No cotidiano das casas espíritas,
nos vemos na condução de diversas tarefas, seja como
coordenador, seja como companheiros de trabalho que contribuem para
o sucesso da empreitada. Cada ação que vemos no portfólio
da casa espírita é fruto do esforço de pessoas
articuladas, na construção do trabalho no bem, inspirados
no ideal de Jesus.
Por seu turno, o trabalho espírita tem um caráter voluntário,
ou seja, a pessoa se apresenta livremente para ali trabalhar e dali
pode se ausentar com a mesma autonomia. Isso não implica, entretanto,
a falta de compromisso com as tarefas assumidas, ainda que as relações
não sejam coercitivas, como em determinados ambientes profissionais.
É um arranjo laboral peculiar, que demanda profunda reflexão.
Lidar com voluntários exige
todo um tato, uma ciência de saber adequar às demandas
da tarefa as características e disponibilidades de cada um
da equipe. Pensando nisso, as breves linhas desse artigo pretendem
apontar algumas práticas salutares na condução
de trabalhos espíritas, que amealhei na vivência em várias
casas e ainda, na vivência profissional, e que servem de base
para a reflexão dos coordenadores e trabalhadores da casa e
da causa e que podem, ainda, se colocadas em prática, fortalecer
o convívio fraterno e o respeito mútuo, no eterno exercício
da convivência:
1) ABRA VOLUNTARIADO - ao compor um grupo para uma atividade específica,
fora da rotina, não convoque A ou B. Abra voluntariado. Não
temos como saber se uma determinada pessoa, sempre calada, acalenta
em seu coração o desejo de participar desse ou daquele
trabalho e imagine, até, surpreender a todos. Não podemos
confiar cegamente na nossa capacidade de julgar as pessoas e seu potencial,
nem adivinhar o que as pessoas querem;
2) REUNIÕES - Reunião tem pauta, que deve ser preferencialmente
construída pelos envolvidos anteriormente. Tem horário
de início e fim. A reunião serve para se falar e se
ouvir, construindo encaminhamentos e deliberações sobre
determinadas questões, coletivamente. Boas reuniões
dinamizam as tarefas e fortalecem os grupos. Reuniões conduzidas
de forma equivocada se tornam um martírio;
3) REFERÊNCIAS - Seguindo o adágio popular, “repreensões
em particular e elogios em público”. Fortalecer o uso
da palavra “nós” quando referendando o trabalho
e coletivizar sempre as conquistas. Homenagens em público devem
evitar comparações e ferir as suscetibilidades, preferindo
a injustiça de incluir o que nada fez à situação
de esquecimento do trabalhador;
4) DIVERSIDADE DOS CARISMAS - Respeite a diversidade de cada um, com
seus problemas familiares, limitações de diversas ordens,
níveis de comprometimento e, ainda, o grau de maturidade na
tarefa espírita. A grande magia é orquestrar todas essas
diferenças na construção do trabalho no bem.
Difícil, mas não impossível, se nos dispusermos
a isso;
5) RESULTADO COM AS PESSOAS - Resultados são importantes, mas
levando em consideração as pessoas envolvidas. De pouco
adianta um evento bem feito, uma distribuição eficiente
de bolsas, se junto disso levarmos discussões e mágoas,
atropelando pessoas e sentimento. O trabalho é a prioridade,
mas deve sempre se considerar que ele é feito por pessoas e
para as pessoas;
6) PRESTAR CONTAS - Cotizações dos trabalhadores para
o financiamento de eventos deve ser sempre objeto de prestação
de contas, clara e transparente. Na escolha de fornecedores de vulto,
apresente também os critérios que foram usados na escolha
desses, para evitar interpretações equivocadas. Essa
salutar prática garante um ambiente de confiança mútua
na equipe;
7) PALAVRINHAS MÁGICAS - Por favor, por gentileza, obrigado,
com licença, desculpe-me. Palavras mágicas que ensinamos
aos alunos na evangelização infantil e que operam verdadeiros
prodígios na prática cotidiana, principalmente em momentos
de grande tensão;
8) GRUPO FORTE - o foco nos trabalhos espíritas não
é um dirigente forte e sim um grupo forte. O grupo coeso e
estruturado forma uma rede resistente às intempéries.
A delegação de responsabilidades ao longo do grupo fortalece
a todos. O coordenador deve sempre lembrar que, pelas contingências
da vida, ele pode se ausentar de uma hora para outra e a máquina
tem que continuar girando, coordenada por ele ou por outro;
9) GESTÃO PARTICIPATIVA - Planejamento de atividades e a sua
correspondente avaliação, bem como a tomada de decisões
relevantes, devem sempre que possível contar com a discussão
no grupo. Nessa discussão encontraremos visões diversas,
várias cabeças pensando, o que favorece o processo de
construção das tarefas de forma mais eficaz. Além
disso, a gestão participativa envolve a todos, fazendo com
que cada um se sinta parte da tarefa, fortalecendo o envolvimento
e comprometimento;
10) SEM EXCLUSÕES DISCRIMINATÓRIAS - Critérios
como idade, nível de conhecimento doutrinário, tempo
de casa etc. devem ser usados com muito carinho quando na segregação
de grupos para participação de tarefas. É muito
fácil sermos burocráticos e criarmos uma regra de exclusão,
sem pensarmos nem bem por quê. Mas uma regra dessas pode matar
a motivação para o trabalho, e isso e um bem inestimável;
11) SENTIMENTOS DIVISORES - Ciúme, inveja e ambição
são sentimentos presentes em qualquer grupo humano. Difícil
eliminá-los... Mas é possível trabalhar com eles,
não os desprezando e buscando agir, pontualmente e globalmente,
na mitigação de seus efeitos nas tarefas;
12) AUSÊNCIAS - A ausência no trabalho tem vários
motivos... Alguns reveláveis, outros não. Nessa hora,
do coordenador é exigida uma paciência extra para entender
o que está se passando e para deixar o ausente à vontade,
mesmo que a sua ausência se faça sentida, diante dos
compromissos que sempre existem;
13) PREFERÊNCIAS E DECEPÇÕES - Natural que uma
pessoa tenha simpatias e decepções com as outras no
decorrer dos trabalhos. É da natureza humana, nas lutas diárias.
Mas, de público, devemos evitar essas manifestações,
muitas vezes construídas em nosso íntimo, sem reflexos
na realidade exterior;
14) ALARMISMO E GESTÃO DE RISCO - Muitas vezes, como coordenadores,
nos colocamos como profetas do apocalipse. Superdimensionamos os riscos
e nos vemos afogados diante do medo das coisas darem erradas, transferindo
isso ao grupo. A avaliação dos riscos deve ser feita
de forma serena, porém conservadora, engendrando as respostas
adequadas ao impacto e à probabilidade de uma ocorrência
infeliz. Se der errado algo, faz parte do jogo. O mais importante
é a consciência tranquila de que nos prevenimos, de maneira
razoável;
15) RESPEITO À FAMÍLIA - Trazer filhos à reunião,
não poder comparecer por conta do marido de outra religião,
entre outras, são situações cotidianas que exigem
nossa maturidade para entender essas peculiaridades e se adaptar a
elas. Se a família da pessoa causa embaraços no trabalho,
não seremos nós a piorar essa situação;
16) INTELECTUAL E O BRAÇAL - Supervalorizar o trabalho intelectual
em detrimento do trabalho braçal é um hábito
infeliz. Ambos têm a sua importância e o trabalho, globalmente,
não se faz sem esses componentes. Importante, nos momentos
de exaltação púbica, nos lembrarmos dos “invisíveis”,
das tarefas ditas menores, que contribuem silenciosamente para o sucesso
da casa; e
17) QUEM CHEGA E QUEM VAI - É preciso valorizar quem chega
e a despedida dos que vão. São momentos singelos o “Bem-vindo”
e o “até breve”, e marcam a relação
da pessoa com o grupo, merecendo, se cabível, até uma
pequena confraternização para exaltar a situação.
Grupos valorosos são reconhecidos nesses momentos.
São medidas simples, que cotidianamente
contribuem para a construção de grupos coesos, operosos
e fraternos, verdadeiras oficinas de transformação interior
e usinas de amor ao próximo, onde frequentamos 10, 20 anos
com gosto e, quando saímos, nos lembramos sempre com muito
carinho.
Assim, é fundamental no trabalho
espírita pensarmos no grupo, nas suas dificuldades e nas suas
relações, pois a nossa ação é sempre
em equipe, do lado de cá e do lado de lá, como bem nos
demonstra a literatura espírita.