O Centro Espírita não
surge arbitrariamente, nem por determinação de alguma
instituição superior do movimento doutrinário.
Ele é sempre o produto espontâneo de uma comunidade
espírita que se formou num bairro, numa vila ou numa cidade.
Essa comunidade é sempre extremamente heterogênea,
formada por espíritas e simpatizantes da Doutrina, membros
de correntes espiritualistas diversas e de religiosos indecisos
ou insatisfeitos com as seitas a que se filiaram ou que pertencem
por tradição familial. Há, porém um
denominador comum para essa mistura: o interesse pelo Espiritismo.
Esse interesse, por sua vez, decorre de vários motivos, entre
os quais predominam as ocorrências de fatos mediúnicos
nas famílias, geralmente em forma de perturbações
psíquicas.
Dessa maneira, os fundadores
do Centro e seus auxiliares enfrentam desde o início muitos
problemas e dificuldades. É necessária a presença
de uma pessoa que tenha conhecimento doutrinário e experiência
da prática mediúnica, para que o Centro não
fracasse nos seus primeiros meses de existência. Não
havendo no grupo fundador uma pessoa nessas condições,
é necessário recorrer-se a pessoas de Centros das
proximidades, que sempre atendem de boa vontade. O Espiritismo não
é proselitista, não entra na disputa sectária
de adeptos das religiões, mas devem os espíritas,
necessariamente, interessar-se pelos que se interessam pela Doutrina.
Esclarecer e orientar sempre é dever espírita.
O conhecimento dos problemas mediúnicos exige estudo incessante
das obras básicas de Allan Kardec, particularmente estudos
permanentes do O Livro dos Médiuns e leitura metódica
da Revista Espírita de Kardec, em que os leitores encontram,
além de numerosas instruções, relatos de fatos
e observações de pesquisas que muito ajudam no trato
de problemas atuais. Sem estudo constante da Doutrina não
se faz Espiritismo, cria-se apenas uma rotina de trabalhos práticos
que dão a ilusão de eficiência. Estudo e pesquisa,
observação constante dos fatos, análise das
mensagens recebidas, observação dos médiuns,
exigência de educação mediúnica, com
advertências constantes para que os médiuns aprendam
a se controlarem, não se deixando levar pelos impulsos recebidos
das entidades comunicantes — esse é o preço
de trabalhos mediúnicos eficazes. Mas, acima de tudo e antes
de tudo: humildade. Porque Espiritismo sem humildade é água
poluída, cheia de germens da pretensão, da vaidade,
do orgulho que atraem os espíritos inferiores. Um presidente
de Centro não é Presidente da República e um
"doutrinador" não é um sábio. Pelo
contrário, são criaturas necessitadas, que estão
aprendendo a arte difícil de servir e não a de baixar
decretos, dar ordens e humilhar os outros em público. Sem
a humildade, que gera e sustenta o amor ao próximo, nem o
estudo pode dar frutos. Por outro lado, sem estudo os frutos da
humildade não produzem amor, mas fingimento, hipocrisia de
maneiras e fala melosa, de voz impostada para imitar anjos.
O Espiritismo é natural e exige naturalidade dos que pretendem
vivê-lo no dia-a-dia, em relação natural e simples
com o próximo. Os maneirismos, as modulações
artificiais da voz, os excessos de gentileza mundana e tudo quanto
representa artifício de refinamento social, deformando a
natureza humana a pretexto de aprimorá-la, não encontram
aceitação nos meios verdadeiramente espíritas.
Algumas instituições começaram a adotar, há
alguns anos, treinamento de voz e de gesticulação
para jovens espíritas. Alguns Centros aderiram a essas encenações,
estimulados por mensagens espirituais que aconselham brandura e
bondade no trato com os semelhantes. Espíritos ainda apegados
aos formalismos religiosos do passado chegaram a recomendar modismos
nesse sentido. Nem Jesus nem Kardec se utilizaram nem recomendaram
essas imitações da hipocrisia farisaica. O que o Espiritismo
objetiva é a transformação interior das criaturas,
para que se tornam mais esclarecidas e, com isso, dotadas de mente
mais arejada e coração mais puro. No Centro Espírita
devemos manter a mais plena naturalidade de comportamento, dentro
das normas naturais do respeito humano. As modificações
exteriores, precisamente por serem forçadas e portanto mentirosas,
não exercem nenhuma influência em nosso interior. O
contrário é que vale: quem exercitar-se na prática
das boas ações, da verdade e da sinceridade, modificará
sem querer e perceber o seu comportamento, sem nenhum dos sintomas
desagradáveis de fingimento e hipocrisia. O Espiritismo,
que nos foi legado pelo Cristo através do Espírito
de Verdade, não pode adotar os expedientes da mentira. O
Centro Espírita tem mais com que se preocupar, do que com
essas repetições de um longo passado de traições
e perfídias, em que sacerdotes treinados nos gestos e expressões
de piedade, mandavam queimar vivos os seus semelhantes em nome do
Cristo.
A facilidade com que a maioria das pessoas aceita livros de evidente
mistificação, como os Evangelhos de Roustaing, as
obras de Ramatis, e tantas outras, eivadas de contradições
e de passagens ridículas, destinadas especialmente a ridicularizar
a Doutrina, provém dos milênios de sujeição
das massas é mistificação clerical. No Espiritismo
não objetivamos o domínio do mundo por nenhuma forma
igrejeira, através de engodos demagógicos, mas unicamente
o esclarecimento das criaturas para que a Terra se eleve em suas
condições morais e espirituais. O sistema igrejeiro
de adulação aos médiuns, no desejo de obter
as suas graças, é outra raiz amarga que nos vem do
passado religioso, mas que não deve ser cultivado no Centro
Espírita. O médium adulado, louvado a todo instante,
cercado de admiradores como um cantor popular, artista de novela
de tv ou jogador de futebol, acaba perdendo a sua naturalidade,
recorrendo a expedientes ridículos para conservar o seu prestígio
e geralmente chega em falência ao fim da sua missão.
Os exemplos são muitos e dolorosos, no mundo inteiro. Essa
situação constrangedora coloca o Espiritismo em pé
de igualdade com as religiões formalistas, deturpando-lhe
a imagem real. Médiuns, expositores e escritores espíritas
não são luminares nem santos, mas criaturas falíveis
que podem também cair a qualquer instante de seus falsos
pedestais. Devemos respeitar naturalmente a essas criaturas como
nossos irmãos dedicados à Doutrina (quando não
a traem em favor de suas opiniões pessoais), sim, devemos
respeitá-los e louvar os seus esforços, mas sem cairmos
no exagero de idolatrias beatas.
O conceito de mediunidade que vigora entre nós, na maioria
esmagadora dos Centros, é espantosamente ambivalente e portanto
contraditória. Afirma-se ao mesmo tempo que a mediunidade
é uma graça e uma provação, que os médiuns
são espíritos grandemente faltosos, não obstante
adorados como enviados de Deus. Os que estudam seriamente a Doutrina
logo percebem a falsidade desse conceito. A mediunidade é
uma faculdade natural da espécie humana, como todas as demais
faculdades. Toda criatura humana é naturalmente dotada de
mediunidade. Kardec observou a existência da mediunidade generalizada.
Mas a mediunidade manifesta-se nas criaturas em diferentes graus
de desenvolvimento. Todos somos médiuns, todos possuímos
o que hoje se chama de percepção extrasensorial, segundo
a terminologia parapsicológica. É natural que os que
revelam graus mais intensos de mediunidade, prestando-se por isso
a trabalhos mediúnicos, sejam especificamente designados
como médiuns, da mesma maneira por que todos possuímos
inteligência, mas só as que a possuem em grau excepcional
são designados como "uma inteligência", merecendo
louvores e o respeito dos que não atingiram esse grau.
Os médiuns são os elementos principais da ligação
do Centro Espírita com a comunidade social do bairro ou da
cidade. São mesmo os elos genésicos dessa ligação.
Suas faculdades mediúnicas exercem atração
natural sobre a comunidade e os serviços que prestam no Centro
ou nos atendimentos eventuais, fora dele, ampliam a simpatia popular
pelo Centro. Essa função do médium é
natural e inconsciente. Partes integrantes da comunidade, vivendo
no meio do povo, sem nenhum título especial que os separe
da massa, quanto mais simples e despretensiosos eles forem, mais
eficientes serão na sua função espontânea
de elos. Quando o médium é pedante, pretensioso, contador
de vantagens, sabereta, arrogante, essas anti-virtudes o transformam
em elemento negativo na dinâmica social. Por isso o médium
deve compreender bem a sua condição de criatura normal
integrada no povo e não de elemento excepcional, dotados
de poderes divinos ou convencido de possuí-los. Os dirigentes
do Centro podem reforçar ou enfraquecer as ligações
deste com a comunidade. Basta um presidente arrogante, sempre disposto
a criticar e humilhar os adeptos de seitas existentes na comunidade,
para que os elos estabelecidos pelos médiuns sejam rompidos.
Atacar religiões e práticas religiosas dos outros
é o meio mais fácil de afastá-los do Centro.
Essa crítica pode e deve ser feita em termos de comparação
histórica, nas reuniões especiais de estudo doutrinário,
com ampla liberdade de discussão a respeito, reconhecendo-se
a existência dos fatores temporais que, no passado, foram
benéficos à solução espiritual dos homens,
tornando-se mais tarde prejudiciais ao esclarecimento espiritual
do povo. Mesmo assim, é conveniente evitar exageros, para
que esses debates elucidativos não se transformem em pedra
de tropeço para as pessoas simples e de boa-fé. Em
todas as atividades do Centro deve prevalecer o princípio
de amor e respeito ao próximo, não para atrair simpatias,
mas, para não causar aborrecimentos e prevenções
nas pessoas que desejam adquirir conhecimentos renovadores.
O Centro Espírita não é um instrumento de conversões,
mas também não pode ser um instrumento de dissensões.
O Espiritismo não quer impor-se aos outros, mas ajudar e
esclarecer os que o procuram. Se existirem na comunidade elementos,
desses que fazem de cada espírita um diabo disfarçado
em gente, um instrumento do diabo para enganar as almas, o Centro
não deve aceitar as suas provocações negativas.
Essas pessoas, geralmente exaltadas e insolentes, são vítimas
de seu próprio temperamento e também das deformações
sectárias do Cristianismo e das épocas de fanatismo,
maldições, excomunhões e perseguições,
que embora distantes, ainda permanecem no inconsciente de muitas
criaturas, forçando-as a atitudes anticristãs e ridículas.
Hoje os tempos são outros e o Centro Espírita pode
responder a essas agressões - como fazia Kardec - não
com revides violentos, mas com esclarecimentos serenos e fraternos.
Mas temos que vigiar a nossa intolerância, para não
cairmos no charco da hipocrisia, no fingimento de uma bondade que
não possuímos. A regra de comportamento espírita
deve ser a de Jesus: "mansos como as pombas, prudentes
como as serpentes". O Centro Espírita guarda em
seu seio as colheitas da Verdade e precisa defendê-las, mantê-las
puras e vivas, para com elas saciar a fome do mundo. Jesus imolou-se
por essa colheita de sua própria semeadura, mas enquanto
foi necessário defender a seara manteve atitudes viris contra
os pregoeiros da mentira e da ilusão. Se deixamos o Centro
abandonado à fúria dos fariseus, eles o destruirão
sem nenhum escrúpulo, sob rajadas de calúnias e perfídias.
O Centro Espírita é a pequena e humilde fortaleza
da Verdade na Terra da Mentira. Tem obrigação de lutar
para que a Verdade prevaleça em toda a sua dignidade.
A incapacidade humana para assimilar os ensinos de Jesus levou o
Cristianismo a dois extremos que somente Kardec soube rejeitar,
estabelecendo equilíbrio na balança do bom-senso.
Os espíritas não podem oscilar entre o extremo da
arrogância criminosa, geradora de guerras e destruições,
e o extremo da covardia disfarçada em humildade, que sempre
cala e tudo cede aos insolentes agressores. Há um limite
para a tolerância, traçado por Jesus em torno da mulher
inerme que os hipócritas queriam apedrejar.
Propagou-se no meio espírita, através de mensagem
mediúnicas emotivas, tendendo a um masoquismo de cilícios
e autopunições, a estranha idéia de que a virilidade
só pertence aos cultores da violência. Voltamos assim
ao sistema igrejeiro dos rebanhos de ovelhinhas inocentes devoradas
por lobos famintos sem qualquer possibilidade de defesa. Entregues
a essa idéia derrotista, o meio espírita abastardou-se
a ponto de até mesmo recusar-se a defender a Doutrina aviltada
pela ignorância travestida de bondade e doçura. A falsa
imagem do "Meigo Nazareno", que a tudo cedia — comprometendo
a sua própria missão — apagou na mente de adeptos
desprevenidos a imagem viril de Jesus empunhando o chicote no Templo
contra os vendilhões. Já é tempo de compreendermos
que estamos na Terra para conquistar e defender a dignidade humana,
sem nos curvamos atemorizados antes as investidas da impostura.
Quem não defender a verdade traída e conspurcada pela
mentira não é digno dela. E quem não é
digno da verdade entrega-se à mentira. Jesus enfrentou os
mentirosos atrevidos, num dos pátios do templo como nos revela
o Evangelho de João, dizendo-lhes face a face : "Vós
sois do diabo e vosso pai foi ladrão e assassino desde o
princípio". Duras palavras, a que os mentirosos quiseram
responder com pedradas. Mas Jesus desapareceu, ensinando-lhes que
as pedras da mentira não podem atingir o alvo da verdade.
Os espíritas seráficos, candidatos apressados a uma
angelitude que ainda estamos longe de alcançar na Terra,
não compreendem o sentido desse trecho evangélico
e são capazes de expungi-lo do Evangelho em nome de uma santidade
covarde que Jesus jamais ensinou. A figura evangélica de
Jesus é recortada em traços fortes e viris. Sua coragem
de encarnar-se Terra para enfrentar os poderes do mundo como homem,
sua audácia na condenação dos poderosos do
tempo, sem recorrer a sofismas, sua bravura ao entregar-se para
o sacrifício da cruz para ensinar aos homens a glória
de morrer pela Verdade — são lições que
devemos aprender, se quisermos nos fazer dignos de segui-lo.
O Centro Espírita se entranha naturalmente na comunidade,
e parte dela, um órgão ativo e operante da estrutura
social. Por mais humilde e simples que seja, é uma fonte
de consolações, um posto de orientação
para os que se aturdem e se transviam, mãos amigas estendidas
na bênção do passe, canal sempre aberto da caridade
e do amor. Mas é também a trincheira serena e vigilante
de Verdade, o tribunal que não condena, mas ajuda e absolve
através do esclarecimento espiritual. Os que buscam a paz
e a esperança encontram nele a compreensão que pacifica
o espírito e a razão que justifica a fé nas
provas da Verdade. Por tudo a sua posição na comunidade
é a de um coração comum aberto a todos e a
de uma consciência lúcida a orientar a todos, na permanente
doação dos ensinos e socorros gratuitos.
A responsabilidade dos dirigentes e colaboradores dessa instituição
cristã, humilde e simples é, entretanto, grandiosa
e complexa. A voz dos espíritos soa dia-e-noite no silêncio
dessa concha acústica da verdade, no murmúrio secreto
das fontes da intuição, advertindo aos que sofrem
e aos que gozam quanto a precariedade das ilusões terrenas
e a eternidade das leis da vida no Universo Infinito. Quanto mais
simples é o Centro em bens materiais, maior é a sua
riqueza em bens espirituais.