(...) de mim. Acalme-se, prezado leitor.
Não estamos falando de nenhum crime, à luz do Código
Penal, cometido nas dependências de nossos templos religiosos.
Estamos, sim, verbalizando o sentimento, que percebemos ao longo de
nossa vida como evangelizador, presente em muitos jovens, filhos de
trabalhadores da casa espírita.
Por vezes o indivíduo dedica-se
às tarefas da casa e da causa, com afinco e determinação,
privando cronicamente a sua família do convívio, por
força de seus inúmeros compromissos. Além das
demandas profissionais, arvora-se a encontrar no templo espírita
seu segundo emprego, com chefe, cargos, horários e metas.
É alçado assim à
condição de “trabalhador”, como se fosse
um nível hierárquico acima do “frequentador”,
como se a ele coubesse uma atribuição especial, acima
dos outros. Quantos jogos de poder e de orgulho se escondem nessas
construções?
Quando constituímos uma família,
abraçamos ali responsabilidades afetivas que demandam tempo,
tempo de conviver, de conversar, de sermos amigos e irmãos
e por que não, para o lazer. É fundamental o lazer em
família, darmos gargalhadas, brincarmos. Esses momentos marcam
a história de nossos filhos, que nos veem como seus pais, únicos
para eles.
Quando abraçamos diversas responsabilidades
na Casa espírita, lembremos que não nos cabe fazer tudo.
Por vezes, na busca do evento perfeito, sequiosos de cargos e não
de encargos, relembrando o velho Chico Xavier, nos atolamos de atribuições,
muitas delas burocráticas, constituindo a vivência espírita
um fardo, um segundo emprego, estressante. Esquecemos que esse trabalho
todo só terá valor se tiver reflexos na reforma íntima
do trabalhador.
Essa ausência prolongada, com
causa identificada, pode alimentar no jovem uma aversão à
casa espírita, vendo ali a fonte de afastamento de seus pais,
como um protesto por aquela situação, em uma atitude
típica da juventude. Isso pode se refletir na falta do desejo
de ir à casa espírita, na falta de envolvimento com
as atividades da casa ou até na aversão completa.
Em hipótese nenhuma estou fazendo
uma apologia à preguiça ou pregando que não venhamos
a trabalhar na seara do bem. Pelo contrário, o que nos deve
chamar a atenção é a motivação
desse trabalho, essa ansiedade centralizadora de fazer tudo, às
vezes à nossa maneira, e, pelo discurso da perfeição,
abandonar o convívio dos nossos, afogados de atribuições.
A religião é uma ferramenta
de nosso crescimento espiritual, tão valiosa quanto é
a família. Esses institutos não devem concorrer entre
si e sim cooperar. Temos de ter tempo de lazer, de conviver com nossos
filhos, de conversar. Temos de ter tempo para o trabalho no bem. As
tarefas da casa espírita devem crescer com a adesão
do grupo e não de uns poucos que se matam para fazer as coisas.
Se assim for, a casa não está envolvendo as pessoas
e nos vemos nas antigas armadilhas do personalismo e do perfeccionismo.
No livro Conduta Espírita,
o Espírito André Luiz afirma que:
“Acima de todas as injunções
e contingências de cada dia, conservar a fidelidade aos preceitos
espíritas cristãos, sendo cônjuge generoso e melhor
pai, filho dedicado e companheiro benevolente”.
Relembrando o nosso dever em todos
os planos e não apenas no religioso. Esse modelo de dedicação
intensa à religião, principalmente no plano formal,
já existiu no mundo e constatamos pela história que
ele não dá certo.
“Situar em posições distintas as próprias
tarefas diante da família e da profissão, da Doutrina
que abraça e da coletividade a que deve servir, atendendo a
todas as obrigações com o necessário equilíbrio”.
Apontado o equilíbrio como
a tônica de tudo. Se tens família, se tens filhos, deves
dedicar a eles um tempo, não como obrigação de
um dever, mas como momento de amor e de comunhão com esses
Espíritos, dádivas nessa tua encarnação.
Não te permitas ser roubado por múltiplas atribuições
na casa, pela perfeição dos eventos, das instalações,
dos documentos, em um novo emprego oriundo dessa visão empresarial
de gerir a casa espírita. Pensemos na qualidade e não
na quantidade. Não seremos questionados pelo muito que fizemos
quando chegarmos ao lado de lá, e sim pelo como fizemos...