É atribuída ao filósofo
e teólogo britânico William of Ockham (1285-1349)
a elaboração do “princípio da parcimônia”
[Lo Re 3rd e Bellini, 2002], o qual encontra-se firmemente
incorporado a todas as áreas do conhecimento científico
atual, sendo especialmente empregado na investigação
das causas de fenômenos naturais [Novak,
2004]. O princípio da parcimônia prevê que
a explicação mais simples, capaz de abranger o maior
número de observações ou achados relacionados
a um determinado fenômeno, deve ser assumida como a correta,
evitando-se a larga probabilidade de erro associada às explicações
mais complexas ou múltiplas [Fastovsky
e Weishampel, 1996]. A parcimônia constitui-se, por isso
mesmo, em um método simples de estimativa estatística
das causas do fenômeno em análise [Goloboff,
2003].
O hábito de exclusão ou eliminação das
explicações mais complexas em favor das mais simples
durante a investigação científica levou à
freqüente utilização do termo “navalha de
Occam” (“Occam's razor” - contendo a simplificação
do nome “Ockham” de forma a contemplar a sua pronúncia
medieval) em referência ao princípio da parcimônia.
De acordo com Grünwald [2000], a
navalha de Occam é utilizada para remover tudo o que é
largamente improvável, e por isso mesmo desnecessário
(http://www.unifesp.br/dneuro/nexp/riboflavina/i.htm).
Muitos parapsicólogos ao analisarem a fenomenologia supernormal
valem-se do “princípio da parcimônia”, de
maneira absoluta, para julgar a explicação PSI [*] como
mais razoável em relação às justificativas
espiritualistas. Generalizam suas conclusões imprudentemente
a toda sorte de ocorrências, quando não argumentam sob
camuflagens de uma visão científica a esconder, em verdade,
um dogmatismo científico tão pernicioso quanto a prevenção
emocional do fideísmo religioso no passado.
[*] Os fenômenos Psi
podem ser classificados, quanto à forma de apresentação,
em extra-sensoriais e psicocinéticos. Os extra-sensoriais,
identificados pela sigla PES (extrasensory
perception) são os fenômenos que envolvem conhecimento.
Podem ainda ser classificados quanto ao tipo, em telepatia, quando
fonte e receptor forem seres humanos e em clarividência, quando
a fonte é o meio ambiente. Quanto ao tempo, esses fenômenos
podem ser classificados em retrocognição, simulcognição
e precognição, quando estiverem relacionados, respectivamente,
ao passado, ao presente e ao futuro. Os fenômenos psicocinéticos,
identificados por PK (psychokinesis)
são caracterizados pela ação sobre o meio ambiente.
Quando esta ação for diretamente observável
será dita macro-PK, e quando microscópica, micro-PK.
Atualmente, Pesquisa Psi é o termo que designa a Parapsicologia,
todavia, ambas se ocupam da mesma área de estudos
(http://pt.wikipedia.org/wiki/PESquisa_Psi).
Apreciando o princípio em epígrafe
verifica-se que a explicação mais simples é aquela
que possui o menor número de proposições para
elucidar um fenômeno. Vejamos um exemplo em fisiologia [Bradley
et al, 2000]:
“o princípio da
parcimônia deve ser aplicado ao construir-se a lista de diagnóstico
diferencial. Considere um paciente com uma história de lesão
progressiva da medula espinhal que subitamente se torna afásico.
Talvez ele tivesse um tumor comprimindo a medula espinhal (1ª proposição)
e tenha incidentalmente apresentado um AVC (2ª proposição),
mas a parcimônia sugere uma doença única,
provavelmente câncer com múltiplas metástases
(uma única proposição)”.
(http://www.unifesp.br/dneuro/nexp/riboflavina/i.htm).
A navalha de occam é, pois,
justamente conferir a preferência exegética à
suposição que carreia um menor número de explanações.
No que tange a observação dos acontecimentos supranormais,
alegam alguns parapsicólogos que o elemento espiritual é
uma proposição a mais a fim de justificar a causa das
ocorrências do gênero e que, portanto, a hipótese
PSI deve prevalecer uma vez que prescinde de um mediador como agente
dos fenômenos. Desta maneira, sustentam que quando os espíritas
alegam, por exemplo, a psicografia, tiptologia, psicofonia, ou hipóteses
de reencarnação necessitam, pois, de um espírito
agindo sobre o médium ou, no último caso, de um elemento
espiritual que sobrevive à matéria a explicar as informações
recebidas por alguém sobre uma suposta vida anterior. Por outro
lado, sustentam os adeptos da PES (percepção extra-sensorial)
que a telepatia resolveria melhor os episódios comentados,
vez que não necessita de mais uma proposição
e que por isso é uma explicação mais simples.
Mais parcimoniosa. Em face deste absolutismo peremptório que
se passa agora a fazer as devidas correções do raciocínio
até então completamente equivocado.
Em primeiro lugar, da forma como a telepatia e demais espécies
de PES são conceituadas pela parapsicologia elas possuem tantas
proposições quanto à hipótese espíritos,
ocorre que até o presente não houve correlação
entre este fato e o pensamento acadêmico. Senão vejamos.
Os partidários PSI usam de uma “cláusula geral
de justificação” para fazer o vínculo de
determinadas ocorrências com a PES. Esta cláusula reside
na questão de dizer que os limites da percepção
extra-sensorial são desconhecidos e que, portanto, ela poderia
muito bem abarcar todos os acontecimentos supranormais. É certo
que admitem que a ignorância das fronteiras não se confunde
com ilimitação de potências, no entanto, absurdo
é articular este desconhecimento a fim de explicar fenômenos
que pela lógica e dados coletados podem se relacionar com outras
teorias. A ausência de conhecimento do alcance da percepção
extra-sensorial mais se parece uma carta na manga para determinados
parapsicólogos, dotada de eficácia suspensiva que lhe
concedem tempo para que suas teorias continuem - pelo menos para eles
- a explicar toda espécie de eventos supranormais. Em poucas
palavras: toda vez que se alegar à insipiência dos limites
da PES para clarear uma situação deve-se, na realidade,
considerar então o fenômeno como uma anomalia,
tal como sintetizada por Thomas Kunh, dentro do corpo teórico
da parapsicologia. Aí reside todo o perigo para os sectários
do animismo puro eis que por razão desta insistência
prepotente de querer ser a causa geral de todos os prodígios,
dificultam sobremaneira o reconhecimento científico de seus
estudos justamente por não conseguirem concatenar a lógica
de suas teorias a diversos fatos e que, por assim, dão ensejo
à emersão de inúmeras anomalias e divergências
internas.
Mas então qual deveria ser o limite da PSI? Ockham ao sintetizar
o princípio da parcimônia almejou a estabelecer um juízo
objetivo para a prevalência de uma teoria sobre outra, então,
estampou seu raciocínio num critério mais ou menos quantitativo.
Se uma teoria é suficiente a explicar determinado fato com
certo número de premissas seria supérfluo e incoerente
dar azo a uma nova que traga um maior número delas e que seja,
portanto, mais complexa. Se o simples é bastante, por que complicar?
Era do seu conhecimento que o homem não está inclinado
a mecanismos de avaliação subjetivos, uma vez que necessitam
de uma certa base segura para começarem a desenvolver suas
idéias. Deste modo, o pesquisador precisa de uma estrutura
razoavelmente sólida de raciocínios e que estes estejam
consideravelmente estáveis através de critérios
objetivos aceitos por seus Pares. A fim de ser mais enfático:
foi preciso normatizar, criar regras que irão compor um verdadeiro
“Código Científico” onde a Navalha de Occam
é apenas mais uma delas. A discricionariedade é vista
como um real incômodo na comunidade científica que tenta,
ao menos em tese, extirpar todo o subjetivismo e conveniência
dos meios de validação de pesquisas. É, pois,
no âmago do princípio da parcimônia que provavelmente
a PSI encontrará seus limites. Toda vez que se deparar o indivíduo
invocando aquela “cláusula geral de justificativa”
em cima de determinado episódio, argumentando sobre uma possível
chance de PSI ser causa, todavia, sem articular qualquer raciocínio
de forma coerente, mas tão somente a alegação
de que “por serem ignorados os limites PSI, ela poderia explicar
o fato”, neste momento ter-se-iam ultrapassadas as barreiras
de sua aplicação.
É de conhecimento que, desde as irmãs Fox ao vilarejo
Scole, mas principalmente na segunda metade do século XIX,
diversos casos experimentados podem ser clareados apenas por PSI,
notadamente os concernentes à telepatia, uma vez que pelo conjunto
de evidências, como as informações prestadas pelos
sensitivos, não exigir à elucidação o
concurso de uma concausa: o espírito. Para todas estas situações
a PSI é satisfatória. Aí está a sua divisa.
Para além dela, ao sabor do argumento único de ignorância
de suas raias ela é mais que imponderável, é
tendenciosa e interesseira na busca do conhecimento, ainda mais quando
existe outra teoria capaz de explicar os fenômenos com o mesmo
número de suposições [o que se verá adiante]
só que de maneira consistente sem apresentar anomalias.
No embrião da parapsicologia que foi a metapsíquica
pesquisadores articulavam, por exemplo, a premência de liame
psíquico na telepatia, ou seja, acreditavam que para aceitar
a potência telepática como razoável elucidação
deveria haver, ao menos, alguma identidade entre sensitivo e paciente,
como se conhecerem direta ou indiretamente ou proximidade física
ou ainda auxílio dos sentidos normais e mesmo assim através
de uma interpretação integral com todas as informações
obtidas. Observem ainda que a metapsíquica fazia análise
qualitativa, pois pesquisava em cima de sensitivos possantes enquanto
agora a parapsicologia se debruça mais em exames quantitativos
independente de existência visível de PSI em seus pacientes.
Ora, se a razão já orientava que em estudos sobre sensitivos
ostensivos fosse plausível exigir nexo psíquico, quanto
mais será então a cobrança quando a investigação
recaia em cima de indivíduos que não tenham potências
anímicas em alto grau?
Assim dizer, argumentar a ignorância de limites para sustentar
a aplicabilidade da teoria PSI em determinados casos é acrescentar
mais uma proposição, além da PES específica
do caso concreto sub examem, pois, exemplificando, em determinadas
situações argumentariam alguns parapsicólogos
duas assertivas: a) telepatia e; b)
desconhecimento do alcance telepático, enquanto a hipótese
espíritos também duas: a) psiquismo
do médium e; b) existência do espírito.
Vejam bem: afirmar que não se sabe o limite da percepção
extra-sensorial é mais uma proposição, pois a
tirando do contexto, a explicação unicamente parapsicológica
não se subsiste. Ela decai. Em resumo, embora na hipótese
PSI haja a concorrência de uma única força a aplicação
dela para todos os casos é carente de mais uma proposição,
só que intrínseca a ela mesma, ou seja, necessita daquela
“cláusula geral de justificação”
que diga que os limites da força telepática do exemplo
são ainda ignorados, sob pena de sucumbir frente ao supranormal
que está além das fronteiras. De outro prisma, observem
que, em termos argumentativos, que a dita ignorância das potências
PSI veio substituir a proposição fixa da necessidade
de conexão psíquica entre sensitivo e paciente,
só que de uma forma tão geral que não se tem
como refutá-la. Este “desconhecimento” poderia
ser invocado em tese para tudo, pois se não se sabem seus perímetros
nada impede que eles não existam. É um verdadeiro cheque
em branco a ser preenchido como argumento na ocasião de cada
manifestação supranormal. Isto é parcimonioso?
Ceio que não! Todavia, para todos os casos em que não
haja necessidade de invocar tal cláusula a teoria anímica
pura deve prevalecer por, justamente, usar uma proposição
a menos, enquadrando-se melhor no princípio da parcimônia
de Ockham. E isto o espiritismo, desde o século XIX já
admitia.
Vejamos o caso relatado pelo prof. Oliver Lodge no
Journal of the S.P.R:
Como explicar tais formas de
transmissão mental de uma pessoa a outra? Tomemos o episódio
da palavra “Honululu” por mim citado no livro “Raymound”.
O grupo familiar de experimentadores de Birmingham pediu à
personalidade mediúnica “Raymound” para transmitir
a palavra “Honululu” a outro grupo de experimentadores
em Londres, e a palavra foi transmitida. Ora, o caso pode explicar-se
considerando-o uma experiência telepática, mas a [sic]
circunstância que não se deve esquecer, pois que constitui
o lado dramático da interpretação é
esta: o encargo de transmitir a mensagem foi dado a “Raymound”,
que se achava em relações com os dois grupos de experimentadores.
E, assim sendo, não se pode
deixar de reconhecer que se o episódio se pode explicar telepaticamente,
pode-se interpretar ainda melhor, pressupondo que o espírito
“Raymound” tenha efetivamente transmitido como intermediário
a mensagem que lhe foi confiada.
Ernesto Bozzano corrobora o entendimento em sua obra
“Comunicações mediúnicas entre vivos”,
p. 118:
A última interpretação
dos fatos parece mais legítima do que a outra porque nesta
se leva em devida conta a circunstância fundamental que confere
valor ciclo inteiro das experiências em apreço, isto
é, que as manifestações da entidade espiritual
“Raymound”, constituem o fim e a razão de ser
das próprias experiências e, como a mesma entidade
já havia fornecido provas bem notáveis em favor da
sua identificação pessoal, segue-se que, querer
separar o episódio exposto do complexo orgânico dos
outros episódios, explicando-o de forma diversa, seria um
procedimento arbitrário e anticientífico.
Como se pode depreender pelas transcrições
acima, o princípio da parcimônia também não
deve ser apreciado como absoluto em virtude da importância em
se analisar um fenômeno em correlação com todos
os outros produzidos. A interpretação cingida dos fatos,
como bem lembrado por Bozzano, é anticientífica. Mister,
por conseguinte, que a análise acurada leve em conta todas
as ocorrências sob os auspícios de uma exegese integrativa
e que evite assim a divisão de pontos tão perniciosa
ao desenvolvimento do conhecimento, pois que, por vezes, maliciosamente
articulada para agradar as mentes de raciocínios sectaristas
do pseudocientificismo.
Isto posto, é de se concluir que o Espiritismo é a ciência
que comporta as teorias que melhor explicam uma diversidade fenomenológica
[não todas] que o dedicado pesquisador da área do supranormal
pode carrear. E que para estes fenômenos, portanto, é
verdadeiro paradigma. Não existe, pois assim, anomalias em
seu bojo. O Espiritismo não exclui a existência das potências
psíquicas, aliás, diz que elas são medidas necessárias
a fim de que a comunicação medianímica se estabeleça.
Ele não é absoluto a toda espécie de manifestação
e concede justa causa a episódios em que é razoável
acolher tão somente o desdobramento do psiquismo do médium
[a percepção extra-sensorial]. Nem tudo, pois, é
mediunidade, porém também nem tudo pode ser traduzido
por eventos PES. Isto é parcimônia!