A imagem é meramente circunstancial e não deve ser
levada ao pé da letra, como se dizia antigamente, para não
reduzir a dimensão do homem e seu trabalho pelo Espiritismo,
trabalho esse realizado especialmente na primeira metade do século
XX.
Qualquer um que se dá ao luxo de ler sobre este homem fica
impressionado com sua dedicação, entusiasmo, mas igualmente
com sua visão e coragem com que se colocou na linha de frente
de combate, buscando garantir um lugar de destaque na sociedade
para as ideias e os princípios espíritas.
Aqueles que se formaram ao contato com os seus livros, ou que viveram
sob sua influência, notadamente no Sudeste do Brasil, ficam
impressionados com o seu poder de luta. E falar disso para as gerações
da atualidade, em 2015, parece relembrar um tempo desconhecido e
utópico, afinal, vivemos a era do imediato, da fragmentação,
da unidade aparentemente frágil.
Vejo Cairbar Schutel em cada uma das variadas fronteiras em que
atuou: como jornalista, editor, farmacêutico, orador, líder
espírita, polemista e até político. E ao representa-lo
nessa multiplicidade de imagens, encontro-o como homem de visão,
como rompedor de limites, vestido da indumentária apropriada
a cada situação, mas em todas elas com a bandeira
do Espiritismo na mão. Um exemplo, enfim, para a nossa era
individualista, de escassez de lideranças naturais e de líderes
assentados em frágeis estruturas doutrinárias.
Talvez se deva dizer que o Cairbar político não tinha,
ainda, a base espírita, pois tomaria contato com o Espiritismo
por volta de 1904, quando sua atuação a favor da terra
matonense já havia se iniciado, porém o sentimento
que o levou, primeiro, a escolher aquela localidade e, depois, por
ela lutar para dotá-la das melhores condições
possíveis era já elogiável, capaz de colocá-lo
ao lado dos desbravadores dos sertões paulistas.
O contato com o Espiritismo, o estudo da obra kardequiana e o convencimento
do valor dos conhecimentos que tinha à mão vão
encontrar nele as bases consolidadas para a tarefa a que se propôs,
levando-o a descartar a atuação política intensa
e a ocupar-se, agora, com a conquista do espaço para o Espiritismo.
Então, o farmacêutico prático e generoso desenvolve
outras habilidades para jogar-se de corpo e alma no trabalho de
divulgação dos princípios espíritas,
descobrindo que esse campo exigia muito mais do que o simples discurso
oral.
O jornalista Cairbar Schutel é o narrador dos acontecimentos
que, também, dirige a tipografia adquirida com esforço;
é o tipógrafo que de componidor em punho cata as letrinhas
e monta palavra por palavra, frase por frase, linha por linha e
leva para a impressora manual, onde vai também colocar sua
energia física para gravar os textos em folhas de papel,
que depois serão dobradas, refiladas e distribuídas
muitas vezes por ele mesmo, nas esquinas, nos cemitérios,
à porta das igrejas, em datas comuns e especiais. Assim,
sob o cheiro tóxico da tinta e os gazes perigosos do chumbo,
aquele jornalista passa dias e noites e tem pouco descanso.
Não falo de alguém nascido num planeta primário
criado pela imaginação; falo de uma localidade de
nome Matão que não era mais que uma vila incrustrada
no coração de São Paulo nos finais dos anos
1800. Ali, o jornalista apaixonado pelo Espiritismo se torna também
escritor, editor, distribuidor e, para não deixar que padres
e pastores retirem o direito do Espiritismo de coexistir e se disseminar,
Cairbar Schutel torna-se um polemista de verve franca, viril. E
dali mesmo vai irradiar para o estado de São Paulo, para
o Brasil e ultrapassar as fronteiras do país a mensagem contida
nas obras de Allan Kardec.
Em tempos em que o empreendedorismo adquire contornos de meio de
sucesso empresarial, a história de Cairbar Schutel é
de exemplo raro a ser seguido. E mais, em um mundo tecnológico
como o atual, da comunicação em real time, o desempenho
desse homem magro e vigoroso com a comunicação é
de fato de espantar. O jornal que fundou em 1905 e editou a custo
do sacrifício pessoal, sempre diante da perspectiva do fracasso
financeiro, tornou-se pequeno para a quantidade de notícias
e estudos que o Espiritismo propiciava. Cairbar cria uma revista,
então, e dota-a, numa atitude corajosa sem precedentes, das
melhores qualidades gráficas e, outra vez com ousadia editorial,
de conteúdo extraordinário, veiculando acontecimentos
do Brasil e do exterior, estudos assinados por personalidades que
só nos chegavam na raridade dos livros na língua original.
Com esta visão corajosa de que era possuído, denominou-a
de Revista Internacional do Espiritismo e fez jus ao nome. Ainda
hoje não se tem notícia de alguém que tenha
feito obra semelhante...
Jornal e revista juntos, atuantes, atuais, fazendo imprensa vibrante
eram também pouco para o visionário de Matão.
Criou ele a editora, escreveu os textos das polêmicas, juntou-os
em livros; escreveu estudos e publicou mais livros. Pensava, sentia,
vibrava. Enfrentava a lama e a poeira das estradas, as dificuldades
financeiras e às vezes a ausência de apoio e nada disso
o desanimava. Enfrentava padres, bispos e pastores maldosos, que
muitas vezes não tinham escrúpulos e excitavam a população
a marchar contra o destemido homem, e nada o arredava do caminho,
nada faziam-no perder o bom-senso, este raciocínio que a
Doutrina Espírita oferece na lógica dos seus princípios.
Lá, da sua quase insignificante Matão, tornou-se uma
voz respeitada. E mais, tornou-se admirado e exemplo para figuras
que mais tarde se tornariam expoentes do Espiritismo brasileiro.
Talvez, aquela que melhor encarna essa admiração seja
a do nosso “metro que melhor mediu Kardec”, J. Herculano
Pires. Este não se cansava de dizer das qualidades do nosso
bandeirante espírita, a quem a doutrina em terras brasílicas
deve, e deve muito.
Cairbar Schutel chegou a este mundo no século XIX, atravessou
o século XX e permanece no século XXI como um exemplo
nos diversos e diferentes campos em que atuou. Quase ficou conhecido,
também, como o primeiro espírita a levar a doutrina
ao rádio, tal era a sua capacidade de vislumbrar oportunidades
de disseminar os seus princípios. A história corrigiu
o engano, esta mesma história que o traz hoje ao mundo contemporâneo
para nos fazer relembrar que é possível sonhar grande
se a alma não é pequena...