Os homens no corpo físico precisam
ser vistos necessariamente em sua condição humana.
Mas não é fácil. O humano costuma revelar conflitos
de que os humanos não gostam. Os conflitos trazem ao rés-do-chão
e quebram ilusões, enquanto que o sagrado leva à abóboda
celeste, onde sonhamos estar e esperamos chegar incólumes
meritoriamente.
Digo isto por conta do momento em que devo relembrar o humanismo
e o idealismo de um amigo caro: Eduardo Carvalho Monteiro. Os dois
lados, as duas faces de um mesmo ser, faces que coexistiam e o tornavam
uno em suas ações e desejos, em seu olhar condicionado,
sua percepção da vida, sua disposição
de luta.
O humano em Eduardo sofria com as desditas dos miseráveis
espalhados pela face do planeta, mas também encontrava momentos
de desespero, intemperança e impaciência quando diante
do outro, daquele que caminha próximo e nem sempre se dispõe
a atuar tão corajosamente quanto o idealista. Os quadros
terríveis de abandono a que famílias e portadores
de doenças são muitas vezes relegados ocasionavam
nele o olhar da aflição que impunha ações
rápidas para minorar aqueles sofrimentos. A correspondência
do outro, muitas vezes tão frágil quanto a vontade,
tornava Eduardo triste e amargo, duro e viril.
O seu idealismo como espírita teve início na mocidade
e o tomou de assalto quando, em meio a um quadro obsessivo e a uma
dedicação como líder de torcida do seu time
de coração, viu-se diante de Chico Xavier, como Paulo
na estrada de Damasco. Não há ciência capaz
de explicar as razões do sentimento quando o ser descortina
e queda-se ante uma face da realidade até então desconhecida,
aquela que o toca como nenhuma outra. Neste particular, a filosofia
está mais próxima da compreensão do humano.
Prisioneiro de suas desditas pessoais, Eduardo viu então,
ali, uma porta aberta pela qual podia penetrar e adquirir liberdade,
soltar-se para o mundo, mas sentiu, ao mesmo tempo, estar próximo
de uma decisão que lhe cobraria um preço por essa
conquista. Dispôs-se a pagar, alto que fosse. E foi.
Um dos primeiros seguimentos da sociedade a chamar sua atenção:
a causa dos leprosos. Digo leprosos, sim, porque o termo hanseniano
só se popularizou depois, muito por causa do trabalho feito
por ele e outros, que assumiram a luta insana contra os preconceitos
humanos e conseguiram alterar a realidade social cruel para com
os sofredores dessa antiga doença.
Foi no Sanatório Pirapitingui, antiga instituição
comunitária para onde eram levados os portadores do mal de
Hansen, localizada no Estado de São Paulo, aonde ele primeiro
fincou seus pés e dedicou-se inteiramente ao auxílio
dos doentes e de seus familiares. Ali tomou conhecimento da histórica
figura maiúscula de Jésus Gonçalves, portador
do mal e cujas chagas, que derretiam partes de sua vestimenta carnal
não o impediram de lutar bravamente pela vida, pela comunidade
e por justiça social. Tornou-se então referência.
Diante dessa figura, Eduardo quedou-se, quase genuflexo, para depois
lançar-se no estudo de sua vida e descobrir a inteligência
que estava por trás do corpo continuamente carcomido, mas
também sua história de vida e das vidas esquecidas
no passado quase remoto. Surgiu daí o primeiro das mais de
três dezenas de livros que escreveria, ora como autor solitário,
ora na companhia de seus parceiros afetivos.
O jovem amadureceu e tornou-se um pesquisador persistente e visionário.
Foi como se um fio de uma meada inimaginável lhe surgisse
às mãos com a história de seu grande e primeiro
ídolo, Jésus, poeta, músico e líder
natural dos hansenianos.
É possível dizer que Eduardo concluía seus
livros, mas jamais terminava, tal era a gana com que se lançava
diuturnamente ao trabalho de pesquisa e a emoção com
que descobria mais e mais fatos acerca do objeto de sua atenção.
Não demorou muito para que sua residência se tornasse
um verdadeiro depósito de livros e documentos. A bela biblioteca
herdada do avô, com obras excelentes e algumas raras, que
ocupava o moderno sobrado da família no Bairro do Brooklin,
em São Paulo, tornou-se seu refúgio e foi aos poucos
sendo ampliada, até alcançar o caos da desordem, que
somente ele era capaz de administrar.
O lado humano de Eduardo tinha planos para constituir família,
porém, esse projeto jamais pôde ser por ele concluído
porque se sentia responsável pelos cuidados da mãe,
que adorava; depois porque os irmãos acabaram por ocupar
parte considerável do seu tempo e preocupações.
Nas duas situações foi de uma dedicação
exemplar. Na vida prática, no silêncio de quem sabe
se reservar, foi o marido dedicado que a mãe deixou de ter;
foi, também, o pai amoroso que o sobrinho jamais teria; e,
além, foi mentor e amparo de seus irmãos, especialmente
diante dos conflitos da vida que os atormentava em seus caminhos.
Quando a genitora, enfim, retornou à vida extrafísica,
Eduardo foi ocupar, solitário, uma casa no Bairro da Saúde,
onde continuou sua saga de pesquisador, escritor e trabalhador da
causa humana.
Insaciável quanto ao conhecimento, lançou-se na Maçonaria
onde, com o mesmo afã, dedicou largo tempo no desdobramento
do saber, abrindo caminho para que fatos e histórias, filosofias
e feitos tivessem seu destaque. Integrou-se de tal maneira à
Ordem Maçônica que percorreu todas as etapas da instituição
milenar, alcançando rapidamente o 33º grau. Ali, tornou-se
articulista e membro da equipe editorial da revista A Verdade, editada
pela Grande Loja Maçônica de São Paulo, além
de ser autor de vários livros contendo assuntos relativos
à Maçonaria. Deixou-a, um dia, desiludido com a política
interna, mas não abandonou os estudos esotéricos.
Seu primeiro livro espírita – A extraordinária
vida de Jésus Gonçalves – foi o definidor de
uma trilha que Eduardo jamais imaginara seguir, mas na qual, entre
dócil e áspero, fixou marcas capazes de surpreender
aqueles que sonham um dia dedicar-se às causas nobres.
O seu lado humano era descuidado com muitas coisas materiais; tinha
pressa em tudo e as preocupações dessa ordem tendiam
a roubar-lhe o tempo que não desejava perder. Por isso, levava
de roldão tudo aquilo que pudesse constituir barreira à
sua caminhada para os objetivos propostos. Irascível, algumas
vezes, destemido sempre.
Por outro lado, em contraste com o homem firme que não perdoava
a indignidade, era afetivo e dócil com suas companheiras,
com os amigos sinceros, com os sofredores, com aqueles em quem via
sinceridade e dedicação ao bem.
Pouco antes de partir, viu-se diante de um como que imantado espelho
revelador da face menos visível da alma e o que viu o fez
derramar lágrimas.
Apesar dos 55 anos vividos e fecundos, constatou-se, surpreso, deficiente
no campo afetivo e fez questão de declarar isso aos amigos
íntimos. Pensou repensar a vida ainda no aqui, sem saber
que o agora não mais lhe pertencia. Encontrava-se, então,
na estação de Rizzini, bagagem ao lado, à espera
do último trem.
O mesmo vagão e a mesma poltrona daquele trem que o levou
do planeta o esperam para trazê-lo de volta. A passagem já
está reservada e, segundo consta, só falta marcar
a data.
RESUMO BIOGRÁFICO
Eduardo Carvalho Monteiro nasceu no dia 3 de novembro de 1950, em
São Paulo/SP, filho de Ivan Carvalho Monteiro e Denaide Carvalho
Monteiro. Deixou o corpo físico em 15 de dezembro de 1995.
Era psicólogo e bacharel em Turismo, membro da Academia Paulista
Maçônica de Letras, estudioso do espiritismo e das
ciências herméticas, com quase 40 livros publicados
sobre espiritismo, maçonaria e esoterismo.
Era assessor Pró-Memória da União das Sociedades
Espíritas do Estado de São Paulo - USE. Foi também
fundador e presidente da Sociedade Espírita Anália
Franco, em Diadema/SP, membro da Liga de Historiadores e Pesquisadores
Espíritas, fundador e coordenador geral do Centro de Cultura,
Documentação e Pesquisas do Espiritismo, entidade
criada em 2004 para onde foi destinado o seu acervo pessoal de documentação
histórica do movimento espírita.
Leia mais em: http://www.ccdpe.org.br/quem-somos/eduardo-carvalho-monteiro
LIVROS PUBLICADOS
DE EDUARDO CARVALHO MONTEIRO *
1. 100 anos de comunicação espírita
em São Paulo, 2003
2. 100 anos de evangelho com Eurípedes Barsanulfo, 2005
3. A extraordinária vida de Jésus Gonçalves,
1980
4. A Maçonaria e as tradições herméticas
5. Allan Kardec, o druida reencarnado, 1996
6. Anais do Instituto Espírita de Educação,
1994
7. Anália Franco, a grande dama da educação
brasileira, 1992
8. Anuário Histórico Espírita 2003
9. Anuário Histórico Espírita 2004
10. Batuíra, o Diabo e a Igreja, 2003
11. Batuíra, verdade e luz, 1999
12. Cairbar Schutel, o bandeirante do Espiritismo, com Wilson Garcia,
1986
13. Catálogo Racional – obras para se fundar uma biblioteca
espírita
14. Chico Xavier e Isabel, a rainha santa de Portugal, 2001
15. Dossiê Léon Denis – artigos, cartas e conferências
inéditas
16. Élcio abraça os hansenianos, 2003
17. História da dramaturgia com temática espírita,
1999
18. História da radiodifusão espírita
19. História do Espiritismo em Piracicaba e região,
2000
20. Jésus Gonçalves, o poeta das chagas redentoras,
1998
21. Léon Denis e a Maçonaria
22. Leopoldo Machado em São Paulo, 1999
23. Loja Amphora Lucis, 25 anos de ideal maçônico
24. Marechal Ewerton Quadros
25. Memórias de Bezerra de Menezes
26. Motoqueiros no além, com Euricledes Formiga, médium,
1982
27. O esoterismo na ritualística maçônica, 2002
28. Olá, amigos!, com Euclides Formiga, médium
29. Sala de visitas de Chico Xavier, 2000
30. Sinal de vida na imprensa espírita, com Wilson Garcia,
1995
31. Templos maçônicos e as moradas do sagrado, 1996
32. Tudo virá a seu tempo
33. Túnel do Tempo: as Primeiras Publicações
Espíritas no Brasil
34. USE, 50 anos de unificação, com Natalino D’Olivo,
1997
35. Vinícius, educador de almas, com Wilson Garcia, 1995
36. Vitor Hugo e seus fantasmas, 1997
* Pesquisa feita por Wilson Garcia
em 17 de novembro de 2015. Caso você conheça outras
obras de Eduardo C. Monteiro não relacionadas acima, colabore
informando: wilson@visaointernet.com .