Espera-se que palestrantes espíritas estejam
comprometidos com a exposição dos princípios
e valores do Espiritismo e não com ideias pessoais sem a devida
fundamentação doutrinária. Mas assim como em
qualquer atividade, encontramos indivíduos que desempenham
a sua função de maneira mais (ou menos) adequada do
que outros.
A qualidade da exposição
espírita está diretamente relacionada ao embasamento
teórico-doutrinário e aos aspectos de oratória
demonstrados pelo palestrante. O ideal, portanto, seria a união
em alto nível desses dois elementos: conteúdo e forma.
Obviamente, as características de cada pessoa, como conhecimento
sobre os temas, influências culturais, educação
formal, postura, linguagem, desinteresse por autopromoção
etc., são naturalmente diferentes e por isso cada expositor
tem o seu próprio estilo e motivos para atuar como palestrante.
O objetivo, porém, deveria ser um só: contribuir para
o aprimoramento moral e intelectual dos ouvintes por meio da divulgação
doutrinária.
Considerando que o palestrante não
é um ser perfeito, ele está sujeito a cometer falhas
como qualquer um, mas sob a perspectiva do público, o palestrante
é um legítimo representante do Espiritismo. Principalmente
para o público neófito, o que o palestrante disser espelhará
a própria Doutrina dos Espíritos, por isso a responsabilidade
expositiva é muito grande. Nesse sentido, quanto mais o expositor
se ativer aos princípios e valores espíritas, menos
sujeito a erros ele estará. O problema é que, às
vezes, ele acrescenta na palestra suas opiniões, frustrações
e até preconceitos.
Assim ocorreu, recentemente, com uma
palestrante ao se dirigir a um público formado por jovens espíritas
para explorar o tema “sexualidade”. A palestrante se autodenominava
médica e, em sua apresentação, condenou determinada
prática sexual pois, segundo ela, não era natural, mas
brutal e humilhante e, além disso, simbolizava a opressão
masculina sobre as mulheres. Em seu discurso, a palestrante afirmou
ter provas científicas sobre suas afirmações
relacionadas aos malefícios da prática, apesar de não
ter apresentado nenhuma pesquisa formal. Uma vez que a palestra foi
gravada e disponibilizada na internet, vários comentários
criticando tecnicamente a expositora surgiram com questionamentos
sobre a competência da moça para expor o assunto. Independentemente
da boa intenção da palestrante em defender suas posições
pessoais, essa situação permite outro questionamento:
até que ponto a opinião da palestrante se assemelharia
mais a uma manifestação puritana e condenar práticas
sexuais sob a bandeira feminista seria pertinente em uma palestra
espírita? É adequado transformar a oportunidade de se
dirigir a um público que esperava ouvir algo fundamentado no
Espiritismo em palanque para a exposição de opiniões?
Provavelmente muitos jovens que assistiram a referida palestra devem
ter achado que o Espiritismo "condena" tal prática.
Ora, o Espiritismo não se assemelha a religiões moralistas
que condenam e tentam formatar a conduta dos adeptos pelo medo ou
imposições, pois valoriza o livre-arbítrio e
a responsabilidade sobre os próprios atos.
Doutrinariamente, somos incentivados
a respeitar o próximo e a nós mesmos. O respeito às
escolhas do próximo sem querer impor condutas particulares
é uma orientação clara presente nos ensinamentos
espíritas.
Seguindo o exemplo da palestrante mencionada, talvez alguns outros
expositores se sintam muito à vontade para também expressar
suas opiniões sobre outras práticas sexuais que não
foram comentadas, posicionando-se contra ou a favor delas. É
isso que esperamos encontrar em palestras espíritas?
O problema não é saber
falar bem e com desenvoltura, mas saber construir a palestra em bases
teóricas sólidas para libertar consciências dos
grilhões da ignorância e incentivar a evolução
do ser.
Marco Milani é professor universitário
e economista, responsável pelo Departamento do Livro, USE Regional,
SP.