Luiz Signates

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Luiz Signates
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“Kardec foi um visionário quando trabalhou a ideia de que a última fase de propagação do Espiritismo seria a da reforma social. No momento em que estivermos em condições de dar à sociedade uma opção efetivamente importante estaremos de fato dentro do caminho correto, como espíritas”.

Esta conclusão do jornalista Luiz Signates direciona a entrevista que deu a integrantes do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita-CPDoc, no final do ano 2000, em Santos.

Participaram do encontro, Eugenio Lara, Reinaldo Di Lucia, Adhemar Chioro dos Reis e Marissol Castello Branco. Signates, jornalista e professor da Universidade Federal de Goiás, atua na área de divulgação do Espiritismo.

Esta entrevista foi originalmente publicada no PENSE
- Pensamento Social Espírita

 

 

PENSE - Quem é Signates?
SIGNATES - Sou jornalista profissional e professor da Universidade Federal de Goiás. Tenho 41 anos, casado, pai de três filhos. Me tornei espírita em 1975 com a leitura do Nosso Lar, obra que balançou minha cabeça.

PENSE - Você acha que começou bem?
SIGNATES - Não sei, acho que sim (risos). Acredito que sim pois ele me desvendou uma realidade inesperada e me vinculou de uma maneira tão forte ao Espiritismo que, confesso a você, não me lembro mais como pensava e como eu era antes, nos meus 15 anos. Em 28 de março de 1976 fui ao primeiro centro espírita de Goiânia. Em 1979 fui convidado a assumir um departamento na Federação Espírita do Estado de Goiás e estou no Espiritismo até hoje. Dois meses depois eu já havia lido as principais obras de Kardec e várias de Chico Xavier. Eu passava dia e noite lendo tudo aquilo. Sou de Goiânia e moro lá até hoje. Fui vice-presidente de comunicação social espírita da Federação e atualmente atuo na Abrade - Associação Brasileira dos Divulgadores Espíritas e faço mestrado na ECA-USP.

PENSE - Você tem defendido a idéia de que ao invés de se discutir temas divergentes, os espíritas deveriam partir para um caminho mais sociológico, mostrando em termos filosóficos para a sociedade as contribuições que o Espiritismo pode dar nessa área. Você acha que isso poderia ser um fator de união entre espíritas com uma forma diferenciada de encarar a Doutrina Espírita?
SIGNATES - Acho que algumas coisas têm de ser separadas. O caminho que tenho sugerido, de forma despretensiosa, apenas como uma forma das pessoas pensarem sobre o assunto, é para o movimento espírita, sobretudo, uma opção ética. Encarar o Espiritismo como uma ética específica. Nesse sentido, temos trabalhado a idéia de uma ética de fraternidade, capaz de nos unir, os espíritas entre si e também em relação aos interesses, às demandas da sociedade. Kardec foi um visionário quando ele trabalhou a idéia de que a última fase de propagação do Espiritismo seria a fase de reforma social. No momento em que estivermos em condições de dar à sociedade uma opção efetivamente importante nós estaremos de fato dentro do caminho correto, como espíritas.

A interpretação que eu faço é que só é possível atingir isso dentro da opção de uma ética de vida, de uma ética de fraternidade em relação à questão social e não o Espiritismo como uma ideologia que venha a converter as pessoas. Nós não vivemos mais num mundo de pensamento único. Vivemos num mundo que se mundializa de uma maneira muito vertiginosa, num processo que não tem só aspectos positivos, mas tem aspectos negativos. Essa mundialização é também a destruição de identidades culturais, a pauperização de faixas enormes da sociedade. A mundialização é econômica e política, um projeto de dominação, um processo fomentador de injustiças sociais. Isso tudo tem de ser redimensionado numa ótica espírita.

Então eu acho que o caminho é sobretudo ético. O que é sociológico é o meu estudo pessoal. O Espiritismo é para mim um movimento social. Incluindo nessa idéia, de movimento social, o mundo dos Espíritos, que é feito de gente também. Com todas as características, positivas ou não, de um movimento social. Que às vezes se articula politicamente, que se fragmenta ideologicamente, que entra em contradição consigo mesmo. Hoje nós vivemos uma contradição entre o que a gente diz e o que a gente faz.

PENSE - Qual a diferença entre o Espiritismo enquanto corrente filosófica e o Espiritismo como movimento social? São duas visões diferentes.
SIGNATES - O Espiritismo é um movimento social inspirado em uma filosofia específica que no Brasil se transforma em uma teologia, tem todas as características de uma teologia, na prática, em suas características pragmáticas. Como movimento social a gente separa as pessoas entre espíritas e não espíritas. A gente se constitui por uma identidade cultural própria e essa identidade passa pela admissão de determinadas crenças e determinados princípios de crença. Eu não considero isso, sob uma perspectiva sociológica, um mal em si.

PENSE - O Espiritismo é para você uma corrente filosófica?
SIGNATES - Sim.

PENSE - E essa idéia é incompatível com o conceito de movimento social?
SIGNATES - De maneira nenhuma.

PENSE - Essa separação que comumente se faz entre Espiritismo e movimento espírita é puramente teórica?
SIGNATES - É não somente teórica mas também de índole positivista. Não se separa hoje em dia o ser que pensa daquilo que é pensado.

PENSE - Então os sociólogos e antropólogos estão corretos ao considerarem o Espiritismo como uma religião.
SIGNATES - Sociológica e antropologicamente não tem como negar que o Espiritismo seja uma religião. Na prática ele é uma religião e se insere dentro do perfil das religiões e a prática dele é religiosa. Agora, isso não significa que não seja possível fazer ciência no Espiritismo, que não seja possível utiliza-lo como um objeto de ciência. Uma coisa não impede a outra. Mesmo essa tentativa que existe entre nós de separação do aspecto científico da prática religiosa é uma pretensão positivista, herdada do século 19. Como todo movimento de índole ideológica ele traz dentro de si questões que se reproduzem como se fossem mitos de origem, se reproduzem dentro de nosso processo de prática. A disputa que existe entre ciência e religião, por exemplo, é pelo menos no âmbito das ciências sociais algo que não se questiona. O Espiritismo é uma religião na prática por que os espíritas no Brasil fizeram dele uma religião.
É um mal em si ele ser religião? Pode ser que sim, pode ser que não. Um aspecto que acho muito positivo no formato do Espiritismo como religião é a capacidade que a religião tem de galvanizar as emoções e de transformá-las em prática social. Um aspecto negativo é a tendência ao dogmatismo e à intolerância que leva à incapacidade das pessoas em se reunir e discutir as coisas com liberdade, com tranqüilidade. A formação de áreas e a interrupção do diálogo é um aspecto negativo do Espiritismo enquanto movimento religioso. Vejo aí a religião não como simples teoria, mas como uma prática social específica. É possível inclusive afirmar que determinadas ciências são quase religiões. Por que se desencadeia um nível de dogmatismo em relação a determinados pressupostos. Veja o marxismo, por exemplo. Há partidos marxistas no Brasil que na prática são verdadeiras religiões.

PENSE - Chegam a ser milenaristas e fundamentalistas.
SIGNATES - Veja o PSTU e o PCdoB. São partidos que trazem uma índole de adesão religiosa muito grande. Existe um núcleo de conteúdo de crença que ou são aceitos ou a pessoa está fora. Você quer uma coisa mais religiosa do que passeata? É uma procissão! A palavra de ordem funciona como uma ladainha. Essas coisas são aglutinadoras da sociedade. Elas galvanizam sentimentos, simplificam o modo de pensar, o discurso. No discurso marxista, você não precisa ter lido o Capital para entrar num partido desses.

PENSE - Há muitos comunistas que nunca leram o Capital, uma obra difícil, um tratado de economia política.
SIGNATES - Pois é o salto religioso que viabiliza uma agregação, a formação de um movimento social, de um movimento de massa. O Espiritismo tem essas características? Claro que tem. Como tudo aquilo que na sociedade deve ser visto dialeticamente, o Espiritismo tem, nessas características, aspectos que são muito positivos e aspectos muito negativos.

PENSE - Kardec considerou o Espiritismo como o secundador do processo de regeneração da humanidade. O que ele quis dizer com isso? Que não é o Espiritismo que iria causar a transformação. Isso significa que ele não tem que se constituir num partido. Inclusive, pelas divergências e diferenças que existem entre os espíritas isso seria inviável.
SIGNATES - Isso seria não somente inviável, mas também algo indesejável. Na sociedade moderna, muitos sociólogos e filósofos sociais da atualidade dizem isso com muita firmeza: na sociedade capitalista moderna acontece uma desconexão de dois grandes sistemas de natureza estratégica e instrumental, orientados para a reprodução simplesmente material. Que são o sistema da economia e o sistema de Estado. O sistema da economia orientado para a produção, para a reprodução material e o sistema de Estado destinado à reprodução material do poder. Esses dois sistemas se entrelaçam, conflitam um com o outro, mas eles se diferenciam da sociedade, de seus interesses mas até certo ponto.

Tornar o Espiritismo um partido seria vinculá-lo a um desses sistemas. Torná-lo uma instituição vinculada ao Estado, seria transformá-lo numa instituição de poder.

PENSE - Seria um suicídio.
SIGNATES - Seria a institucionalização completa do Espiritismo como sistema de poder. Ele se descaracterizaria como a Igreja Católica se descaracterizou em relação ao cristianismo. Na história das religiões temos diversos exemplos de institucionalização que culminaram na negação da própria revolução que deu origem a esses conjuntos de idéias, a esses movimentos. É interessante até observar que no mundo contemporâneo as organizações que passam a constituir um sentido muito forte de representarem a sociedade nesse sentido são as organizações não-governamentais (ONGs), cuja natureza específica é justamente não pertencer ao sistema de Estado. Aquele objetivo que é de índole bem marxista, de fazer um partido e de se apropriar do Estado, não é conveniente a qualquer movimento que deseja se manter identificado com interesses efetivos, espirituais ou não, da sociedade. Não é nem viável nem desejável.

PENSE - Poderíamos dizer que o Espiritismo então é um movimento contracultural? É claro que a palavra contracultura está vinculada a uma idéia que surgiu nos anos 60, ao movimento hippie, ao chamado flower power. Ao invés de se partir para a conquista do poder, você nega esse poder e criar um outro poder. Um poder alternativo, contracultural. Os hippies tentaram fazer isso mas em função das drogas e da ausência de uma base filosófica mais sólida, não deu certo. Será que a atuação do Espiritismo não tem que ser no plano filosófico, cultural, secundando esse processo de mudança social, como Kardec mesmo falou?
SIGNATES - Não há nem condições sociais, históricas, políticas do Espiritismo ser partido. Assim também não há condições para que ele seja contracultura. No Brasil o Espiritismo é um movimento de classe média. Querer que um movimento desses seja contracultural é querer demais. Eu acho que no Brasil o Espiritismo é um movimento social que se tornou forte por conta da forma como ele assume um certo imaginário de construção da identidade cultural brasileira. Tenho comentado isso nos meios acadêmicos com alguns sociólogos e alguns antropólogos. Ainda não foi estudada a contribuição que o movimento espírita brasileiro nesses últimos 150 anos deu à construção da identidade cultural brasileira, do brasileiro se conhecer como brasileiro e gostar do Brasil. Nisso o Espiritismo tem dado uma contribuição. Você brincou com a idéia do “Nosso Lar” no início da nossa conversa. E digo a você que o Nosso Lar faz parte da construção de um imaginário de Brasil autoafirmativo.

PENSE - Assim como aquele livro do Humberto de Campos (Espírito), Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho?
SIGNATES - Sim. É aquilo que a Marion Aubree e o François Laplantine chamam no livro La Table, le Livre et Les e Spirits, de brasilodisséia. O Espiritismo talvez tenha construído o primeiro relato mítico do Brasil como o país central do mundo. Todas as grandes civilizações do mundo, da história, tinham um relato mítico, tinham uma mitologia. Estou observando isso numa perspectiva antropológica. Ou seja, eu não estou me importando, não estou discutindo se isso é verdadeiro ou não. Mas sim a forma de como isso se torna uma prática social, a forma de como se constrói, dentro do movimento espírita e não só dentro dele, elementos que se desencadeiam a partir do Espiritismo no Brasil. E o Espiritismo já tem um punhado de filhos. O primeiro deles é a Umbanda.

PENSE - Você quer dizer que a Umbanda surgiu no movimento espírita?
SIGNATES - Os cultos afro-brasileiros antecedem ao Espiritismo mas a Umbanda não. É uma religião brasileira surgida do sincretismo entre o candomblé e o Espiritismo Kardecista, na década de 30, no Rio de Janeiro. Isso é histórico, é documentado.

PENSE - Essa não é a visão de Cândido Procópio em seu livro Kardecismo e Umbanda.
SIGNATES - Isso é pós-Procópio. O espírita brasileiro só leu Cândido Procópio, Arthur Ramos. Enquanto se “falava mal” da religião negra o espírita leu. A partir do momento em que ela passou a ser valorizada, a ser estudada como movimento social pela antropologia, pela sociologia, os espíritas brasileiros, me parece, deixaram de estudar. Não que fizeram isso por má-vontade.

PENSE - Como se deu então o surgimento da Umbanda?
SIGNATES - A Umbanda surge em dois centros espíritas do Rio de Janeiro, na década de 30, no início do êxodo rural e da industrialização no Brasil. Esses dois grupos resolveram questionar a comunicação mediúnica somente com Espíritos de brancos. Passaram a querer se comunicar com os Espíritos dos negros, dos índios. Evidentemente, por conta da época, de uma maneira que esses Espíritos eram construídos a partir de um imaginário romântico, pois o caboclo e o preto velho fazem parte desse imaginário. As tradições negras nunca lidaram com Espírito desencarnado. Essa idéia é espírita. Essas tradições sempre lidaram com deuses, com orixás, que são deuses tribais. E que foram sincretizados com o catolicismo como uma forma de enganar os senhores de escravos para poderem desempenhar o culto deles, mesmo sendo católicos, como era o Império.

A Umbanda é, documentalmente, o primeiro filho do Espiritismo, um filho rejeitado.

PENSE - E como as lideranças espíritas reagem quando você faz essa afirmação?
SIGNATES - Algumas me questionaram e procuraram saber se não haveria alguma maneira de se provar o contrário disso que estou afirmando. Eu respondi que sim, que é perfeitamente possível provar o contrário, desde que se faça ciência. Não existe ponto final em pesquisa científica.

PENSE - Mas nesse terreno há muita confusão. As pessoas confundem Umbanda com Candomblé, com Aruanda, Quimbanda etc.
SIGNATES - Do mesmo jeito que os católicos confundem os espíritas com os umbandistas, com o candomblé. Sempre quando se é contra alguma coisa a tendência é reduzir as pessoas e deixar de ver nelas as diferenças. As religiões negras no Brasil começaram espíritas e é por razões históricas que ainda existem tendas espíritas de umbanda. Elas se iniciaram assim. Mas foram duramente rejeitadas. Houve instituições de grande porte que colaboraram, na época da repressão getulista, na perseguição aos terreiros de Umbanda e de Candomblé, aos terreiros de magia negra. Colaboraram com a polícia, com a repressão.

PENSE - A Umbanda é mais democrática do que o Espiritismo?
SIGNATES - Não faço a mínima idéia. Eu sei que é uma cultura que se diferenciou. A Umbanda é hoje um movimento próprio, uma religião própria, também extraordinariamente fragmentada, que não se confunde mais com o movimento espírita. Se bem que até hoje ainda existem coisas que tenho chamado de ressincretismos, de instituições espíritas que ainda lidam com faixas intermediárias entre essas diferenças. Chamando às vezes atenção para aquilo que o Cândido Procópio denomina de continuum mediúnico, talvez tenha alguma razão de ser, embora metodologicamente, cientificamente, seja muito difícil de ser sustentado.

PENSE - Que construção da identidade brasileira é essa?
SIGNATES - Essa contribuição que a idéia espírita, trazida da França para o Brasil, oferece ao imaginário, à construção da identidade brasileira ainda está por ser descrita pelas ciências sociais. Por que o Espiritismo faz tanto sucesso no início nas regiões principalmente do Rio de Janeiro e da Bahia e aqui em São Paulo, no final do século retrasado e início do século 20? Porque havia no imaginário brasileiro, da elite brasileira da época, das classes mais intelectualizadas, um sonho muito grande de transformar o Brasil numa segunda Europa. O Espiritismo veio e trouxe para nossa elite essa impressão de que agora nós somos europeus quando a gente se torna espírita. Isso cumpre uma função importante na construção do imaginário brasileiro. Os relatos mediúnicos do Chico Xavier em estilo muito romântico são bem próximos da discursividade da prática católica que influenciou muito a formação da estrutura institucional do Espiritismo brasileiro. O nosso Espiritismo se casou com a cultura brasileira de uma forma que deu muito certo e que dá uma contribuição importante para a formação dessa nossa identidade.

PENSE - A contribuição então, do Espiritismo, se dá em relação à construção do mito do Brasil do futuro, onde vai começar a Nova Era etc.?
SIGNATES - Me refiro ao mito em seu sentido positivo. Se você pegar a geografia, a fronteira brasileira, ela só existe na cabeça dos brasileiros. O mundo dos homens só existe na linguagem, nas relações sociais. Ele existe no mundo social. E no imaginário do brasileiro, no que ele é diferente do europeu, do americano, do argentino etc.

PENSE - A questão é cultural. Mas essa idéia de que o Brasil é o celeiro do mundo, o arauto da Nova Era, não é tão repulsiva assim. É uma idéia muito positiva. Assim como tem a Terra dos Bravos, pois os norte-americanos também possuem o seu imaginário. Todo povo tem que ter isso por uma questão até de sobrevivência cultural. Mas essa contribuição cultural do Espiritismo não é uma visão emprestada do esoterismo?
SIGNATES - Eu diria o contrário. É o esoterismo que se apropria dessa visão. Me refiro ao movimento New Age nos EUA, ao Espiritualismo que surgiu no século 19, a Teosofia, a Antroposofia, o círculo do pensamento esotérico que veio para o Brasil e que fez parte do movimento espírita numa certa época. Esses movimentos surgem ao mesmo tempo e alguns deles, posteriormente ao movimento espírita na França. O Espiritismo no século 19 foi uma das grandes mães do movimento espiritualista que hoje toma conta do mundo contemporâneo. Não é à-toa que praticamente todos esses movimentos se reportam aos fenômenos de Hydesville ocorrido com as Irmãs Fox nos Estados Unidos. A filosofia do Edgard Cayce, por exemplo, ensina que a anunciação, de que o relato mítico original se dá em Hydesville. E é quase o mesmo relato que nós fazemos. O Espiritismo deu uma contribuição importante na criação da Teosofia, de onde surge a Antroposofia. A grande questão é que o Espiritismo no Brasil não sofre a fragmentação que ocorreu em outros países e nem perde o seu caráter de racionalidade, que herdou do racionalismo francês, a partir do trabalho de Allan Kardec, e que aqui se torna mais um de nossos discursos mais ou menos míticos, porque a gente se diz ciência, mas não é ciência na prática.

PENSE - Essa é uma das grandes contradições do Espiritismo brasileiro.
SIGNATES - Sim. A gente se diz filosofia, tem uma vertente filosófica muito importante, especialmente no âmbito da filosofia moral e da teologia. Nós temos uma teologia espírita. A gente não chama assim mas é assim que ela funciona. Mas que de certa forma descoincide com algumas coisas de nossa prática, que vem sendo analisada com bastante acuidade pelos espíritas de mentalidade mais laica. Embora ainda mantenham alguma coisa daquela busca de origem, daquela busca da diferenciação: “nós somos ciência, não somos religião”. E que é uma coisa problemática, do ponto de vista da forma de construção social do Espiritismo brasileiro. Tanto quanto negar o Espiritismo como uma prática religiosa que se tornou, até certo ponto, popular no Brasil.

PENSE - Mas, retomando aquela questão do imaginário: a profecia do Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho é do Dom Bosco que, em estado de êxtase, proferia profecias e uma delas se refere ao Planalto Central, de onde surgiria “a terra do leite e do mel”. Ora, nem nisso Humberto de Campos (Espírito) foi original. E esse livro, psicografado por Chico Xavier, tornou-se a bússola do movimento espírita brasileiro a partir de 1949, com a instituição do chamado Pacto Áureo, um acordo autoritário de lideranças espíritas em torno da Federação Espírita Brasileira. Esse imaginário que você se refere não é muito claro. Talvez os estrangeiros brasilianistas conheçam mais sobre esse imaginário do que os nossos antropólogos, com exceção do Roberto da Matta, Darcy Ribeiro e do sociólogo Renato Ortiz, dentre outros pensadores. O que há são idéias enxertadas de outras correntes de pensamento que o Espiritismo brasileiro absorveu sem muito questionamento.
SIGNATES - É muito problemático querer que em cultura uma idéia só tenha validade se ela tiver originalidade. Nossa cultura, a brasileira, é uma mescla, com uma influência européia muito forte. Nós não poderíamos nem reivindicar que o Espiritismo viesse a fazer pesquisa científica porque a ciência também não foi inventada pelo brasileiro. Penso que essa correlação das profecias do Dom Bosco com o relato mítico do Humberto de Campos, se for consistente, isso não faz mais do que corroborar o fato de que o Espiritismo brasileiro foi construído a partir de uma estrutura católica, que é uma verdade histórica. Os primeiros praticantes de sessão mediúnica no Brasil, na segunda metade do século 19 vieram católicos. O catolicismo era a religião oficial do Império. Ainda não havia a laicidade do Estado e se consolidado a idéia de que a pessoa pudesse ter a religião que escolhesse. Uma idéia de certa forma mercadológica, da religião como uma escolha, que é uma idéia do século 20.

Até o século 19 a religião era a do lugar de onde se nascia. O filho de pais judeus é então judeu. A religião é uma questão de identidade cultural. A guerra, por exemplo, entre católicos e protestantes não tem nada a ver com a religião, assim como o conflito entre judeus e palestinos não passa pela estrutura do pensamento religioso. Elas têm a ver com a territorialidade, com a economia, com relações sociais concretas. No Brasil do século 19 havia padre que participava de reunião mediúnica. Essas pessoas praticavam o Espiritismo, eram espíritas mas se diziam católicas.

Dentro da obra de Kardec a gente vê essa possibilidade se anunciar diversas vezes. Está na Revista Espírita, em O Livro dos Médiuns, de que poderia haver espíritas católicos, protestantes, mas não haveria espírita ateu, seria algo mais difícil e bem mais contraditório. O que acontece historicamente no Brasil, assim como na Espanha é que há uma perseguição muito grande fomentada pela Igreja Católica e, posteriormente, pela Igreja Protestante, de combate ao Espiritismo. Isso força o movimento espírita a uma postura de autodefesa e que conduz à construção de uma identidade cultural própria do espírita. O direito de ser espírita passa a ser uma reivindicação.

Houve também no final do século 19, no Brasil, para que se instaurasse instituições espíritas, para que o Império de D. Pedro II permitisse isso, a reivindicação da liberdade religiosa. E aí se consolida o Espiritismo a partir do imaginário de religião.

PENSE - Com uma associação muito forte com a Maçonaria, inclusive.
SIGNATES - Com o positivismo também, apesar de alguns conflitos. O Ubiratan Machado (Os Intelectuais e o Espiritismo) trabalha um pouco com essa idéia. Mas o que importa ressaltar é que no Brasil o Espiritismo se torna um movimento religioso, organizado, fundado numa determinada prática, na prática católica. Nós aprendemos com os católicos a assistência social. As casas de misericórdia da Igreja Católica, de se voltar para o pobre, foi de onde se tirou a idéia da assistência social. O Evangelho Segundo o Espiritismo de Kardec foi uma obra trabalhada para criar essa possibilidade de relação com a teologia da Igreja, de fazer com que o católico não estranhasse tanto o Espiritismo, para que ele pudesse aceitar e superar de uma maneira negociada essa questão, justamente fazendo aquilo que a meu ver é mais correto, tentando tanger a história da religião por um caminho ético e não teológico. Ser cristão é viver de acordo com a ética de Jesus, que é uma ética universal, válida para o budismo, o hinduísmo, para todas as grandes religiões universais.

O Espiritismo se constrói dessa forma, se transforma numa religião e é assim que ele acaba dando certo no Brasil. Ele produz uma identidade cultural própria, que se fragmenta em algumas religiões menores e em algumas muito maiores. O movimento de Umbanda, por exemplo, é muito maior do que o movimento espírita.

PENSE - Maior em que sentido? Da quantidade de pessoas, de instituições? Pelas estatísticas a Umbanda vem após o Espiritismo em termos de movimento, de adeptos.
SIGNATES - Isso ocorre muito provavelmente por que as pessoas não se declaram umbandistas. Há ainda um preconceito muito grande em relação à Umbanda. Mas quero voltar à questão da originalidade da cultura. Nem o Espiritismo é tão original assim. As coisas na cultura nascem e se enraízam a partir do chão que existe. E a viabilidade de um movimento social, de um movimento cultural é a capacidade que ele tem de dar soluções ao futuro. O Espiritismo não se fragmenta como as religiões por causa do Brasil, da forma como ele se introduz na identidade cultural brasileira. Aí ele não se fragmenta como o movimento New Age, nos Estados Unidos.

PENSE - Ou como o protestantismo.
SIGNATES - Sim. Se bem que são fragmentações diferentes.

PENSE - Mas e na América Latina? A formação do Espiritismo em nossos países vizinhos se dá de uma maneira bem diferenciada.
SIGNATES - Eu confesso que não conheço muito. Tenho estudado o Espiritismo brasileiro mas desconheço o movimento espírita latino-americano.

PENSE - Há registros de que muitas lideranças expressivas como José Martí em Cuba, o presidente Madero no México e até Augusto Sandino, líder da guerrilha sandinista na Nicarágua, eram espíritas. Isso dá uma outra conotação ao Espiritismo nesses países.
SIGNATES - Isso para mim é uma novidade absoluta. Mas eu acho problemático falar de uma identidade latino-americana. A história dos países de fala espanhola são completamente diferentes da história do Brasil. Há uma cisão cultural.

PENSE - O Brasil é um “estranho no ninho”.
SIGNATES - Ou eles são “estranhos”. Não sei. Veja por exemplo as crises econômicas, como elas acontecem. Na Argentina vemos que a índole cultural e política da população é diferente da brasileira. E o Espiritismo há de ser diferenciado. O Brasil conta uma história do Espiritismo que é tipicamente brasileira. Eu não sei se, como no nosso País, o Espiritismo se insere na identidade cultural desses povos de fala espanhola. A contribuição espírita a nossa identidade cultural é muito importante. Eu acho um crime não incluir na sociologia da religião o movimento espírita.

PENSE - Para entender esse processo com mais abrangência é necessário vê-lo sob uma perspectiva milenarista. Trata-se de uma ideologia surgida no período medieval que sobrevive até hoje e que se constitui numa interpretação peculiar do Apocalipse de São João, visando a construção do Reino de Deus aqui mesmo na Terra, um paraíso terrestre. Essa ideologia tentacular inspirou os grandes navegantes, movimentos como o de Canudos e inclusive o próprio Espiritismo, notadamente o Espiritismo brasileiro. Aquele livro do Humberto de Campos é uma obra de características milenaristas.
SIGNATES - O que vejo aí é uma vertente de construção religiosa do Espiritismo. É um imaginário de nação, um imaginário de povo, de sociedade e que, mal ou bem, faz as pessoas que aderem a ele acreditarem num Brasil do futuro. E buscam essa realização, constróem instituições, organizam um movimento social. Para a religião a pergunta que tem de ser feita é até que ponto existe eficácia social no que está sento feito, até que ponto as pessoas estão avançando, crescendo enquanto pessoas e enquanto grupo social. Todos os relatos, mesmo os de caráter laico, que buscam descrever o futuro falam mais do presente do que do futuro, como em seriados de ficção científica, no seriado Jornada nas Estrelas, por exemplo.

Eu acho que o Espiritismo, por ser um movimento sócio-cultural, humano, inclusive se incluirmos o mundo espiritual ele continua humano, não tem como escapar disso. A grande dificuldade que nós espíritas temos tido de enxergar o Espiritismo por essa perspectiva se deve especialmente ao fato de ele ter surgido antes da sociologia que descreve isso e de não tê-la acompanhado. Na medida em que consigamos acompanhar teremos condições de ver o mundo espiritual dentro de uma perspectiva social e política, imbricado com a nossa sociedade, e sujeito também às mudanças históricas, ao sonho, a relatos imaginários. Através dos mitos, dos ritos, de relatos mitológicos é que os povos, os grupos sociais constróem o seu sonho de futuro. A pretensão positivista de negar isso como possibilidade é querer proibir um grupo, um movimento social de sonhar, de planejar o futuro, de querer uma sociedade melhor. Acho que isso nem é possível. Vamos ficar falando sozinhos.

PENSE - Porque em artigos, teses, estudos sociológicos e antropológicos, que procuram dar conta da compreensão de nossa identidade nacional, os movimentos populares, os movimentos sociais, como o espírita, são deixados de lado? Trata-se de um preconceito ou de uma questão epistemológica?
SIGNATES - Acho que isso era um preconceito que prevaleceu até a década de 40 e 50, na Sociologia e na Antropologia.

PENSE - A visão positivista contribuiu também para isso?
SIGNATES - Também. Mas notadamente por causa do eurocentrismo, que foi o berço de origem dessas ciências. A Antropologia e a Sociologia surgem eurocêntricas. A Antropologia foi uma espécie de sociologia criada para estudar os povos primitivos. E primitivo era todo aquele que não havia chegado ao grau de cultura e tecnologia do europeu. O Espiritismo é prenhe desse processo. A visão antropológica de Allan Kardec, de como ele via as sociedades tribais, o negro, naquele texto muito ruim de Obras Póstumas (Teoria da Beleza), é bem influenciada pelo eurocentrismo.

PENSE - Você acha tão ruim assim esse texto de Obras Póstumas?
SIGNATES - Lógico. Esse texto não é digno de Kardec. É um texto por inteiro equivocado. E não acho que seja desdouro dizer isso dele. É para mim honrá-lo, seguir o método dele, poder fazer isso. Essa visão eurocêntrica predomina até o começo do século 20. Os nossos sociólogos tinham essa visão. E foi a partir desses estudos que se construiu no Espiritismo, por exemplo, a rejeição das práticas de Umbanda. Não era somente uma questão doutrinária, eram questões de natureza cultural e racial. A idéia de se tornar o Brasil uma cópia da Europa vemos nos relatos desses pensadores. Como nos textos de Arthur Ramos, onde ele prevê que no começo do século haveria uma branquificação, como que seria o processo de branquificação do Brasil, na medida em que iria ocorrendo a miscigenação. Ele previu que no ano 2000 não haveria mais negros no Brasil. Segundo as teses de eugenia, as teses de César Lombroso, a miscigenação era uma das coisas que criavam atraso no Brasil. A partir de trabalhos básicos de Gilberto Freyre, de Darcy Ribeiro isso começou a mudar, partindo-se para uma idéia positiva da miscigenação, ainda bastante romântica. 

O Darcy Ribeiro, em uma palestra na USP, no início da década de 90, pouco antes de morrer, ele diz uma coisa que eu acho interessantíssima. Ele diz assim: se você pega dois ou três ingleses e joga numa ilha do Pacífico, ele cria lá uma Inglaterra de segunda, como foi feito no Canadá, na Austrália e, até certo ponto, nos Estados Unidos. O ibérico, ao contrário do inglês, ele se procria com os nativos, com as índias, com os negros e cria-se aqui não uma Portugal de segunda mas um povo próprio. Isso é um relato positivo. O filho do negro com o português era africano? Não era. Era português? Só formalmente, pois quando o Império veio pra cá se decretou que todo mundo era português. Não era nem português nem africano, era brasileiro! Só Portugal é que constrói povos próprios.

Hoje em dia vemos filósofos franceses simpáticos à solução brasileira para o problema do racismo, solução essa que os países do Primeiro Mundo estão olhando com muita atenção. Ao invés de segregar, de criar uma política de cotas, de resguardar os direitos das minorias, ele se miscigena com essas minorias. E as minorias se tornam maioria, mais ou menos deserdadas, mas são maioria. O negro, o cafuso, o mameluco são as maiorias brasileiras. O perfil brasileiro não é tipicamente branco. O Brasil promove uma tolerância cultural e religiosa muito grande. Isso já começa a ser bem visto pelos intelectuais dos países mais antigos, que vivem conflitos seculares como o da Iugoslávia, da Irlanda e não conseguem resolvê-los, porque lá os povos não se misturam. Eles começam a enxergar, no Brasil, uma possibilidade de nunca haver um nazismo, de nunca haver segregação muito forte porque não é da nossa índole cultural.

PENSE - Poderíamos inferir então que o Espiritismo brasileiro é antropofágico?
SIGNATES - Mas tem que ser! O povo brasileiro é antropofágico, é de nossa história cultural. Toda cultura acaba sendo assim. Mesmo nos países do Primeiro Mundo as culturas não conseguem permanecer isoladas. Mesmo que a relação seja de guerra, acaba havendo interferência, uma sobre a outra, em processos de aculturação. No Brasil o Espiritismo só poderia ser construído à maneira brasileira.

PENSE - Essa construção se deu pelas características do povo brasileiro ou pelas características do Espiritismo? Como seria um centro espírita na Índia? Talvez houvesse muito incenso, imagem de Krishna, mantras etc.
SIGNATES - Ou talvez não. Eu não sei como seria. Devem existir centros espíritas lá. Eu sei que não teria como o Espiritismo se tornar um movimento da proporção que ele se tornou sem ter assumido as características brasileiras. Eu diria que foi a conexão desses dois fatores. Foi a natureza sincrética do Espiritismo, a partir da própria obra de Kardec, que vincula ciência e filosofia. Ele tentou fazer a conexão de dois planos que eram completamente separados pelo racionalismo francês: o plano da construção da razão e o plano da religião.

PENSE - Trata-se de um paradoxo, oriundo do Iluminismo.
SIGNATES - Mas era o paradoxo da época. A ciência é um movimento cultural e social que passa a existir no mundo depois da Idade Média, lutando contra a religião. A ciência só se torna uma instância separada porque lutou contra a Igreja Católica. Foi a primeira vez, na história da Humanidade, que se constituiu uma cultura atéia, por conta da herança e da necessidade de se fugir da Igreja, de se romper com seu processo de dominação. E a ciência já nasce sincrética. Até hoje as universidades são meio medievais, pois elas foram criadas pela Igreja. Não existe aquela revolução que rompe com tudo. Toda revolução traz consigo, numa perspectiva dialética, os elementos do antigo renovados. O Espiritismo é uma negociação entre a religião e a ciência, ocorrida no berço cartesiano, francês e positivista do século 19 e que, quando vem para o Brasil, essa natureza já sincrética se casa com a natureza sincrética do povo brasileiro.

PENSE - Mas, o que você entende como religião e como ciência?
SIGNATES - Ciência é um movimento social, humano, de busca de conhecimento a partir de uma pretensão de verdade levada ao seu limite. Religião é um outro tipo de movimento que se baseia em práticas, em princípios de crença, que não precisam obrigatoriamente serem verificados. Podemos hoje dizer, contemporaneamente, que a religião também cria um tipo de racionalidade, que não é a científica.

PENSE - A ciência tem que ter ética?
SIGNATES - Sim, temos que regulá-la senão ela se torna um instrumental de destruição. A razão humana não pode ser construída para destruir a humanidade. A ciência, por causa de ela se construir a partir de uma pretensão máxima de verdade, ela se torna, às vezes, antiética. A ciência, portanto, vive com dificuldades a afirmação da ética.

PENSE - E na religião? Como se dá a presença dessa ética?
SIGNATES - A religião faz quase que o contrário disso. Ela se constrói como ética, como uma relação social, é fundante de identidade social. A religião tem uma capacidade muito grande de mobilizar o ser humano e isso a ciência não tem. A religião em contrapartida tem uma dificuldade enorme de fazer prevalecer sua pretensão de verdade.

PENSE - Mas a ciência também tem uma pretensão de verdade. As pretensões de verdade da ciência e da religião são distintas?
SIGNATES - A pretensão de verdade é o pressuposto de que o que eu digo é verdadeiro. Ambas possuem isso. Mas a religião tem muito mais dificuldade de sustentar sua pretensão de verdade. Então eu acho que Kardec de fato fez uma mescla, um sincretismo, pois o Espiritismo é uma vinculação entre construções tipicamente científicas e filosóficas com construções tipicamente religiosas. Senão ele não teria falado de Deus, de Moisés, que são temas típicos da religião. Quando Kardec reúne essas duas articulações, acho que ele busca algo que é buscado até hoje pelos dois lados. Que é uma ciência que tenha uma capacidade ética grande e que se insira de maneira profunda na ética da sociedade. E a forma mais eficaz, mais profunda dessas dimensões entrarem na sociedade é através dos movimentos religiosos. Tanto é que o marxismo só dá certo como movimento social quando ele insere, em sua práxis, práticas que são de natureza nitidamente religiosas.

PENSE - Explique melhor essa expressão sincrética, sincretismo que você aplicou na análise da obra de Kardec. Você usa no sentido antropológico? Qual a diferença entre sincretismo e universalismo?
SIGNATES - Realmente são coisas bem diferentes. O universalismo pode ser visto por dois aspectos. O universalismo filosófico, quando se pretende que determinado conceito tenha um valor universal, que seja válido independentemente do contexto social, da época e do lugar. Um outro sentido é o que se aplica a movimentos, a religiões, à sociedade em sua quase totalidade, quando nos referimos às grandes religiões universais, que conseguem construir o sentido de uma época inteira, como foi o catolicismo na Idade Média. Quando eu falo de sincretismo estou falando de imbricamento de culturas, estou dizendo que não existe a cultura pura.

PENSE - Não existe, então, a pureza doutrinária?
SIGNATES - Não, não existe isso. No sentido de ser independente das coisas que lhe foram contemporâneas e anteriores não existe.

PENSE - Essa idéia de pureza doutrinária é anterior ao Espiritismo.
SIGNATES - Sim. Mas o sentimento que a anima é que é anterior. Existe desde que existe a religião. Segregação, expulsão de quem discorda, de quem é estranho, segregação do estrangeiro, é uma coisa histórica, cultural. É até uma forma pela qual os grupos sociais buscam sobreviver. Jesus foi vítima do movimento de pureza doutrinária do farisaísmo. A pureza doutrinária é uma pretensão dogmática do Espiritismo. O grande problema é o retorno ao mito de origem como uma forma de restabelecer as coisas, imaginando que quem faz esse retorno tem a visão correta, única e exclusiva da interpretação da verdade. E a pretensão de que ele dá conta da pureza original.

PENSE - É possível entender o Espiritismo fora de seu contexto histórico e cultural?
SIGNATES - De modo algum. Ele surge dentro de um meio cultural. É impossível explicá-lo abstraindo o iluminismo, o racionalismo francês. Eu costumo até brincar dizendo que se Kardec tivesse nascido na Inglaterra, estaríamos até hoje fazendo experimento mediúnico, pois o Espiritismo se surgisse lá seria uma vertente mais empirista e menos racionalista.

PENSE - E não seríamos nem reencarnacionistas.
SIGNATES - Talvez não (risos). Mas isso é brincadeira, é apenas uma especulação.

PENSE - Mas tem um sentido didático.
SIGNATES - Serve para ajudar a entender como é que não se pode pensar uma doutrina fora de seu povo, fora de sua circunstância social. Mas isso também significa dizer que, por exemplo, o pensamento de Kardec não tenha aspectos de genialidade, em que ele foi um gênio, quão visionário ele foi, que enxergou adiante de sua época. Essa é a característica de todo gênio. Ele tem duas faces. Tem a face de Juno. O deus Juno tinha uma face de trás da cabeça e uma na frente. Kardec era uma pessoa enraizada no seu tempo. Deu conta da pretensão positivista de sua época no Espiritismo e deu conta com galhardia. Ele consegue fazer uma mescla entre os dois sentidos díspares de sua época: a luta da ciência contra a religião. O Espiritismo vem da França já meio católico por conta disso. Kardec enxerga coisas no futuro. O Espiritismo orientado para a transformação social. É uma idéia visionária.

Tenho dificuldade de entender como é que ele conseguiu enxergar, dentro de um ambiente positivista, a idéia do duplo método que ele utiliza para a validação de conceitos espíritas, que ele faz na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Ele diz que os critérios dele eram dois: um, a razão, e o outro, era o critério que ele chama de autoridade universal do ensino dos Espíritos. Falar em razão ataviada aos fatos era uma pretensão positivista de um Kardec enraizado na sua época. Mas para ele a razão não era o bastante, observar os fatos não era o bastante. Ele tinha que fazer a análise dos discursos, dos conteúdos dos relatos vindos do mundo espiritual. Aqueles relatos, na medida em que eles eram universalizados em diversos locais, eles aumentavam a sua proporção de verdade, a sua probabilidade de verdade, isso era antipositivista. Vemos aí Kardec como um precursor de uma visão consensualista, que surge na filosofia no começo da década de 60, do século passado. É uma escola da filosofia que passa a definir a verdade como um consenso entre os especialistas. Um consenso de quem entende daquela verdade e que a torna muito sólida sob o ponto de vista social, mas relativa pois se os especialistas mudam de idéia, e se convençam de outra, podem eliminar a anterior. Kardec prevê isso, que está dentro do Espiritismo, anunciado. Isso é Kardec como um visionário, no meu ponto de vista.

Se você for querer descobrir o conceito de sincretismo, o conceito de aculturação e for enxerga-lo dentro do Espiritismo é só ler a obra de Kardec e ler as obras da cultura de sua época. Compare Kardec com Schopenhauer. Ele provavelmente tenha tirado a teoria do sofrimento deste filósofo. Kardec tinha uma grande admiração por Mesmer e pelo Vitalismo. Nenhum processo cultural surge sem se mesclar com a sua época. Então, pretender uma pureza doutrinária, ou que sejamos franceses, espíritas franceses do século 19 é uma pretensão, no mínimo ideológica, no mal sentido.

PENSE - O Espiritismo, afinal, é uma grande descoberta de um grande gênio com a participação de sujeitos desencarnados que colaboraram ou é ao contrário, e de fato, uma revelação?
SIGNATES - Se você considerar o contexto da época de Kardec, não tinha jeito. A idéia de revelação religiosa não coincidia, até certo ponto, com a idéia de revelação científica, com a idéia da descoberta. A pretensão positivista era de que a verdade, uma vez descoberta (daí porque a idéia de descobrir), por que a verdade não é uma coisa construída para o positivismo. Hoje em dia se você pensar no conhecimento científico, ele é um construto, conforme o olhar, o paradigma, a disciplina, o método que você usa. Então, o objeto muda. Uma coisa é um grupo social visto pela perspectiva de um antropólogo, outra coisa é o psicólogo olhando aquele grupo social. São as mesmas pessoas, a mesma situação, a mesma circunstância, são objetos inteiramente distintos. Então a ciência constrói o seu objeto, só que isso é pós-positivismo. Isso é a construção de uma idéia, de uma epistemologia, que já não é mais positivista. Para o positivismo a verdade era descoberta, o fato falava por si mesmo. A gente vê isso em Kardec. Diz ele que não teve idéias preconcebidas para interpretar a mediunidade, foi o próprio fato que se diz. Kardec tinha uma pretensão positivista e não tinha como não ser porque era o que de melhor havia na época dele. Então, essa pretensão de verdade desvelada, de verdade como descoberta, essa coisa que a fenomenologia vai recuperar depois na forma da aletéia, numa visão bem mais sofisticada, essa pretensão positivista coincide com a idéia de revelação. O progresso da ciência só se dava por acumulação. O positivismo não previa a possibilidade de a ciência nova destruir a ciência velha. Por isso a metáfora, de que até Kardec utiliza, da construção dos tijolos.

PENSE - Por isso que Kardec fala do Espiritismo como a Terceira Revelação.
SIGNATES - É a idéia do conhecimento construído por sobreposição, é uma idéia de progresso do conhecimento, a idéia de evolução. Não perdemos nada, a gente só avança, só aumenta, só amplia. Esse conceito de progresso está contido até hoje no nosso capitalismo. A idéia do crescimento da economia, do crescimento da sociedade, o desenvolvimentismo que é de índole positivista.

Essa pergunta poderia ser respondida com o olhar de hoje. Mas se contextualizarmos veremos que a idéia de revelação científica e revelação religiosa para o século 19 e para Kardec são muito próximos. Uma coisa tem muito a ver com a outra.

PENSE - Qual a implicação que essa discussão traz hoje?
SIGNATES - É a gente deixar de enxergar o Espiritismo como uma verdade com “v” maiúsculo e vê-lo como conhecimento.

PENSE - Ou como uma obra aberta.
SIGNATES - Sim, como uma obra aberta, respeitando, e isso é que eu acho que às vezes falta em alguns grupos que levam isso à sério, respeitando a forma cultural de como o Espiritismo se construiu no Brasil. Não acho que o formato religioso que ele adquiriu no Brasil seja uma degenerescência, uma excrescência. Foi a forma pela qual o espírita brasileiro construiu sua identidade cultural, seu imaginário de nação, seu relato mítico de grande povo, o relato do Brasil como país do futuro, como um país que vai dar certo. Na medida em que a gente consiga enxergar isso numa perspectiva de conhecimento e consiga construir uma idéia não dogmática do conhecimento espírita, a gente vai conseguir lidar com essa realidade mítica do Brasil, da forma como a Antropologia e a Sociologia lidam, como coisas que são típicas da construção de nosso imaginário cultural, como coisas que são legítimas pelas quais os seres humanos constróem o seus sonhos coletivos e que traz um sonho de uma sociedade justa, fraterna, amorosa, boa para o futuro. Não é por isso um mal em si. Agora, eu acho que temos de conseguir abordar isso dialeticamente, a partir de um olhar das ciências sociais, verificando o Brasil se construindo e o Espiritismo se construindo dentro do Brasil. Sem pretensão dogmática para entender melhor o que está acontecendo.

PENSE - Em sua opinião existe uma verdade absoluta, subjacente ao Ser, àquele que olha essa verdade ou essa verdade, as verdades, vão se construindo conforme as coisas vão se metodologizando?
SIGNATES - Pode até existir a verdade absoluta. O que eu não sei admitir é que nós saibamos qual seja. A verdade absoluta é o pensamento de Deus, é o olhar de Deus. E nenhum de nós pode ter a pretensão de ter esse olhar. Então, até onde eu consigo compreender, não consigo enxergar. O imaginário que eu faço de futuro, por exemplo, de uma sociedade perfeita, é uma sociedade de extrema diversidade, onde os conflitos nessa mesma diversidade não são violentos, são respeitados infinitamente.

PENSE - Uma tolerância máxima?
SIGNATES - Olha, nem o conceito de tolerância serve. Mas é o conceito do respeito profundo que você tem com a diferença do outro. Há aí um pouquinho de pretensão positivista o de nós acharmos que tudo caminha para uma grande unidade.

PENSE - Essa idéia de verdade absoluta não é uma coisa metafísica, religiosa?
SIGNATES - O absoluto é uma idéia basicamente religiosa. Mas quero deixar bem claro que não estou negando que existe o pensamento de Deus, o olhar de Deus ou alguma verdade absoluta. Eu estou dizendo “não sei”. Porque eu sou um homem. Só posso ter uma visão humana das coisas.

PENSE - Do ponto de vista das relações humanas, do ponto de vista da felicidade do homem, enfim, desse ponto de vista mais sociológico, esse seu imaginário é legal, é bonito, é gostoso. Eu adoraria viver num mundo onde as pessoas pudessem ter as suas opiniões, as suas verdades e conviverem numa boa.
SIGNATES - É por isso que eu digo que a minha busca espírita é uma busca ética.

PENSE - Tá bom, mas do ponto de vista da realidade das coisas, se é que existe uma realidade das coisas, do conhecimento efetivo de como se constitui o universo: se eu digo, isto é assim e você diz: “isso é não assim”, das duas uma, não tem saída: um dos dois não está olhando a realidade do universo como ela é. Os dois podem estar corretos em termos de uma verdade relativa...
SIGNATES - Ou os dois podem estar errados. Os dois estarão dependendo para construir aquela idéia de verdade de determinados pressupostos. Então, a verdade é relativa.

PENSE - Mas se você percebe isso, se você aceita que existe uma verdade subjacente e que os dois estão errados, é porque nenhum dos dois atingiu essa verdade subjacente. Se eu digo que existe uma verdade absoluta, mas é impossível ao Ser, ao Espírito atingi-la, ainda que no futuro, então...
SIGNATES - Mas eu não disse que é impossível atingi-la. Eu disse que é impossível ter a certeza de que a atingiu, você saber que a atingiu.

PENSE - Mas se você nunca vai ter isso ela se torna impossível em termos de conhecimento.
SIGNATES - Eu não sei o futuro. Sei que é uma busca nossa, a busca de conhecer, a busca de entender as coisas. O que eu sei é que hoje em dia a filosofia da ciência, que a filosofia quase como um todo, ela transitou de uma busca ontológica, de conhecer a verdade das coisas, para uma filosofia da linguagem. A partir de Wittigenstein, a partir dos trabalhos do Freud, se descobre que a linguagem, ao mesmo tempo em que ela nos vincula à realidade pelo processo de significação, ela nos separa do real. A gente já não sabe mais o que são as coisas sem construir significação, sem atribuir significação a essas coisas. Uma carteira só é carteira porque no imaginário da sociedade em que eu vivo, no consenso, digamos assim, cultural em que eu vivo, nós concordamos em chamar isso de carteira. Uma formiga que passe por aqui não conceberá a diferença da parede e a carteira. Para a formiga o mundo pode ser constituído de pedacinhos de pão, pedaços de folha e um buraco. Esse que é o mundo dela. Quer dizer, se você dissesse que cada pessoa, a partir das relações que ela tem, a partir da forma de como ela se relaciona, não somente com os outros, mas com as coisas do mundo real. Se essa pessoa é dotada de linguagem, ela é separada do real. Ela não conhece mais o real enquanto tal. Ela conhece o real pela linguagem. Ou seja, a dimensão de verdade, quando você me pergunta se isso é ou não é verdadeiro, você tem que fazer toda uma análise de linguagem para entender que verdade é essa. A verdade se situa não nas coisas, mas na linguagem. A verdade é uma pretensão de linguagem.

PENSE - Essa não é uma visão aristocrática?
SIGNATES - Não. É justamente isso que você me fala quando se uma pessoa diz que isso é verdade e outra diz que não é verdade. Você está me dizendo que a verdade para existir ela precisa ser dita. Então a verdade se situa na linguagem e não nas coisas. A verdade das coisas tem que ser investigada.

PENSE - Pode existir uma verdade, eu ver essa verdade e exprimir essa mesma verdade de uma forma diferente. Aquilo que eu exprimo não é a verdade, mas ela existe.
SIGNATES - O ato de ver é também um ato de dar significação a alguma coisa. Se você não der significação você não vê. Agora essa é uma das questões fundamentais da filosofia. Vamos ficar aqui a vida inteira discutindo e não chegaremos a lugar algum. Acho que o que é fundamental, e isso não tem jeito de ficar contra, que eu posso até estar dizendo a verdade absoluta, mas eu não tenho como, não existe em mim a condição de me dar a certeza de que eu estou no lugar da verdade absoluta.

PENSE - A ciência, quando ela se constitui, ainda que ela tente, que ela pareça, de uma maneira dialética, como uma tentativa de negação de tudo aquilo que representou a Igreja, a Idade Média etc., ela tenta lançar um olhar sobre aquilo que efetivamente se apresenta e que é possível por uma constatação em bases (digo isso nos primórdios dela), em base a determinados parâmetros que se vai pesquisar. Então, eu tenho condições de medição e baseado nessas medições, eu consigo, de alguma forma, chegar a alguma coisa que é verdade, não por ser somente consensual, mas porque é um fenômeno, porque ele se apresenta ao pesquisador.
SIGNATES - Mas se você sozinho constatar aquilo e não encontrar um conjunto de pessoas que estude aquilo e concorde que tenha de haver um método, de que aquele método é correto, não vai haver verdade nenhuma. Você vai continuar falando sozinho. A verdade tem que se estabelecer para ser verdadeira, como consenso. Agora, os critérios que as pessoas vão utilizar, e nesse ponto você está certo, eles vão ser mais subjetivos ou mais objetivos conforme o consenso dessas pessoas. São mecanismos de legitimação.

PENSE - Mas aí pode-se legitimar como verdade algo que é falso.
SIGNATES - Pois é, a ciência cansou de fazer isso.

PENSE - E a ideologia é um instrumento fantástico para se fazer isso.
SIGNATES - E a ciência vai continuar fazendo isso a vida inteira. Como dizia o Nietzche, isso é demasiadamente humano.

PENSE - A partir de uma visão plural do Espiritismo enquanto movimento social, ele permite o desenho de uma sociedade generosa, que aponta para um caminho ético diferenciado. Mas, na prática, ele aponta para uma sociedade extremamente conservadora e violenta também. No caso da contribuição espírita, há uma visão conservadora de sociedade, como a reencarnação justificando, por exemplo, as desigualdades sociais. O que podemos esperar do Espiritismo, qual sua contribuição tanto como forma de conhecimento e de prática social para o Brasil do século 21?
SIGNATES - Como falei no inicio, o Espiritismo é um movimento que, na contemporaneidade, por conta do modo que ele se institucionaliza, enfrenta uma contradição consigo mesmo. Aquilo que nós dizemos não é aquilo que nós praticamos. É uma contradição que se enxerga na sociedade brasileira, na sociedade como um todo. Acho que a nossa saída é tornar essa contradição produtiva. Toda contradição é produtiva. Há um princípio no marxismo que acho interessantíssimo, se o tirarmos do lugar econômico em que foi formulado e trabalhá-lo numa perspectiva social. É o que o filósofo francês chamado Henry Lefèbvre faz na filosofia de vida cotidiana que ele estuda. Ele chama de lei do desenvolvimento desigual. Ele diz assim: que todo processo social, toda relação social, quando ela se estabelece ela se manifesta de forma econômica, política, social, cultural nas suas diversas modalidades e ela se desenvolve desigualmente em cada uma dessas modalidades. E esse desenvolvimento desigual é que gera um processo de contradição entre esses diversos sentidos. No movimento espírita a gente enfrenta uma contradição muito forte entre aquilo que a gente busca e aquilo que a gente prega. Que é a idéia da fraternidade, que é o nosso sonho de sociedade, fora do qual não tem razão de ser o Espiritismo. Fora do qual eu deixo de ser espírita. E acho que é um sonho legítimo que anima o Espiritismo. Ele vive uma contradição com a nossa prática, que é uma prática que tende a uma institucionalização, que no campo teórico tende ao dogmatismo e no campo prático tende a uma ritualização, que não traz uma contribuição substancial. Essa contradição, a saída para nós que estamos procurando pensar o Espiritismo em termos de produção científica, de produção de conhecimento, eu acredito que é tornar essa contradição produtiva, dando conta de agendá-la na sociedade espírita brasileira. Dando conta de explicita-la cada vez mais para as nossas instituições. Mostrar onde é que há uma contradição entre a teoria e a prática, entre o falar e o fazer. E colocar os espíritas diante da perplexidade de si mesmos. Eu digo que essa é a razão pela qual eu tenho optado em dar uma contribuição no campo das ciências sociais. Acredito que se conseguirmos desenvolver uma sociologia de movimento espírita no Brasil e colocá-la, tanto no meio acadêmico como entre aqueles que estudam o Espiritismo numa perspectiva sociológica, e conseguirmos agendar essa discussão, será a contribuição que a gente pode dar para que o movimento espírita faça uma reflexão sobre si mesmo e seu papel na sociedade, sobre as suas formas de institucionalização. Se não soubermos fazer isso, corremos o risco de só ter como saída o cisma, começar tudo de novo. E é muito mais difícil fazer isso. Acho que dentro do conservadorismo do movimento espírita, ele próprio gera a sua crise. É muito difícil ser conservador, ser o purista da Doutrina, o idealista da pureza doutrinária, o espírita ortodoxo. É preciso gastar muita energia para ser ortodoxo. O ortodoxo se desgasta muito, ele acaba sendo violento, dogmático, sectário, acaba lançando mão de métodos que contradizem aquilo que é fundante no que ele pensa.

PENSE - Ele acaba fazendo patrulhamento ideológico, tornando-se dogmático.
SIGNATES - Sim, o dogmático sofre muito. O Espiritismo para ele é algo sofrido. E na medida em que consigamos estabelecer um diálogo que analise isso numa perspectiva científica, sociológica, que mostre que isso se dá em um processo social, estaremos dando uma grande contribuição.


 

Fonte:
http://www.viasantos.com/pense/arquivo/0151.html

Site do Professor Luiz Antonio Signates Freitas
http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/professor.asp?key=14300

Currículo Lattes do Professor Luiz Signates
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4794789A4

 

 


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