Marco
Milani
> Madame
Kardec: a história que o tempo quase apagou
É, pois, um dever de todos
os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar abertamente,
em seu nome,
os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la (Doutrina
Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade.
Pactuar com os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas
aos adversários
KARDEC, Revista Espírita, jun/1865
Após o lançamento em
2015 de sua obra “Em nome de Kardec”, o escritor Adriano
Calsone apresenta ao público espírita, em outubro/2016,
mais um livro originado de pesquisa histórica, também
pela editora Vivaluz. Em Madame Kardec: a história que
o tempo quase apagou, Calsone descreve e destaca a relevante
participação de Amélie-Gabrielle Boudet no processo
de estruturação e desenvolvimento do Espiritismo conduzido
por seu marido, monsieu Rivail, ou Allan Kardec.
Com redação clara e fluente, o texto apresenta a senhora
Kardec de maneira original, considerando-a protagonista não
somente em uma época marcada por desafios e imposições
sociais à condição feminina, mas como uma espírita
atuante e defensora da coerência doutrinária.
Os trinta capítulos do livro são distribuídos
em três grandes partes. Na primeira, contextualiza-se a infância
e juventude de Amélie na França do final do século
XVIII e início do século XIX. Fragmentos dos agitados
momentos políticos, com reflexos econômicos e sociais
registrados nessa época, são usados como pano de fundo
à descrição da vida da família Boudet
e a vocação a jovem Amélie às atividades
educacionais.
Enfrentando as convenções da sociedade parisiense, em
que as moças eram preparadas para logo saírem de casa
sob a proteção de um marido ou ingressarem em um convento,
a dedicação aos estudos e o sucesso na carreira docente
exibidos por Amélie não eram comuns. Apreciadora do
método pedagógico de Pestalozzi e inclinada às
artes, ela publicou três livros voltados à educação
e chamou a atenção de outro professor, nove anos mais
novo, que também compartilhava da mesma vocação
ao ensino: Hipollyte Léon Denizard Rivail.
Desde o casamento, em 1832, Amélie contribuiu ativamente com
os projetos e empreendimentos educacionais de Rivail, dividindo alegrias
e preocupações decorrentes dos acontecimentos que sempre
exigiram do casal devotamento e entrega aos ofícios que abraçaram.
Poupando o leitor de minudências já fartamente descritas
em biografias sobre a iniciação de Allan Kardec ao Espiritismo,
Calsone opta por destacar aspectosdo período de nascimento
e desenvolvimento da Doutrina Espírita, porém voltando
a atenção à participação efetiva
da Sra. Kardec nesse processo.
A segunda parte do livro abrange o período de viuvez (1869)
até o desencarne (1883) da senhora Kardec, quando diversos
acontecimentos interessarão ao pesquisador e ao público
em geral, pois tratam-se de narrativas pouco exploradas na literatura
espírita, mas fundamentais para se entender o declínio
do movimento espírita francês.
Logo depois da passagem de Allan Kardec ao mundo espiritual, as divergências
internas e o afastamento da coerência doutrinária fizeram
com que espiritualistas místicos e reformadores sociais travestidos
de espíritas disseminassem o sincretismo e práticas
estranhas no seio do movimento espírita. A viúva Kardec
e alguns adeptos tentaram se mobilizar contra as deturpações
místicas e roustainguistas que se infiltravam principalmente
pela questionável condução da Revista Espírita
por Pierre-Gaëtan Leymarie e a influência oportunista de
Jean Guérin, um fervoroso seguidor de Roustaing.
A criação da União Espírita Francesa,
com o apoio da viúva Kardec, foi uma das ações
realizadas em prol da valorização do Espiritismo.
De maneira objetiva, Calsone descreve os fatos históricos que
forneceram armas aos adversários do Espiritismo, decorrentes
do desvirtuamento doutrinário promovidos por falsos adeptos
que estavam mais interessados em fundar seitas e sociedades secretas
espiritualistas do que em divulgar os princípios e valores
espíritas.
Isolada por muitos que se diziam amigos de seu estimado esposo, mas
ainda contando com a admiração de parcela significativa
dos espíritas franceses e de outros países, a Sra. Kardec
desencarnou deixando um legado de trabalho árduo, intenso e
digno.
Na terceira e última parte do livro, descreve-se o conturbado
processo envolvendo a cobiçada herança dos Kardec, que
consumiu quase duas décadas com episódios jurídicos
sobre o espólio do famoso casal estampando as páginas
de jornais parisienses.
Diante de inúmeros livros de qualidade doutrinária duvidosa
que atualmente são lançados no mercado e que tentam
capturar o público espírita apenas por serem supostamente
psicografados, poucas publicações oferecem contribuições
efetivas ao pesquisador espírita.
A obra Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou
é leitura recomendada, não somente por resgatar a relevância
de Amélie Boudet na história do Espiritismo, como também
por convidar o leitor a refletir sobre a necessária e oportuna
orientação de Allan Kardec.
Fonte: http://usesp.org.br/madame-kardec-a-historia-que-o-tempo-quase-apagou-por-marco-milani/
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