Comumente define-se livre arbítrio
como a faculdade de podermos livremente escolher
nossas decisões. Acredito existir um grande problema com
este conceito, ao menos para quem defende a existência de alguma liberdade
de escolha inerente à pessoa, pois, de fato, sofremos constantemente
a influência de vários fatores causais, logo, escolhas livres
só poderiam existir, sob um olhar lógico, quando, independente da
direção que aqueles fatores nos compelem, fossemos antes decidir no
mesmo sentido que eles.
Em via de regra, concebendo o livre-arbítrio nos termos acima, vê-se
que ele é hostilizado pela falsa impressão dada à doutrina do determinismo,
entendida, por vezes, em implicar que nossas ações são inteiramente
dependentes – quando são apenas influenciadas ou predispostas
– da composição biológica e de fatores ambientais evolucionariamente
vantajosos, a exemplo de padrões culturais que poderiam modular
os genes.
Exemplificando o determinismo
O Geneticismo
O Geneticismo é a escola de pensamento que entende que todas
as características humanas são geneticamente determinadas. O termo
freqüentemente tem sido usado para descrever a posição daqueles que
colocam excessiva importância sobre o papel dos fatores genéticos
nos processos psicológicos (D S Falconer, An
Introduction to Quantitative Genetics - New York, 1960).
Peguemos a ocorrência da esquizofrenia. “No caso de um dos pais
sofrer de esquizofrenia, a prevalência da doença nos descendentes
diretos é de 12%. (...) Na situação em que ambos os pais se encontram
atingidos pela doença, esse valor sobe para 40%" (Kaplan, Harnold;
Sadock, Benjamin, Compêndio de Psiquiatria, Porto Alegre, Editora
Artes Médicas, 1990). Poderíamos então dizer, antecipadamente, que
um filho de pais esquizofrênicos terá 40% de chances de ser apático,
sem iniciativa e anti-social, eis que essas são características da
personalidade do acometido por tal enfermidade mental
Responder afirmativamente é levar o geneticismo a um nível de “fatalismo
bio-psicológico”, fulminando nossa liberdade de decidir quem queremos
ser, quando na verdade, a correlação entre genótipos e comportamentos
pulsionais justifica apenas uma predisposição individual, sendo
certo que os comportamentos inatos podem ser cultural ou
autoreflexivamente mitigados, anulados e, quando patológicos, tratados
por opção, inclusive, pela psicoterapia; logo, o Geneticismo
não pode ser causa suficiente para determinar as
matizes da personalidade humana.
Determinismo físico-ambiental
Um outro determinismo fisicalista foi o revelado por Alvaro Pascual-Leone,
professor de neurologia na Harvard Medical School. Através
de um experimento que consistia em estimular, por campos magnéticos,
os hemisférios cerebrais, o pesquisador descobriu que as escolhas
casuais feitas pelos sujeitos, para mexer uma das mãos, eram diretamente
afetadas. Foi observado que destros, quando submetidos a campos magnéticos
no hemisfério cerebral direito (responsável pelo movimento do lado
esquerdo do corpo) passariam a escolher mexer a mão esquerda o dobro
das vezes em comparação a ausência da influência magnética.
Determinismo social
Pode-se ainda citar o determinismo social proveniente da
culturação, criação, educação e meio social a que está submetido o
indivíduo. Todos esses fatores são influentes na arquitetura psicológica
da pessoa, mas não absolutamente decisivos para prever
o atuar de alguém, asssim nem sempre alguém emerso em um
ambiente favorável ao crime cometerá delitos, nem um membro de família
evangélica será obrigatoriamente teísta, e assim por diante.
Redesenhando os conceitos
Compatibilistas entre livre-arbítrio e determinismo alegam
acertadamente que os fatores físicos ditos deterministas não são absolutos,
mas apenas influentes nas decisões tomadas por alguém. O grau de influência
(ou força compulsiva) varia de acordo com a natureza de cada fator
e com a quantidade de informação conhecida pelo indivíduo. Assim,
acometidos de transtorno obsessivo-compulsivo ou de síndrome de Tourette
parecem estar mais compelidos a certos comportamentos repetitivos
e involuntários do que sujeitos sãos. Entretanto, o conhecimento próprio
da doença pode ser o primeiro passo para refrear os atos compulsivos
ou os tiques, isto é, autodeterminar-se de maneira diversa. É quando
a informação pode abrir possibilidades contrárias ao comportamento
esperado pela influência física. E mais. Um sujeito que conhece o
experimento de Pascual-Leone, ao ser submetido à mesma experiência,
pode teimosamente levantar 100% das vezes a mão direita, não obstante
seja o hemisfério direito do cérebro aquele que recebe a influência
de um campo magnético.
O ponto que pretendo chegar é que, em termos práticos, livre-arbítrio
não é a liberdade de todos os fatores causais. Muito pelo
contrário. É estar submetido cada vez mais a uma gama de relações
causativas, eis que do choque de fatores determinísticos novas possibilidades
são emersas, logo, novas opções a escolher. Por suposto,
não discuto que muito do que escolhemos e somos
provém da influência do corpo sobre a mente, quando, freqüentemente,
não temos quase nenhum poder de decisão. Todavia, isso não implica
que o determinismo seja irrestrito, transformando-nos em seres autômatos,
com comportamentos indistinguíveis de ações maquinais. Então, realmente
penso que nossa capacidade de autodeterminação permanece vigente,
embora limitada pelas influências causais sobre nosso
“Eu” e de nossa adaptação a elas; e em virtude de nossa ignorância
a respeito dos fatores influentes. Por conseguinte, sou forçado a
concordar que “quanto mais aprendemos, mais ampla experiência
obtemos, mais lógico nos tornamos, mais conhecemos a nós mesmos e
a história, mais a nossa ciência avança, portanto, maior a extensão
da verdadeira liberdade humana” (Carter, Chris. Parapsychology
and the Skeptics: A Scientific Argument for the Existence of ESP,
2007).
Livre-arbítrio e Mecânica Quântica
A interpretação de John von Neumann exige que a consciência
seja a única responsável pelo colapso de função de onda,
pois, segundo o célebre matemático, todo o mundo físico está estabelecido
dentro das leis da mecânica quântica (MQ), logo, é necessário algo
não-físico, não submetido às regras da MQ para que a superposição
de estados de um sistema quântico evolua a um estado fundamental (uma
realidade perceptível). A consciência do observador parece
ser a única entidade que podemos presumir. Esta posição respalda fortemente
o dualismo, quanto ao problema mente-cérebro; portanto, se algo como
a consciência pode subsistir independente de meios físicos, todos
os exemplos de determinismos fisicalistas podem estar prejudicados
quando cessada a interação mente-cérebro. Entretanto, embora a abordagem
de von Neumann coloque a consciência em primeiro plano dentro da ontologia,
o autor não alega que a intenção do observador possa orientar o colapso
para um estado específico, assim, embora a consciência seja
necessária para a convergência da superposição de estados, isso não
significa que não haja aleatoriedade, e por sua vez, indeterminismo.
O problema com este detalhe é que somos constrangidos a entender que
não há espaço para o livre arbítrio, vez que do ato de observar
poderemos fazer colapsar estados (realidades) fortuitos, não desejados
ou escolhidos por nós. Como resposta a isso, pode-se dizer confiantemente
que existem robustas evidências da Parapsicologia que a consciência,
além de ter poder causal, é também capaz de definir o resultado final
de um sistema físico (quântico) aleatório, como nos experimentos de
psicocinese em RNGs, por conseguinte, a intenção passa a
ser um atributo perceptível da consciência, e assim hábil
a evidenciar escolhas e decisões por nós próprios.
Decisões de baixo nível
O falecido cientista e pioneiro na pesquisa sobre a consciência humana,
Benjamin Libet, apresentou um experimento controverso que indicava
que atividade elétrica no cérebro (potencial de prontidão)
precedia a decisão consciente para a execução de um movimento espontâneo,
suportando o entendimento que processos neurais inconscientes antecedem
e potencialmente causam atos voluntários que são retrospectivamente
sentidos serem conscientemente estimulados pelo sujeito.
Na experiência, um sujeito observava um ponto em movimento circular
num osciloscópio. Foi-lhe pedido para gravar a posição do ponto no
momento que tivesse ciência do desejo de pressionar um botão.
Ao apertá-lo, uma segunda posição do ponto era registrada, assim era
possível calcular o tempo mediado entre a ciência do desejo
e a ação efetivada que foi, em média, de 1/5 de segundo.
De outro lado, em todo o experimento os sujeitos eram monitorados
por aparelhos EEGs os quais registraram atividade elétrica envolvida
no movimento dos dedos cerca de 1/2 segundo antes deles serem movimentados,
logo, perto de 1/3 de segundo antes do sujeito conscientemente
decidir apertar o botão.
Assim, alguns materialistas reivindicam que o livre-arbítrio não passa
de uma ilusão. Aduzem que temos apenas uma sensação retrospectiva
de tomada de decisão, quando, na realidade, toda a ação fora antes
iniciada inconscientemente. Meio que na contramão, Libet traz a noção
de livre veto como forma de salvaguardar alguma
chance de autodeterminação. O pesquisador sustenta que o veto é uma
atividade de controle e que não existe nenhum imperativo lógico que
requeira uma atividade neural específica que preceda e determine a
função consciente de controle (Do We Have Free Will?.
Journal Consciousness Studies, 6, nº 8-9, p. 47-57, 1999). Desta forma,
embora o início da ação ocorra inconscientemente, podemos vetar a
perpetuação do ato, ou até mesmo sua manifestação dentro do estreito
1/5 de segundo que medeia entre a conscientização do movimento
e o agir. Ou melhor, menos de 1/5 de segundo, eis
que os 50 milisegundos finais estão ocupados pela ativação do neurônio
motor espinhal através do córtex motor primário.
Até aqui se poderia pensar (a) que o livre-arbítrio é logicamente
inviável, pois todo o conceito de volição está adstrito a escolhas
conscientes, (b) e que remanesce à consciência apenas a decisão
de vetar.
Não obstante, existem relevantes objeções. A primeira é que para tomarmos
uma decisão devemos sopesar diferentes argumentos, baseando-nos em
nosso conhecimento e experiências anteriores os quais são relacionados
com memórias episódicas. O experimento de Libet, requerendo
apenas o movimento de dedos, envolve somente memória de procedimento,
portanto, ato que não necessita de nenhuma decisão moralizada
[ver Wikipedia]. A segunda é que a espera para pressionar
um botão, no momento escolhido, é um processo bem aleatório e indeterminado,
uma decisão de baixo-nível de complexidade, ao contrário de importantes
decisões em que devemos colher informações e refletir, antecipadamente,
sobre as variadas possibilidades e implicações das opções envolvidas
[Carter, idem]. Realmente tais contra-argumentações são sedutoras
e, independente do argumento sobre a liberdade de vetar, penso que
os experimentos deste falecido pesquisador não afetam a gama
de decisões superiores que requerem informação, experiência pessoal
e raciocínio antecipatório.
Estados Alterados de Consciência, Percepção Extra-Sensorial
e Livre Arbítrio
Durante estados alterados de consciência (EAC) passamos por experiências
que parecem ocorrer à revelia de nossas intenções. Nos sonhos, por
exemplo, temos pouquíssima influência sobre a direção que o drama
se desenlaça. O mesmo se pode dizer para experiências com psicodélicos,
estados hipnóticos, sonambúlicos e as visões que vêm em nosso imaginário
durante sessões ganzfeld. Em EACs nossa consciência de vigília
fica turvada, experimentamos vivências criadas pela nossa mente e,
talvez (como penso ser), compartilhamos ocasionalmente tais experiências
com outras mentes, a rigor pelo que se convencionou chamar de telepatia.
Conseqüentemente, enquanto vigentes os estados alterados, nossa consciência
(ou Eu-supraliminar, num vocabulário “Myersiano”)
parece bastante inábil a exercer qualquer escolha. Poderíamos dizer
que há uma redução tanto da capacidade de autodeterminação
quanto de vetar impulsos automáticos. Seja
como for, dada a evidência experimental e anedótica para percepção
extra-sensorial (PES), nem sempre tais automatismos são criações subjetivas
do inconsciente. Existem evidências muito suasórias que durante EACs
acessamos informações verídicas por canais não-periféricos, logo,
haveria um automatismo sensorial capaz de produzir,
nas palavras de Myers, quase-percepções, sob as formas mais
comuns de visões e sons alucinatórios oriundos das camadas mais interiores
da personalidade, dirigidos por um Eu-subliminar, como se
ele mandasse um recado à camada mais exterior, à nossa consciência
de vigília. Tais alucinações seriam sensoriais, porque elas representariam
acontecimentos verídicos, a exemplo dos casos de clarividência
e aparições. Por outro lado, quanto à origem, a fonte delas
exige um vocabulário mais fiel à sua alta capacidade criativa, organizacional
e teleológica, assim, reputo o termo “Eu-subliminar” mais
coerente a que simplesmente “inconsciente”, uma vez que o
último já carrega uma certa imagem de repositório passivo de experiências,
enquanto o primeiro parece expressar o dinamismo requerido pela idéia
exposta.
Quanto ao tema PES, tem ele relevância direta sobre o problema do
livre-arbítrio, uma vez que estabelece mais uma forma de determinismo
dentro da ontologia. Tanto é assim, que uma das resistências psicológicas
a habilidades psíquicas é a possibilidade de existir algo como
impressão telepática, quer dizer, a hipótese de alguém ser capaz
de influenciar mentalmente as decisões alheias lança um terrorismo
psíquico digno de ser temido por toda a sociedade ocidental a qual
culturalmente valoriza o controle. Em menor grau, mas igualmente
terrificador, estão algumas formas de automatismo capazes de lançar
as premissas de um “único Eu no comando” para longe, a espelho dos
diversos casos de distúrbios dissociativos de identidade e de possessão.
Mesmo a hipnose já foi tema constante do chocante Expressionismo,
tanto é assim que o filme alemão (1920), “O Gabinete do Dr. Caligari”,
retrata um diabólico doutor que hipnotizava um rapaz (César) e o mandava
executar diversos assassinatos.
Conclusão
A par das linhas acima, tenho a resumir que:
1. “livre” arbítrio não deve significar
escolhas imunes a quaisquer fatores causais, mas antes a possibilidade
de contra-atuar perante influências inatas ou externas, ou escolher,
no concurso de causas determinísticas, para qual delas seguir.
2. antes de tudo, o ato de decidir pressupõe a experiência
e a informação necessárias para clarificar, antecipadamente, as
conseqüências de cada opção.
3. por se exigir experiências pessoais,
o livre arbítrio está vinculado a memórias episódicas,
logo, os experimentos de Libet não devem ser imaginados afetar decisões
de alto-nível.
4. a possibilidade do dualismo abre chance de decisões realmente
livres de influências físicas, quando cessada a interação mente-cérebro
(desde que a teoria da transmissão da consciência prevaleça sobre
a da produção).
5. Todo conceito de livre arbítrio está preso a decisões efetuadas
pela consciência de vigília, portanto, durante
EACs, menor será nossa capacidade de refletir, pois nossa
consciência turva-se, como se nosso Eu-supraliminar
sofresse uma refração crescente à medida que se aprofundasse nas
camadas mais inferiores da personalidade.
6. a desejada existência de um inexorável controle do “Eu de vigília”
é vergastada por casos de possessão e distúrbios dissociativos de
identidade, automatismos motor (inclusive a psicocinese em casos
poltergeists) e sensorial, e pela chance da percepção extra-sensorial,
algumas vezes, ter origem no emissor.