"Sede,
pois, perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito."
Jesus
(Mateus, V:44-48)
Tem-se falado no movimento espírita
em só podermos atingir uma tal de “perfeição
relativa” e que “só Deus é perfeito”.
Esse dizer, em aparente contradição com a exortação
do Mestre, levou-nos a refletir sobre o assunto.
Antes de mais nada, recorramos ao Aurélio
para aprender o real significado de perfeição. Interessam-nos,
para este estudo, as acepções de números 1
e 3.
Perfeição. [Do lat. Perfectione]
S.f. 1. O Conjunto de todas as qualidades; a ausência de quaisquer
defeitos: a perfeição do ser absoluto. ... 3. O maior
grau de bondade ou virtude a que pode alguém chegar; pureza:
perfeição de caráter, de sentimentos.
Pelo que vemos, quando falamos que Deus é perfeito, estamos
qualificando Deus segundo a acepção de número
1 do substantivo perfeição. Por outro lado, ao falarmos
que um Espírito Puro é perfeito, o estamos qualificando
pela acepção de número 3. E as duas formas
de falar são corretas em nosso idioma.
A simples análise que acabamos de fazer leva-nos a duas conclusões.
A primeira é que, ao dizermos que Deus é perfeito,
estamos qualificando o inqualificável. Deus é a “inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas” (LE
Q. 1). No estágio em que nos achamos, falta-nos entendimento
para compreender a natureza íntima de Deus
(LE Q. 10). Logo, é ilógico e impossível
para nós qualificar Deus de qualquer coisa, até mesmo
de perfeito. O que sabemos dos atributos de Deus é por via
indireta, pelo que percebemos com nossos precários sentidos
e entendemos com nossa limitada razão. Sabemos, apenas, pela
resposta à Questão Primeira, que a própria
perfeição e tudo o mais que existe, seja concreto
ou abstrato, tem Deus como causa primária e como inteligência
original criadora.
A segunda é que não há necessidade alguma de
fazer a ressalva de que o Espírito Puro é perfeito
“apenas o quanto uma criatura pode ser perfeita”
ou coisa assim. O Espírito Puro é perfeito, e ponto
final! A língua portuguesa é rica em polissemias,
isto é, no uso da mesma palavra com mais de um significado.
Se, por um lado, conhecer tais polissemias e saber utilizá-las
é recomendável para todas as pessoas cultas, por outro,
trata-se de uma obrigação para todos nós, Espíritas,
visto sermos advertidos pela Codificação sobre a necessidade
do permanente aprendizado.
Mas, para que não pareça que estamos de má
vontade, aprofundemos nossa análise sobre a questão
da perfeição relativa.
Em O Livro dos Espíritos,
lemos a seguinte pergunta de Kardec e a resposta dos instrutores
espirituais:
170. O que fica sendo o Espírito depois da sua última
encarnação?
“Espírito bem-aventurado; puro Espírito.”
Ora, se o Espírito não encarna mais após se
tornar Espírito Puro, então é porque ele alcançou
o maior grau de bondade e sabedoria a que pode algum Espírito
chegar. Logo, como vimos no Aurélio, pela acepção
de número 3 do substantivo perfeição, é
correto dizermos que ele é Perfeito.
Vejamos, então o que pode e deve ser
chamado de “perfeição relativa”.
Tudo o que é relativo pressupõe a existência
de uma referência, em relação à qual
se restringe aquela relatividade.
Uma característica nossa é relativa
a uma determinada referência de valor quando, mudada a referência,
a característica em questão, igualmente, deixa de
valer. Assim, se um homem é perfeito como artista plástico,
isso não implica em que ele seja, também, perfeito
como eletricista. Sua perfeição é relativa
àquilo que conhece bem e que faz com seriedade e capricho,
qual seja, a arte plástica. Se um aluno da educação
infantil é perfeito como aluno da educação
infantil, tirando nota 10 em todos os testes e provas que se lhe
aplicam, isso não faz dele um perfeito aluno do ensino médio.
Logo, podemos dizer que sua perfeição é relativa
à educação infantil.
Levando esse conceito para a evolução, podemos dizer
que um Espírito que nada mais tenha a aprender na Terra pode
ser visto como dotado de perfeição relativa à
Terra. Mais tarde, esse mesmo Espírito poderá não
ter mais nada a aprender no Sistema Solar, o que fará dele
perfeito em relação ao Sistema Solar e, assim por
diante. Quando, no final da jornada, no entanto, esse Espírito
nada mais tiver a aprender em nenhum mundo existente em toda Criação,
sua perfeição não será mais relativa
a nada e, sim, absoluta. Terá ele atingido, então,
a condição de Espírito Puro.
Voltando à exortação de Jesus, acreditamos
ser possível concluir que o Mestre comparava a perfeição
entre duas realidades distintas. Tais licenças de linguagem
foram muito usadas pelo Mestre, pois comparando planos diferentes
de realidade ele nos ajudava, como ainda ajuda, a entender as leis
morais que, como sabemos, são imutáveis e válidas
em toda parte.
Sejamos, pois, perfeitos, criaturas que somos, assim como nosso
Pai, o incriado criador, é perfeito.