Frederico Lourenco tradutor de 'Bíblia
- Novo Testamento'
por REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de SP
Para quem já encarou traduzir toda a obra de
Homero e foi aclamado pela crítica por isso, verter o grego
supostamente singelo dos Evangelhos para o português talvez
não pareça um grande desafio.
O helenista português Frederico Lourenço,
no entanto, faz questão de ressaltar que as páginas
bíblicas alcançam uma força literária
que nada deve aos grandes autores da Antiguidade clássica.
Lourenço, também autor de "O
Livro Aberto: Leituras da Bíblia', compilação
de ensaios que ele virá lançar pela Oficina Raquel na
Flip, em julho, é um apaixonado pelas escrituras.
"Para mim, o Evangelho de João é
o texto mais belo que conheço, em qualquer língua",
diz à Folha.
Os quatro Evangelhos ditos canônicos, aceitos
por todos os cristãos – Mateus, Marcos, Lucas e João
– perfazem o primeiro volume da tradução da Bíblia
grega feito pelo professor de estudos clássicos da Universidade
de Coimbra, que sai agora no Brasil. Mais cinco volumes cobrirão
os demais livros do Antigo e do Novo Testamento.
Mas por que traduzi-los do grego? Em primeiro lugar,
embora o Antigo Testamento na língua de Homero já seja
uma tradução dos originais em hebraico e aramaico, ele
parece preservar, em certas passagens, um texto mais antigo do que
o adotado como padrão pelas comunidades judaicas já
na Idade Média.
Além disso, durante séculos, a versão
grega teve autoridade sacra para quase todos os judeus da diáspora,
e foi com base nela que os primeiros cristãos, originalmente
membros de uma seita judaica, construíram sua teologia.
"A Escritura judaica dos que escreveram o Novo
Testamento era o Antigo Testamento grego. Também por isso
decidi fazer a tradução: para que se possa ler em
português a Escritura judaica tal como era lida pelos primeiros
cristãos", explica Lourenço.
Surpresas não faltam para quem está
acostumado a ler traduções consagradas dos Evangelhos
para o português. Um exemplo é o próprio Jesus,
normalmente traduzido como "o Filho do Homem". Na nova versão,
Lourenço preferiu "o Filho da Humanidade".
A forma já foi adotada por outros especialistas,
até porque, como lembra Lourenço em sua introdução,
o Jesus bíblico não era filho de homem algum, embora
tivesse sido gerado por uma mulher.
Ele também não tentou suavizar o uso
constante de poucas conjunções, como "e" ou
"mas", o que pode soar repetitivo, mas era indispensável
em textos nos quais não havia pontuação, espaço
entre palavras ou diferença entre maiúsculas e minúsculas.
No conjunto, as escolhas do tradutor produzem o que
talvez seja o acesso mais direto possível aos textos originais
dos Evangelhos para os leitores que não dominam o grego.
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BÍBLIA - NOVO TESTAMENTO
TRADUÇÃO Frederico Lourenço
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 69,90 (424 págs.)
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