Os bens da terra são um dos
fatores fundamentais para a evolução intelecto-moral,
pois é mediante sua produção, reprodução
e aquisição que o Ser exerce o primeiro de todos os
direitos naturais: o direito de viver. É conceituado pelo Espiritismo
de uma maneira muito abrangente: é "tudo o quanto
o homem pode gozar neste mundo". Alimentação,
vestuário, transporte, lazer, todo o conforto proporcionado
pela tecnologia, a produção artística, cultural
etc. fazem parte, portanto, dos bens da terra.
A primeira baliza colocada pelos espíritos na obtenção
desses bens está na oposição entre o necessário
e o supérfluo. Quanto ao necessário, a Natureza é
"uma excelente mãe", mas em relação
ao supérfluo, sempre haverá para uma grande maioria
a insuficiência de recursos, a ausência do necessário
para viver, do bem-estar, consequências normais do desperdício
e má aplicação dos recursos naturais.
A proposta de uma nova sociedade passa necessariamente pela busca
do bem-estar para todos. A igualdade absoluta, conforme os espíritos,
é uma quimera, mas a igualdade relativa é algo a ser
atingido. Enquanto um grande contingente da humanidade não
tiver acesso à posse do necessário para viver, a felicidade
nesse mundo será impossível.
Segundo dados da FAO (Organização para a Alimentação
e Agricultura das Nações Unidas), 32% da população
mundial (que vive nos países do Primeiro Mundo) consomem 75%
dos bens da terra; controlam 88% do PMB (Produto Mundial Bruto); detêm
na mão 80% do controle dos investimentos; 90% das atividades
industriais e a quase totalidade da produção de pesquisa
científica. Esses países são os açambarcadores
dos bens da terra, um dos grandes responsáveis, até
o momento, pela miséria do Terceiro Mundo.
Ao nível de nosso país, podem ser citadas algumas informações
sobre a distribuição da riqueza que demonstram o grau
existente de desigualdade econômica. De 95.704.423 (população
economicamente ativa), cerca de 40.447.453 ganham menos de três
salários mínimos (IBGE - Anuário Estatístico
do Brasil - 1985). Segundo dados fornecidos pelo ex-ministro da Reforma
Agrária, Nélson Ribeiro, 67% dos brasileiros ingerem
menos calorias diariamente do que o mínimo necessário
para a obtenção de um estado de vida digno. A distribuição
das terras é extremamente desigual: dos 586 milhões
877 mil e 351 hectares cadastrados pelo INCRA, 413 milhões
797 mil e 19 hectares (quase metade da área do território
nacional) estão em poder de quase 1.500.000 latifundiários
(3,7% da população brasileira). Os 173 milhões
80 mil 332 hectares restantes, é o que sobra para as 12 milhões
de famílias (cerca de 60 milhões de pessoas), um contingente
com pouquíssima ou quase nenhuma terra (dados fornecidos pelo
INCRA - Revista "População & Desenvolvimento",
abril de 1986).
Esse estado de desigualdade somente poderá ser modificado através
do conflito institucional e/ou político. O conflito armado
já está ocorrendo em diversas partes do mundo, inclusive
no Brasil, especialmente no campo. Se não podemos, como espíritas,
ser a favor da violência em circunstância alguma, temos
de considerar que, em certas situações, o conflito armado
surge como uma questão de legítima defesa da soberania
e autodeterminação de um povo ou grupo social.
Há uma minoria no Brasil e no Mundo, detentora dos meios de
produção e da hegemonia política, que está
impedindo a marcha do progresso da humanidade e será arrastada
"pela torrente que pretende deter".
Dela, nada podemos esperar. Nesse sentido, a afirmação
do presidente da UDR - União Democrática Ruralista,
entidade de ultradireita, formada por grandes proprietários
de terras é bem ilustrativa: "a propriedade da terra
é intocável". O setor mais reacionário
da classe dominante é, sem dúvida, a burguesia agrária
e que devido a sua intervenção fascista dentro do campo,
só no ano passado foram registradas, até 15/07, 160
mortes (dados do MIRAD) e segundo dados da Comissão Pastoral
da Terra e da CONTAG, em cada dois dias morrem cerca de três
pessoas.
A luta pela posse da terra é ainda a luta fundamental dos trabalhadores
do campo e da cidade. Os meios de produção são
de propriedade particular, os interesses do capital se sobrepõem
aos direitos do trabalhador. O objetivo de nossa sociedade ainda é
o lucro em detrimento da realização do homem, do bem-estar
coletivo. É preciso que o sistema econômico atual fundamentado
na propriedade privada dos meios de produção seja destruído:
uma tarefa que depende da ação de homens progressistas
e da grande massa de expropriados e explorados do Brasil e do mundo.
O Espiritismo estabelece uma diferenciação entre a propriedade
pessoal, fruto do trabalho honesto e a "propriedade destinada
ao uso geral" (Deolindo Amorim - "O Espiritismo
e os Problemas Humanos", cap. V - USE). São
dois conceitos bem distintos, que devido a interesses ideológicos
dos defensores da propriedade privada dos meios de produção,
têm sido confundidos num único princípio.
A verdadeira propriedade são as nossas conquistas intelecto-morais.
Esse conceito, fundamentado na ideia do Ser imortal e na transitoriedade
da existência física, ao lado da compreensão dos
princípios fundamentais do Espiritismo, estabelece inevitavelmente
uma nova ética para a aquisição dos bens da terra,
seja na forma individual ou coletiva.
A acumulação e o gozo dos bens da terra não são
contrários à Ética Espírita, porém,
devem ocorrer em família, em comunidade, sem a presença
do egoísmo e do orgulho, chagas corrosivas de qualquer ordem
econômica, seja capitalista, pré-socialista ou socialista.
Em relação à propriedade de uso geral ou coletiva,
a proposta espírita é nitidamente cooperativista, distributiva
e igualitária. A propriedade conseguida através da apropriação
da mais-valia, do trabalho não-pago ao trabalhador é
ilegítima; a sua legitimidade deve se fundamentar na liberdade
de produção e aquisição de bens, em sua
distribuição igualitária na obtenção
da posse do necessário para viver e na solidariedade e fraternidade
entre os trabalhadores.
Os que se opõem à coletivização da propriedade
de uso geral ou coletiva, o fazem em nome da "liberdade"
(entenda-se livre-iniciativa, "laissez-faire") e colocam
a propriedade como um bem inviolável, absoluto. Ora, essa "liberdade"
defendida pela burguesia não tem nada a ver com a liberdade
de se adquirir um carro, uma habitação, um bem de uso
pessoal. É necessário limitar a produção
e aquisição dos bens da terra à posse do necessário
para viver.
Sobre os limites ao direito de propriedade, Kardec pergunta:
885. O direito de
propriedade é sem limites?
– "Sem dúvida, tudo o que é legitimamente
adquirido é uma propriedade. Mas, como já dissemos,
a legislação humana é imperfeita e consagra frequentemente
direitos convencionais que a justiça natural reprova. É
por isso que os homens reformam suas leis à medida que o progresso
se realiza e que eles compreendem melhor a justiça. O que num
século parece perfeito, no século seguinte se apresenta
como bárbaro."
O direito de propriedade, portanto,
não é absoluto. Qualquer sistema de leis estará
mais próximo das leis naturais se colocar limites à
aquisição dos bens terrestres e prever mecanismos que
orientem essa aquisição de forma limitada em função
do bem-estar para todos, sempre dentro de bases legítimas.
Isso somente será possível numa nova sociedade, com
uma economia socialista e cooperativista, onde os indivíduos
em sua grande maioria sejam espíritos em processo de regeneração
intelecto-moral. E a nossa tarefa enquanto espíritas idealistas
e homens progressistas que somos é construir essa nova sociedade
aqui e agora.