Espiritualidade e Sociedade



Deolindo Amorim


>      O Espiritismo e a Investigação científica

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Deolindo Amorim
>   O Espiritismo e a Investigação científica

 

 

Já ouvimos dizer, mais de uma vez, que "o Espiritismo parou no século 19", em matéria de estudos científicos. Depois de uma fase realmente notável, fase em que refulgiram os nomes de Crookes, Aksakof, Zöllner, por exemplo, nunca mais se fez um trabalho de cunho científico, na acepção exata. É o que se diz. Até certo ponto, sinceramente, honestamente, devemos reconhecer que a crítica tem alguma procedência, não há duvida. Das últimas décadas do século passado ao começo do nosso século, é inegável, houve experiências rigorosas, comunicações e relatórios de alto teor científico. De certo tempo em diante, parece que se deu uma espécie de arrefecimento do espírito científico no campo mediúnico. Isto não quer dizer que não haja material. Há, sim.

Bons médiuns existem por toda parte, ocorrem fenômenos relevantes, mas a impressão que se tem, hoje em dia, é de que não há mais investigadores do tipo de Crookes, Gibier, Bozzano e outros. Quase não se fazem registros nos trabalhos experimentais, nem há certos cuidados, na maioria dos casos. Muito fenômeno importante fica sem anotação, sem documento para exame ou verificação.

Queremos crer que haja homens de envergadura intelectual para investigações sérias, mas talvez não haja condições, ambiente favorável, em grande parte, pois nem todas as pessoas que se dedicam à parte experimental do Espiritismo têm mentalidade científica. Há muita diferença entre mentalidade científica e cultura científica. É certo que a cultura abre horizontes largos e pode contribuir muito para a formação da mentalidade, mas é preciso não perder de vista que muitas pessoas adquirem boa cultura científica, têm muita leitura, fazem cursos especializados etc. etc., mas não têm a verdadeira mentalidade científica. Pode parecer um contrassenso. Quem, por exemplo, fica logo deslumbrado diante de um fenômeno ou de uma comunicação "sensacional" sem qualquer análise, não tem mentalidade científica, pois está procedendo apenas emocionalmente, não analiticamente. E quanta gente há, por aí, que procede assim, apesar de possuir currículos universitários?... Há pessoas que são muito rigorosas noutros campos de pesquisa, mas quando entram no campo mediúnico procedem mais como místicos do que propriamente como homens de ciência.

Não basta, portanto, ter a formação científica dos livros ou dos cursos de Universidade, é preciso ter atitudes científicas diante dos fenômenos. E é o que muita gente não tem. Há pessoas, no entanto, que não fizeram uma cultura científica regular, não dispõem de certos instrumentos de pesquisa, mas apresentam reações diferentes, dando a impressão de que têm muito mais espírito científico do que muitos laureados. Mas não se pode dizer que não haja, atualmente, gente capaz de realizar trabalhos científicos.

Talvez essas pessoas não encontrem compreensão nem apoio para certos tipos de sessões. É outro problema. Em que sociedade, em que ambiente organizar uma sessão com médiuns preparados para determinadas experiências? Não é fácil, digamos a verdade. Por isso mesmo, e sem analisar o problema também por outros ângulos, é que algumas pessoas dizem que "o Espiritismo parou no século passado". Não parou, pois a mediunidade não se acabou, mas a preocupação científica, em grande parte, está sendo prejudicada pelas atitudes devocionais, atitudes que pretendem muito mais divinizar os espíritos e santificar os médiuns do que, a rigor, procurar a verdade pelo fio da razão esclarecida.

O problema comporta ainda outras considerações, não pode ser colocado apenas dentro de uma faixa de crítica. Aqui mesmo, no Brasil, onde o Espiritismo não ficou apenas na pura comprovação mediúnica, já se deram fenômenos de grande valor científico, mas não se fez relatório, não se deu divulgação, a bem dizer. Indiscutivelmente, nós nos descuidamos de anotar, confrontar, registrar em ata, testemunhar. Tudo isso faz parte do legítimo espírito científico, que é sempre cauteloso. Nosso temperamento geralmente não dá muito para esperar com paciência, aguardando que as primeiras impressões se confirmem.

Somos indiferentes em determinadas coisas e, ao mesmo tempo, somos precipitados noutras coisas: ou não damos a devida importância a manifestações realmente significativas ou somos capazes de nos arrebatar com pouca coisa... A experiência que o diga.

O lado místico, por sua vez, também pesa muito na prática mediúnica e, por isso mesmo, não é fácil imprimir uma orientação metódica em determinados grupos, ainda que haja médiuns de possibilidades aproveitáveis. A legião de sofredores é muito grande, em todas as camadas sociais, e a maior parte do público, por isso mesmo, recorre aos "canais mediúnicos" simplesmente como fonte de consolações ou à procura de esclarecimentos imediatos para suas situações; nunca, porém, como elemento de pesquisa, com visão científica ou filosófica.

Tudo isso, afinal de contas, deve ser objeto de consideração, pois há vários fatores confluentes no campo mediúnico. Então, voltemos ao ponto de partida: o Espiritismo não parou, mas as condições, hoje, são bem diferentes das condições em que pontificaram certos homens de ciência. Não se pode pensar em investigação científica sem pensar, necessariamente, no material humano que deve ser utilizado em trabalhos de tal natureza, muito específica e de muita complexidade.

No século passado — vejamos bem — havia uma preocupação dominante, absorvente: provar ou negar a comunicação dos espíritos. Não havia outra alternativa. O Espiritismo enfrentava o desafio da ciência, muito mais relevante do que a sistemática oposição religiosa. Alguns homens de ciência entraram nesse campo exclusivamente para tirar a limpo a questão da comunicação entre vivos e mortos. Não tinham outro fito. E, por isso mesmo, empregaram todos os meios, forraram-se de cuidados especiais, amarraram médiuns, fiscalizaram sessões com vigilância implacáveis, mediram, pesaram, confrontaram, fizeram tudo.

E era necessário. Chegaram às provas. A maioria deles ficou apenas no terreno experimental, deu testemunho, colocando-se corajosamente acima de preconceitos e conveniências, mas a verdade é que não se dedicou à especulação filosófica, não chegou à Doutrina, em suma. Grande contribuição, indiscutivelmente, no campo experimental. Não foi o caso, entretanto, de Gabriel Delanne. Este, sim, tinha embocadura de experimentador, era homem de formação científica, mas também fez obra doutrinária, na linha intelectual de Allan Kardec, Léon Denis, por exemplo.

Delanne partiu do fenômeno, como vários outros, mas entrou na indagação, fez estudos filosóficos, tirou conclusões válidas e lúcidas. A todos, no entanto, de um lado e do outro lado, isto é, tanto do lado puramente fenomênico quanto do lado doutrinário, muito deve o movimento espírita, pois todos eles são figuras clássicas na história do Espiritismo.

De certo tempo em diante (devemos compreender bem a situação), uma vez provada e comprovada a comunicação entre vivos e mortos, naturalmente já não havia tanto interesse pelo campo experimental, diante dos depoimentos de homens de projeção científica, sem qualquer compromisso de ordem sentimental, religiosa ou doutrinária. Passou, até certo ponto, a fase das experiências objetivas, porque a própria expansão das ideias espíritas começou a provocar interesses de outra natureza, devido às necessidades humanas.

Abriram-se, na realidade, dois focos de atenção: o fenomênico e o doutrinário. A divulgação da Doutrina criou, a bem dizer, uma polarização muito intensa, justamente porque muita gente queria mensagem, reclamava uma filosofia de vida, não se contentava somente com a prova direta das comunicações. Os estados de angústia, a desorientação espiritual, a falta de segurança interior, a deficiência de cultura religiosa, tudo isso, realmente, levou o homem, depois de algum tempo, a procurar a mensagem espírita em estado de quase sofreguidão e, por isso, deixou de se concentrar muito nas experiências científicas.

Veio daí a popularização do Espiritismo, trazendo certos prejuízos, é inegável, porque se desprezou muito o estudo sério, a pesquisa, o raciocínio analítico para enveredar pela simples crença nos espíritos, como que abrindo caminho para a formação de mais uma seita... Esse desvirtuamento, convenhamos, afastou certos homens afeitos a estudos científicos. Tudo isto é aceitável na consideração do problema.

Há, porém, outro aspecto, e este deve ser levado em conta. É justamente o aspecto humano. O Espiritismo, hoje em dia, não é apenas um campo de experiências mediúnicas, é uma doutrina de vida, representa a solução de muitos problemas do homem moderno. As necessidades humanas vão aumentando cada vez mais, na medida em que a sociedade se torna mais complexa. E o Espiritismo, para boa parte da sociedade atual, é a "última esperança", é a grande resposta, que o homem não encontra noutras doutrinas, apesar de haver batido em muitas portas... É uma realidade diferente daquela realidade que, na segunda metade do século 19, viveram grandes experimentadores da fenomenologia mediúnica.

Justamente por isso, o problema, não pode ser apresentado apenas por um prisma, seja qual for, mas através de vários ângulos de observação, sobretudo quanto às peculiaridades de cada país. Podemos, pois, chegar a estas sumárias conclusões:

Em primeiro lugar, pelo fato de não haver, hoje, ao que conste, experiências do tipo de Crookes, Geley, Lombroso e outros, isto não significa que não haja médiuns nem tampouco nos permite concluir que o ciclo experimental do Espiritismo tenha deixado de ser necessário;

Em segundo lugar, se é verdade, até certo ponto, que a falta de interesse pela investigação científica é prejudicial à compreensão e ao conceito do Espiritismo, também é verdade que o homem atual é absorvido por uma série de problemas prementes e, por isso, o aspecto doutrinário tem, para ele, maior interesse no momento, por causa da mensagem, que vai ao sentimento, aliviando as feridas da alma.

De tudo isso, afinal, podemos inferir que é necessário encarecer e estimular as pesquisas, a experiência científica, que teve sua razão de ser no século passado e ainda se faz indispensável nos dias atuais, mas não devemos perder de vista o lado verdadeiramente humano do Espiritismo diante do sofrimento e da profunda decadência moral que se observa em todos os níveis sociais. Não nos esqueçamos de que o Espiritismo atende, ou deve atender, ao mesmo tempo, a necessidades diversas: necessidades científicas, necessidades sociais, necessidades emocionais e assim por diante.

 

 


Fonte: Anuário Espírita 1974, ano XI, nº 11. Órgão do Instituto de Difusão Espírita (IDE) – Araras-SP.
- http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1425.html

 

 

 

Deolindo Amorim nasceu na Bahia em 23 de janeiro de 1906 e desencarnou no Rio de Janeiro, em 24 de abril de 1984. É considerado, ao lado de Carlos Imbassahy e Herculano Pires, um dos maiores pensadores espíritas do Brasil. Jornalista, sociólogo, escritor espírita de estilo professoral, extremamente didático e elegante, Deolindo foi um dos maiores divulgadores do Espiritismo como cultura e voltado para a análise de questões da atualidade. Fundou o Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB), foi um dos idealizadores da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (Abrajee) e graças ao seu empenho, em conjunto com a Liga Espírita do Brasil, realizou-se no Rio de Janeiro, em 1949, o II Congresso Espírita Pan-Americano. Obras: Espiritismo e Criminologia; O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas; Africanismo e Espiritismo; O Espiritismo e os Problemas Humanos; Ideias e Reminiscências Espíritas; Allan Kardec, o Homem e o Meio, dentre outras.

 



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