Acreditamos ser boa prática
iniciar qualquer estudo sobre termos ou expressões que utilizamos
no dia a dia com uma consulta a um bom dicionário. Vejamos,
pois, quais as fronteiras existentes entre o que se chama de rotina
e o que é intitulado ritual.
Consultando, no Aurélio, os verbetes e as acepções
que interessam a nosso estudo, obteremos:
Rotina: 2.
Seqüência de atos e procedimentos que se observa pela
força do hábito, ...
Ritual: 5. Conjunto de práticas consagradas
pelo uso e/ou por normas e que se deve observar de forma invariável
em ocasiões determinadas, ...
Pelo que observamos, a diferença entre rotina e ritual está
em que a primeira é um procedimento seguido por hábito,
onde quem o segue o faz por aceitar de bom grado que ele permite
alcançar o objetivo pretendido, sem se dar ao trabalho de
tentar outro modo de fazer, ao passo que o segundo é um procedimento
seguido por obrigação, fazendo com que quem o segue
se sinta forçado a fazê-lo, sabedor de que, se não
o fizer, terá que se retirar do grupo que dele participa.
Ouvimos muito dizer que o Espiritismo não possui dogmas,
princípios revelados que ninguém pode questionar.
Isso é verdade. Tão verdade, aliás, quanto
o fato, às vezes esquecido, de que, segundo a nossa Doutrina,
nada é proibido ao homem senão o que lhe é
impossível fazer, uma vez que ele é dotado de livre
arbítrio. No entanto, ser ou não permitido e ser ou
não ser possível fazer não é tudo que
nos interessa, como espíritas e cristãos. Como disse,
em lúcida reflexão, o Apóstolo Paulo: “Tudo
me é permitido, mas nem tudo me convém.” É
necessário, também, que, antes de fazermos qualquer
coisa, saibamos se aquilo que pretendemos fazer nos convém,
à luz do entendimento que a Doutrina Espírita nos
propicia.
Desse modo, se, por um lado, o Espiritismo não prescreve
rituais, por outro, ele, tampouco, os proíbe. É o
entendimento mais amplo e profundo da vida que o estudo da Doutrina
nos traz que nos leva a concluir que os rituais são desnecessários
e indesejáveis na casa espírita. Afinal, já
que um ritual é algo a ser seguido sem questionamento, quer
racional, quer intuitivo, segui-lo é algo que a Codificação
diz claramente que não nos convém fazer.
A questão da rotina é um pouco diferente. De fato,
muitas rotinas existem na vida social e todos as seguimos de modo
a melhor aproveitar o tempo e a não esquecer as muitas etapas
pelas quais devemos passar nas diversas atividades sociais das quais
participamos. Existem rotinas domésticas, rotinas no trânsito,
na escola, na empresa, nas atividades de lazer. Rotinas são
necessárias ao funcionamento e à estabilidade social.
Por que, então, deixariam de existir nos centros espíritas?
É evidente que existem.
A ordem de eventos e os demais procedimentos vigentes em uma instituição
espírita podem e devem ser estudados com critério,
com o melhor uso possível da razão e do bom senso
de que somos dotados, visando o melhor aproveitamento por todos,
tanto pelos trabalhadores da casa, quanto pelos convidados e pelo
público que a freqüenta. Além disso, uma vez
estudados cuidadosamente os procedimentos a serem adotados em uma
casa espírita, é conveniente e recomendável
que eles sejam utilizados rotineiramente, por um determinado período,
que pode ser mais ou menos longo.
Não convém, no entanto, que quaisquer rotinas sejam
perpetuadas, quer na casa espírita, quer em qualquer outra
instituição humana. Afinal, não nos ensina
a Doutrina que a humanidade está em constante evolução?
Já que evolui a humanidade, é mister que evoluam com
ela os procedimentos sociais, de um modo geral, e, em particular,
aqueles adotados na casa espírita. Que sejam feitas, portanto,
avaliações periódicas de tais procedimentos,
à luz dos resultados que eles estão possibilitando
obter e com vistas a aprimorá-los cada vez mais.
Se, na casa que o leitor freqüenta ou da qual participa como
trabalhador, usa-se, rotineiramente, algum procedimento cuja motivação
desconheça, procure sabê-la. Não só os
dirigentes devem saber a razão de cada procedimento utilizado
na casa como o devem saber todos aqueles que nela trabalham e, tanto
quanto possível, aqueles que a freqüentam. Repetir os
passos de qualquer procedimento sem se saber o porquê de se
o fazer é cair em uma rotina sem sentido, algo incompatível
com a necessidade que todos temos de evoluir. Se os dirigentes,
por outro lado, lhe disserem que é assim porque tem que ser
assim, desconfie, pois tal postura só cabe quando se adotam
rituais. E isso, já sabemos que não nos convém.
A despeito do que dissemos até agora, não devemos
esquecer que, se um procedimento é imposto como indispensável
e aceito como tal pelos seguidores de uma religião ou de
um grupo cultural qualquer, é porque o estágio evolutivo
em que se encontram seus membros e a bagagem cultural que possuem,
enquanto Espíritos encarnados, favorece essa atitude. Eles
não estão certos nem errados por agirem assim. Tal
atitude não os faz, em princípio, nem mais, nem menos
evoluídos do que nós, mas apenas diferentes. Tenhamos
sempre em mente que cada um percorre um caminho que lhe é
próprio e que, se hoje, aquele parece mais atrasado que o
outro, em vista do obstáculo que há à sua frente,
mais adiante as posições poderão se inverter.
E mais, que se hoje, aquele nos parece mais atrasado do que o outro
na senda do conhecimento, pode ser que esteja à frente dele
na senda da bondade.
Cabe aqui, um comentário final. Achar um procedimento mecânico
e sem sentido, chamando-o de ritual, é uma coisa, debochar
dele ou menosprezá-lo para diminuir nossos irmãos
e irmãs que o praticam, outra muito diferente. Se a primeira
pode, eventualmente, ser fruto de um discernimento correto, a segunda
será, sempre, manifestação inequívoca
de desprezo, intolerância e falta de caridade cristã.
Fonte: Artigo publicado
originalmente na Aurora - Revista de Cultura Espírita, Ano
XXVII, no 101/2006