
Os últimos grupos de neandertais
da Europa, que ocupavam regiões da França e da Espanha,
podem ter convivido por quase 3.000 anos com o Homo sapiens antes
de desaparecer por completo, de acordo com um novo estudo.
As conclusões, baseadas
numa nova análise das datações de artefatos
e fósseis, indicam que o processo de "conquista"
do território europeu pelos ancestrais dos seres humanos
modernos foi extremamente gradual, com tempo de sobra para que
houvesse interações culturais e miscigenação
entre as espécies.
"Nosso trabalho destaca que
há fortes dados cronológicos e geográficos
em favor da ideia de que essas populações coexistiram
na França e no norte da Espanha pelo que, potencialmente,
foi um período muito longo", disse à Folha
o primeiro autor da pesquisa, Igor Djakovic, da Faculdade de Arqueologia
da Universidade de Leiden, na Holanda. O trabalho acaba de sair
na revista especializada Scientific Reports.
Para ser exato, Djakovic e seus
colegas Alastair Key e Marie Soressi estimam que a interação
entre Homo neanderthalensis e Homo sapiens na
região teria durado entre 1.400 anos e 2.900 anos. Na estimativa
mais curta, seria um período equivalente ao que separa
as pessoas vivas hoje do nascimento do profeta Maomé (por
volta do ano 570 d.C.). No caso da mais longa, é o intervalo
entre o século 21 e o reinado do monarca israelita Salomão
em Jerusalém (que teria terminado em 930 a.C.).
A equipe do estudo baseou suas
conclusões em análises de duas tradições
bem conhecidas de fabricação de artefatos na Europa
pré-histórica, ambas com nomes derivados de localidades
francesas.
De um lado, há a tradição
chatelperroniana, um pouco mais antiga, considerada o último
estilo de produção de instrumentos adotado pelos
neandertais antes de seu desaparecimento há cerca de 40
mil anos. Do outro há o chamado proto-aurignaciano, que
já seria característico das populações
de Homo sapiens.
Existem algumas semelhanças
entre os estilos, como a presença de pequenas lâminas
de pedra, instrumentos de osso e adornos (como colares). Isso
levou alguns pesquisadores a propor que a tradição
chatelperroniana poderia ser uma reação dos neandertais
à presença da espécie recém-chegada
em seu território. Nesse caso, eles estariam incorporando
elementos da cultura do H. sapiens ao seu próprio
repertório cultural.
Ainda não há consenso
sobre essa interpretação, mas o fato é que,
juntando os tipos de artefatos com os fósseis de ambas
as espécies, é possível usar as tradições
de instrumentos para mapear como humanos de anatomia moderna e
neandertais se espalhavam pela paisagem ao longo do tempo.
A França e a Espanha são
cenários importantes para esse mapeamento justamente porque
elas foram os territórios derradeiros dos neandertais,
já que estão no extremo oeste da Europa. Ao que
tudo indica, os grupos de H. sapiens, originários, em última
instância, da África, estavam vindo do sul e do leste,
espalhando-se pelo continente. Pelo que indicam os dados de DNA,
parte deles se miscigenou com os neandertais, mas a maior contribuição
para o genoma das pessoas vivas hoje veio, de longe, apenas dos
H. sapiens.
"No caso da tradição
proto-aurignaciana, há indícios de que a rota seguida
pelas pessoas que produziam esse tipo de tecnologia foi pelo sul,
seguindo o Mediterrâneo, de alguma forma. Ela só
se espalha para o norte depois do desaparecimento progressivo
do chatelperroniano", explica Djakovic.

O pesquisador e seus colaboradores
usaram 66 datações obtidas a partir de artefatos
e fósseis e aplicaram a elas um novo tipo de calibração,
cujo propósito é estimar as idades reais dos objetos
de forma mais precisa. Isso é necessário porque
essas datações dependem da flutuação
de elementos químicos radioativos na atmosfera ao longo
de milhares de anos. Em alguns momentos da história da
Terra, isso muda por causa de fatores externos, como a atividade
do Sol.
A equipe levou em conta o mapeamento
mais atualizado desses dados, além de análises estatísticas
que permitem estimar qual teria sido o provável aparecimento
e desaparecimento das tradições culturais estudadas.
Foi assim que chegaram às novas estimativas.
Os processos que acabaram levando
à substituição dos neandertais ainda não
estão totalmente claros. "Outros mostram de forma
bastante convincente que, de maneira geral, os neandertais tinham
densidades populacionais bastante inferiores aos dos humanos modernos
que eram seus contemporâneos", diz Djakovic. Isso pode
ter sido um dos fatores-chave, mas ele também lembra que
isso pode ter variado de região para região da Europa.