
missão. Somente ele, com o discernimento, a serenidade, a acuidade
espiritual, o desprendi mento, a isenção de ânimo,
a coragem e a profunda cultura que o caracterizavam, podia colocar-se
à frente da equipe que enfrentaria o "velho mundo",
eriçado de preconceitos e ambições, para fazer
nascer entre os homens a alvorada de um mundo novo", irradiante
de compreensão e de amor.
As pessoas que, dotadas de uma certa
cultura, entusiasmam-se hoje com as possibilidades da época,
e pretendem reformar a obra de Kardec, refundi-la, ou mesmo substituí-la
por suas elucubrações pessoais ou por instruções
particulares que recebem de espíritos pseudossábios,
deviam meditar um pouco sobre a grandeza daquele momento em que o
Espírito da Verdade se revelou ao Prof. Rivail. O que então
se cumpria era uma promessa do Cristo, através de todo um imenso
processo de amadurecimento espiritual do homem terreno. Kardec era
apenas o instrumento necessário à elaboração
do Terceiro Testamento, da codificação da Terceira Revelação,
e nunca, jamais, como ele mesmo acentuou, um Revelador, um Profeta,
um Messias, ou ainda um Filósofo, que por si mesmo elaborasse
um novo sistema de pensamento. De outro lado, o Espírito da
Verdade não se dizia o detentor exclusivo da Verdade, nem o
Revelador Espiritual, mas o orientador dos trabalhos de toda a Falange
do Consolador.
Ao lado do Espírito da Verdade
encontramos toda a plêiade de entidades espirituais que subscrevem
a mensagem publicada nos "Prolegômenos" de
"O Livro dos Espíritos",
e as demais, que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas
nesse livro, bem como no "Evangelho Segundo o Espiritismo"
e nas outras obras da codificação. Além dessas
entidades, as que não transmitiram mensagens diretas, mas auxiliaram
o advento do Espiritismo, em todo o mundo, através de operações
invisíveis, mas tão importantes, ou mais ainda, do que
as visíveis e ostensivas. Ao lado de Allan Kardec, encontramos
os seus colaboradores, desde os que foram incumbidos de despertar-lhe
a atenção para os fenômenos, e a que já
aludimos várias vezes, até os médiuns que mais
diretamente o serviram, como as meninas Baudin, a Srta. Japhet, a
Srta. Ermance Dufaux, Camille Flamarion, Víctorien Sardou,
Tjedeman-Manthêse, Henri Sausse, o editor Didier, Gabriel Delanne,
os companheiros da Sociedade Espírita de Paris, aquela que
foi sua companheira de vida e de lutas, Amèlie Boudet, e tantos
outros, inclusive os que, fora de França, em todas as partes
do mundo, se dispuseram a auxiliá-lo na grande batalha.
Nem todos os componentes da Falange
do Consolador, na sua vanguarda encarnada, exerceram funções
de destaque. Entretanto, quantos trabalhadores humildes, que passaram
despercebidos aos olhos humanos, brilham felizes nas constelações
espirituais. À maneira do que se deu com a divulgação
do Cristianismo, conhecemos um grupo de espíritos que desempenharam
atividades evidentes e ocuparam posições de grande responsabilidade
no trabalho missionário, mas desconhecemos milhares de criaturas
que, por toda parte, executaram tarefas de importância fundamental,
na obscuridade e na humildade. Da mesma maneira, não conhecemos
a extensão dos trabalhos espirituais, desenvolvidos no espaço,
e ignoramos os nomes, até mesmo, dos principais Espíritos
a serviço da causa. Mas que importam os nomes, se cada qual,
no espaço e na terra, teve a sua recompensa na própria
oportunidade de trabalho?
O importante é procurarmos
compreender o que foi esse momento histórico e espiritual do
advento do Consolador. A publicação de "O
Livro dos Espíritos", em primeira edição,
a 18 de abril de 1857, em Paris, marca o primeiro impacto da Doutrina
Espírita no século. Não é ainda o livro
definitivo, em sua forma acabada, que só virá a tomar
com a segunda edição. Mas é o primeiro clarão
da grande alvorada. Depois, virão "O Livro
dos Médiuns", em 1861, desenvolvendo e completando
o livrinho "Instruções Práticas";
"O Evangelho Segundo o Espiritismo",
em 1864, tendo nessa primeira edição o título
de "Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo";
"O Céu e o Inferno", em
1865; "A Gênese, Milagres e as Predições,
Segundo o Espiritismo", em 1888. Com esse livro,
concluía a Codificação. No ano seguinte, a 31
de março, Allan Kardec deixaria o mundo, encerrando sua missão.
Mas encerrando-a apenas no tocante àquela existência,
pois o seu trabalho se prolongaria pelos séculos, e os próprios
Espíritos o advertiram da necessidade de uma nova encarnação,
para prosseguimento da obra iniciada.